O Brasil em São José da Costa Rica: 20 anos de reconhecimento da jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos

AutorAndré de Paiva Toledo - Kiwonghi Bizawu
CargoDoutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris 2, Paris, França. Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Brasil. Professor do PPGD da Escola Superior Dom Helder Câmara, Belo Horizonte, Brasil - Sacerdote, advogado e Professor de Direito Internacional na Escola Superior Dom Helder Câmara
Páginas13-50
13
Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.15 n.33 p.13-50 Setembro/Dezembro de 2018
O BRASIL EM SÃO JOSÉ DA COSTA RICA: 20
ANOS DE RECONHECIMENTO DA JURISDIÇÃO
CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS
http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v15i33.1384
André de Paiva Toledo
Doutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris 2, Paris, França. Mestre e Bacharel em Direito
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Brasil. Professor do PPGD da
Escola Superior Dom Helder Câmara, Belo Horizonte, Brasil.
Kiwonghi Bizawu
Sacerdote, advogado e Professor de Direito Internacional na Escola Superior Dom Helder Câmara.
Email: sebak_07@hotmail.com
RESUMO
Este artigo foi elaborado para marcar o 20o aniversário de reconhecimento
pelo Estado brasileiro da jurisdição contenciosa da Corte Interamericana
de Direitos Humanos. Pretende-se fazer uma análise individualizada das
sentenças em nove casos em que o Brasil foi réu entre 1998 e 2018 para,
em seguida, identicar os aspectos sistêmicos, apontando as principais
diculdades para seu cumprimento. Conclui-se que as responsabilizações
do Brasil concentram-se em quatro grandes eixos: violência médica,
questão fundiária, violência policial e trabalho escravo. No que concerne
aos obstáculos ao cumprimento das sentenças, destaca-se a insistência
na aplicação interna de prescrição e anistia em relação a crimes contra a
humanidade.
Palavras-chave: Corte Interamericana de Direitos Humanos; Brasil;
jurisdição contenciosa.
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BRAZIL IN SAN JOSÉ, COSTA RICA: 20 YEARS OF
ACKNOWLEDGEMENT OF THE CONTROVERSIAL INTER-
AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS
ABSTRACT
This article was written to mark the 20th anniversary of recognition by
the Brazilian State of the contentious jurisdiction of the Inter-American
Court of Human Rights. It is intended to make an individualized analysis
of the sentences in nine cases in which Brazil was defendant between 1998
and 2018. It identies then the systemic aspects of the sentences, pointing
out the main difculties for its compliance. It is concluded that Brazil’s
responsibilities are concentrated in four main areas: medical violence,
land issues, police violence and slave labor. Concerning the obstacles to
compliance with the judgments, the insistence on the internal application
of prescription and amnesty in relation to crimes against humanity stands
out.
Keywords: Inter-American Court of Human Rights; Brazil; contentious
jurisdiction.
André de Paiva Toledo & Kiwonghi Bizawu
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Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.15 n.33 p.13-50 Setembro/Dezembro de 2018
INTRODUÇÃO
Apesar de a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)
ter sido adotada em 1969 e ter entrado em vigor em 1978, o Brasil só
depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, uma semana antes
do Massacre do Carandiru1. Desde então, o Brasil é obrigado a respeitar e
assegurar o pleno exercício dos direitos ali previstos. O dever de respeito
consiste em impedir que os agentes públicos violem direitos, enquanto
o dever de garantia concretiza-se na adoção de todas as medidas para
assegurar o gozo desses direitos. Se, ainda assim, ocorrer uma violação, o
Estado deve investigar, julgar e punir os responsáveis, assim como reparar
as vítimas ou seus familiares (RAMOS, 2007).
Seis anos depois da adesão à CADH, em 10 de dezembro de
1998, o Brasil depositou nota de reconhecimento soberano da jurisdição
contenciosa2 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH).
Desde então, pode a CtIDH julgar o mérito de casos sobre a interpretação
e aplicação da CADH, que envolvam o Brasil (ROSATO; CORREIA,
2011). Quando se completam vinte anos de jurisdição contenciosa da
CtIDH em relação a demandas de responsabilização do Brasil por violação
de direitos humanos protegidos na CADH, a presente pesquisa pretende,
em um primeiro momento, fazer um balanço dos casos, identicando as
principais características dos fatos controversos e analisando os rumos
das discussões sobre o direito. Ao nal, faz-se uma comparação desses
elementos distintivos, apontando os grandes desaos que se põem ao País
em termos de respeito à dignidade humana.
1 JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CTIDH
À CtIDH compete examinar o mérito de casos em que são
réus os Estados-partes da CADH, que tenham, por sua vez, reconhecido
expressamente sua jurisdição, como o é o Brasil, desde 1998. Excluída,
por questão metodológica, a competência consultiva3, uma demanda de
1 O Massacre do Carandiru foi o resultado de uma operação da Polícia Militar de São Paulo, realizada
em 2 de outubro de 1992, para conter uma rebelião de presos da Casa de Detenção de São Paulo
(Carandiru), que resultou na morte 111 detentos.
2 A CtIDH pode também adotar opiniões consultivas sobre interpretação da CADH ou outro tratado
americano de direitos humanos, quando solicitado por membro da Organização dos Estados Americanos
(OEA). Além disso, qualquer Estado parte da CADH pode solicitar à CtIDH a opinião consultiva sobre
a convencionalidade de normas de direito interno.
3 Qualquer membro da OEA pode solicitar um parecer da CtIDH sobre interpretação da CADH ou
outro tratado de proteção de direitos humanos, reconhecido pelos Estados americanos. A CtIDH pode,

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