A Boa-Fé Objetiva no Novo Código Civi
Autor | Daniel Ustárroz |
Páginas | 13-46 |
Page 13
Capítulo 1
A
Boa-Fé
Objetiva no
Novo
Código
Civil
Comparado
A tutela da boa-fé não é – logicamente – uma criação da modernidade
ou
da
era
contemporânea.Ao
contrário,sua
proteção está
presente
desde
os
usos
e
sistemas
mais
antigos.Apenas
por curiosidade,
o
Código
de
Hamurabi,
elaborado
em
época
próxima
a
1750
a.C.,
já
indicava,em
sua
11ª
sentença,que,caso
o
indigitado
proprietário
de
uma
coisa
perdida
não
levasse
a
juízo
testemunhas
que conhecessem
o
bem,seria
presumida
sua
má-fé
e
aplicada
a
pena
de morte
1.Brevíssimas
Notas
Sobre
a
Boa-Fé
no
Direito
13ª
sentença,autorizava-se
o
magistrado
a fixar
um
prazo
de
seis meses
para que as testemunhas fossem apresentadas, sob pena de caracterização
da
má-fé
e
da
pena
capital
4
.Na
5
.
Seria deveras impossível catalogar todas as manifestações do princípio da boa-fé nas legislações históricas. Contudo, uma mirada pelos
seus
antecedentes
próximos
auxilia
a
compreensão
de
seu papelno
Código Civil e quiçá oferece horizontes interpretativos. O interesse, nesse breve passeio pelos sistemas civis ocidentais, reside na
4
§
11
:
“Si
c’est
le propriétaire
(prétendu)
de
l’objet
perdu
qui
n’a
pas
amené
les
témoins
connaissant
son
objet
perdu,ilest
de
mauvaise
foi,a
suscité
la
calomnie et
est passible de mort”. O texto integral do Código pode ser encontrado em http://fr.wikisource.org/wiki/Page:La_Loi_de_Hammourabi.djvu
/26>.
Acesso
em:
20
dez.2009.
§
13.Siles
témoins
de
cet
homme
ne
sont
pas
à
proximité,le
juge
fixera
un délai
jusqu’au
sixième
mois.
Si
pour
le
sixième
mois,
il
n’a
pas
amené
ses
témoins,
cet
homme
est
de
mauvaise
foi,et
portera
la
peine
de
ce procès.
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ONTRATUAL
visualização
do
amadurecimento
de
um
princípio
que
hoje
é
tido como
fundamentalno
direito
obrigacionale
que
é
partilhado
pela
maioria dos
países.
O
Código
Napoleônico,em
diversos
artigos,fez
alusão
à
boa-fé,tal
como
se
vê
das
normas
referentes
ao
casamento putativo
(arts.201
6
e
9
), aos efeitos do pagamento (art.
10
), assim como no dever de prestar conforme a boa-fé (arts.
11
e
1.135
12
).Tanto
em
razão
do
teor
das
normas
quanto
em
face
do
trabalho da doutrina e da jurisprudência da época, a boa-fé foi valorizada
pelo
seu
valor
subjetivo,ou
seja,como
contraponto
à má-fé
do
agente.O
direito
deveria
estimular
a
convivência
tranquila
e sincera
das
pessoas,reprovando
as
condutas
que
se
afastassem
deste ideal.
Art.201:“Le
mariage
quia
été
déclaré
nulproduit,néanmoins
les
e[ff]ets
civils,tant
à
l’égard
des
époux
qu’à
l’égard
des
enfans,lorsqu’ila
été
contracté
de
bonne foi”.
Art.202:“Sila
bonne
foin’existe
que
de
la
part
de
l’un
des
deux
époux,le
mariage
ne
produit
les
e[ff]ets
civils
qu’en
faveur
de
cet
époux,et
des
enfans
issus
du mariage”.
Art.549:“Le
simple
possesseur
ne
fait
les
fruits
siens
que
dans
le
cas
où ilpossède
de
bonne
foi:dans
le
cas
contraire,ilest
tenu
de
rendre
les
produits
avec
la
chose
au
propriétaire
quila
revendique”.
Art.550:
“Le
possesseur
est
de
bonne
foiquand
ilpossède
comme
propriétaire,en
vertu
d’un
titre
translatif
de
propriété
dont
ilignore
les
vices.Ilcesse
d’être
de bonne
foidu
moment
où
ces
vices
luisont connus”.
Art.1.240:“Le
paiement
fait
de
bonne
foià
celuiquiest
en
possession
de
la créance
est
valable,encore
que
le
possesseur
en
soit
par
la
suite évincé”.
11
Art.1.134
do
Código
Civilfrancês:“Les
conventions
légalement
formées tiennent
lieu
de
loi
à
ceux
qui
les
ont
faites.
Elles
ne
peuvent
être
révoquées
que
de leur
consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être exécutées
de
bonne
foi
”.
12
Assim
reza
o
art.
1.135
do Código
Civil
francês:
“Les
conventions
obligent
non
seulement
à
ce
quiy
est
exprimé,mais
encore
à
toutes
les
suites
quiĺequité,ĺusage,
ou
la
loi
donnet
à
ĺobligation
dáprés
sa
nature”.
Em
idêntico
semelhante,o
art.
1.374
do
CC
italiano:“Integrazione delcontratto
–
Ilcontratto
obbliga
le partinon
solo
a
quanto
è
nel
medesimo
espresso,
ma
anche
a
tutte
le
conseguenze
che
ne
derivano
secondo
la
legge,o,in
mancanza,secondo gliusie
ĺequità”.
14
DanielUstárroz
202
7
), à posse (arts. 549
8
e 550
1.240
1.134
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DE
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C
ONTRATUAL
Essa realidade pode ser explicada pela inspiração do Código, baseado
no
lema:
universalisme,individualisme
e
moralisme
.Com efeito,
trata-se
de
um
Código
elaborado
para
servir
de
modelo
universal,na
disciplina
de
relações
entre
sujeitos
perfeitamente identificados
13
.
Ele
reflete as estruturas econômicas da sociedade francesa do final do Século
XVIII;portanto,parte
de
um
mundo
onde
a
atividade econômica
ainda é agrária e artesanal, o que induz litígios entre sujeitos identificáveis
14
.De
seu
turno,o
moralismo
irá
se
refletir
no
respeito
à
palavra
dada
e
na
exigência
de
culpa
para
a
pretensão indenizatória.
Dentro
desse
contexto,o
fundamento
centralda responsabilidade
civil
era
a
culpa,
de
sorte
que
a
interpretação
do
conceito
de boa-fé
seguia
a
linha
do
sistema.É
a
boa-fé
subjetiva
que
se
liga intimamente
com a animosidade do sujeito. Não havia, ainda, condições para se afirmar
uma
teoria
objetiva
da
boa-fé
que
se
desligasse completamente
do
elemento
vontade,focalizando
sua
atenção
na
comparação
entre
a
atitude
tomada
e
aquela
que
se
poderia
esperar
de
um
homem razoável,
médio,não
reticente,bom
paide
família
ou
outro
standard
valorizado
pelo
sistema.Perquiria-se,porque
importante
à
luz
das
premissas
do
Código,o
reconhecimento
do
animus nocendi
.
Seja como for, quiçá por influência das ideias luminosas e da consagração
inicialda
teoria
voluntarista
dos
contratos,o
fato
é
que não
houve
grande
elaboração científica
(e
prática)
da
aludida
cláusula geral,
na acepção objetiva. Os problemas visualizados na prática eram resolvidos
mediante
o
apelo
a
outras
figuras.Em
nosso
sentir,entre
as
razões que justificaram essa realidade, encontravam-se a diversa
13
Inegávelnos
parece
a
influência
do
Code
nos
sistemas
jurídicos
estrangeiros,quer
europeus,quer
latino-americanos,quer,ainda,asiáticos.
obsolescence
du
Code
DanielUstárroz
Muito
interessante,a
este
respeito,o
texto
da
Professora
GENIVIÈVE
V
INEY
Modernité ou
Civil .
Nele,
a
autora
demonstra
como
um
Código elaborado
dentro
de
um
contexto
profundamente
diverso
da
realidade
atualconseguiu,pelo seu
mérito
e
pelo
trabalho
oxigenador
da
academia,conservar
sua utilidade.
15
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DanielUstárroz
compreensão do
conceito
do
contrato
e
o papel
exercido
pelo Poder
Judiciário,dentro
da
divisão
constitucionalde
competências.Não
soa,
aliás, nada simpático autorizar a ampla invasão do magistrado no conteúdo
do
contrato,o
qualespelharia
a
conveniência
dos
parceiros.
A lição do
“Canal de Craponne”, cujo acórdão data de 1876, é elucidativa
a
este
respeito:“Dans
aucun
cas,ilnáppartient
aux tribunaux,
quelque equitable que puisse leus paraître leur decision, de prendre en considération
le
temps
et
les
circonstances
pour
modifier
les
conventions des
parties
et
substituer
des
clauses
nouvelles
à
celles
qui
ont
été librement
acceptées
par
les
cocontractans”.Ou
seja,por
mais
équo
que
possa parecer,
os Tribunais não estariam autorizados a modificar as convenções livremente
elaboradas
pelos
contratantes.
Quanto à influência da boa-fé, situação diversa ocorreu na Alemanha.Com
efeito,o
Código
Civiltedesco
(BGB-1900),criado quase
um
século
após
o
irmão francês
(1804),dedicou
dois
parágrafos
para
a
consagração do princípio da boa-fé, sob a significação objetiva
15
.
242,que
ordena
devedor
e
credor
a agirem
de
acordo
com
os
costumes
do
tráfego
e
os
ditames
da
boa-fé objetiva,
com
o fito
de
resguardar
os
legítimos
interesses
do
alter
originados
a
partir
do
contato negocial
Primeiramente,através
do
§
157,que
regula
a
interpretação dos contratos, ditando que “os contratos devem ser interpretados
de
acordo
com
a
confiança
e
a
boa-fé”
16
.Após,com
a
regra
do
§
17
.
Um século após a elaboração do
Code
, na República tedesca, a
realidade
já
era
outra,quer
na
esfera
social,com
a
revolução industrial,
Enquanto
o
Código
Napoleônico
data
de
1804,o
BGB
entrou
em
vigor em
1900.
Schuldner
ist verplichtet,
die Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mit Rucksicht auf die Verkehrssitte
es
esfordern”.
17
§ 157: “Auslegung von Verträgen. Vertraege sind so auszulegen, wie Treu und Glauben
mit
Rücksicht aufdie
Verkehrsitte
es erfordern”.
16
16
No
original:§
242:“Leistung nach
Treu und
Glauben.Der
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IREITO
C
ONTRATUAL
quer
no
pensamento
jurídico.Basta
lembrar
a
célebre
polêmica travada
entre
os
juristas
acerca
da
valia,ou
não,de
codi...
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