Black Movement and the quilombola agenda in the Constituent Assembly: action, strategy and repertoire/Movimento Negro e a pauta quilombola no Constituinte: acao, estrategia e repertorio.

AutorRodrigues, Bruno de Oliveira
CargoReport

Introducao

O presente trabalho pretende evidenciar o cenario de irrupcao da luta pelo reconhecimento dos direitos etnico-quilombola no periodo pre-constituinte e constituinte, analisando primordialmente o papel do movimento negro na producao destes. Sendo assim, buscaremos evidenciar o repertorio de acao do movimento negro e suas estrategias organizativas no referido periodo.

A partir do manuseio da bibliografia especializada, apresenta-se o modelo de insercao do negro da sociedade brasileira, assim como, um mapeamento do quadro politico que antecede o pre-constituinte. Na sequencia, debate-se sobre a articulacao e estruturacao do movimento negro no Brasil e seus intercruzamentos no cenario de mobilizacao. Ao cabo, evidenciam-se as conquistas no documento Constitucional no que se refere aos direitos dos remanescentes quilombolas e a implicacao de sua consolidacao.

  1. A formatacao do Estado brasileiro

    Pretendemos introduzir um contexto no qual a questao quilombola se apresenta, para isto, falar sobre as raizes organizativas do Estado brasileiro pode indicar e preparar o olhar para o que se apresenta na sequencia. Com isto nao pretendemos fazer a arqueologia (ir, destrinchar, indicar e identificar as provas mais cabais do historico da formacao do Estado brasileiro) da formacao social brasileira desde os primordios da colonizacao, mas somente introduzir o assunto. Para Tilly, a historia apresenta aspectos importantes para entender a organizacao dos movimentos sociais e sua formatacao historica (2010) (1).

    A fundacao "a la lusitana" do Estado brasileiro vai ao encontro da doacao de grandes porcoes de terras, pela coroa portuguesa, a seus nacionais propensos a colonizacao das terras brasileiras, assim como, a formacao desses latifundios atraves da ampliacao da logica escravista do trabalho e a cumplicidade entre o privado e o publico. Os territorios foram sendo tomados de assalto dos indios, "mas tambem na violencia contra o trabalhador do campo e na manipulacao eleitoral de grande numero de pessoas tendo como base as politicas do favor" (BARCELOS, BARRIEL, 2009, p. 4).

    A Lei 601 de 1850, conhecida como "Lei de Terras", tornou a terra mercadoria, reconhecendo a propriedade aos herdeiros das capitanias e vislumbrando a compra onerosa como o unico meio de acesso a terra (BARCELOS, BARRIEL, 2009, p. 5). Com isso, os processos de expulsao de comunidades tradicionais se tornaram rotineiras, assim como, e este o periodo pelo qual grande numero de conflitos eclode no campo, com a resistencia de varios camponeses e comunidades etnicas opondo-se aos assedios dos proprietarios, que consideravam todas as ocupacoes irregulares, ampliando os conflitos entorno de estimas e da intolerancia (LEITE, 2008, p. 968).

    Esta logica e endemica pois, historicamente o Estado se alia, ou aliou, aos grandes proprietarios para expulsar os camponeses (BARCELOS, BARRIEL, 2009, p. 5). Com isso queremos indicar canais estreitos de conexao entre o Estado (enquanto "res" publica) com o capital privado. Alinhamento o qual reforca a ideia tao difundida na organizacao institucional brasileira, qual seja, a politica da tutela e do favor e o imperio da confusao entre o publico e o privado.

    O colonialismo percebia os povos e os homens em dois blocos bem distintos, os civilizados e os primitivos/selvagens, esses segundos foram imputados como incapazes de autodeterminacao. As principais estrategias foram o estrangulamento das identidades etnicas a nivel ideologico e pratico, o controle geografico, a nao concentracao de individuos de mesma etnia, a neutralizacao das linguagens africanas, forcando a aprendizagem do portugues, buscavam tornar inoperante as interacoes identitarias, levando ao esvaziamento das identidades etnicas (BANDEIRA, 1991, p. 9-11).

    Frente a iminencia da abolicao, a proibicao de trafico de negros e a lei do ventre livre, viu-se a possibilidade de um colapso na organizacao da forca de trabalho interna brasileira. Neste sentido, editou-se um marco legal para regular as novas relacoes de trabalho, as quais deveriam ser formalizadas. Assim, em 1879 criou-se uma lei que regulava a forma das relacoes de trabalho, atraves de contrato de locacao da forca de trabalho. Esta lei fazia distincao entre estrangeiros, brasileiros e libertos, regulando as obrigacoes especificas, onde, respectivamente, podia-se contratar por cinco, seis ou sete anos, alem de uma miriade de dispositivos de penalidades, que agora nao serao abordados. Mesmo libertos, aos negros restaram o legado da diferenciacao interna, pois, embora gozassem formalmente de todos os direitos (Constituicao de 1891), o Estado nao reconheceu quaisquer tipos de obrigacao e responsabilidade de ressarcimento em relacao aos processos historicos de opressao (BANDEIRA, 1991).

    Esse periodo pos-abolicionista e marcado pela ocupacao de terras publicas, ou abandonadas, pelos negros, caracterizada pela densa concentracao de ex-escravos na busca de sobrevivencia agora fora do dominio dos "senhores". Esse fenomeno social recebe a nomenclatura de quilombos, que sao um fenomeno primordialmente rural e compoem fortemente o universo campones brasileiro, distinguindo-se pela historia particular e condicao etnica. Mesmo apos a abolicao estes permaneceram presentemente articulados a uma realidade em relacao ao trabalho e ao mercado das terras. O negro rural era o pequeno produtor de bens de subsistencia ao mesmo tempo em que era forca de trabalho disponivel ao capital. Suas terras nao eram reconhecidas em ambito juridico e politico. A "terra de preto" era tambem terra camponesa, atualizada pela questao da etnicidade (2) (GUSMAO, 1991).

    Avancando na proposta deste topico, para Otavio Velho, o Brasil e um pais de "capitalismo autoritario", pois aliou e institucionalizou o autoritarismo, que e a garantia do regime da servidao (repressao da forca de trabalho) via autoridade politica, articulado as pressoes internacionais comandadas pela burguesia. No capitalismo autoritario, o poder politico comanda com relativa autonomia em relacao ao poder economico (1979, p. 39-44). O capitalismo autoritario desenvolveu-se em paises que nao experimentaram a revolucao comandada pela burguesia, mas somente sofreram os assedios de seu modelo de desenvolvimento a posteriori.

    Este contexto levou o Brasil a um modelo autoritario de desenvolvimento capitalista forcado, que induz a salto de etapas intermediarias do desenvolvimento capitalista burgues (acumulo primitivo), assim, este experimentou processos de modernizacao impostos pelo cenario internacional que era dominado pela burguesia, atraves de importacao de tecnologias avancadas, a fim de acompanhar o desenvolvimento imposto pelo capitalismo avancado (VELHO, 1979, p. 42-5).

    O capitalismo autoritario nao logrou exito em levar a estrutura nacional a homogeneizacao, continuou com estruturas de producao marginalizadas, como a producao campesina, extrativista e de subsistencia, as quais resistiram no cenario nacional combinados aos modelos de producao capitalistas. O modelo campesino de producao subsistiu de forma subordinada, atraves da repressao da mao-de-obra campesina, pois os "plantations" no Brasil exploravam e garantiam a imobilizacao da mao-de-obra campesina atraves da permissao para que estes plantassem pequenas porcoes de terra para subsistencia, seja dentro ou fora dos limites dos "plantations" (VELHO, 1979). Os "plantations" reuniam e imobilizavam a forca de trabalho, criando um exercito de reserva.

    Nao longe disso, a sensibilidade as pressoes ruralistas do Estado na era Vargas podem ser observadas quando da formulacao dos direitos trabalhistas no Brasil, que sao arquitetados e direcionados para a o trabalhador urbano, silenciando e afastando-se de clivagens com os interesses do capital ruralista (BARCELOS, BARRIEL, 2009, p.7). Isto nao significa que nao havia um plano para expansao da forca centralizada do capitalismo autoritario no Brasil, o governo federal se movimentava no sentido de criar meios e mecanismos para enfraquecer os poderes localmente/regionalmente enraizados dos donos dos "plantations", via o fortalecimento de sindicatos rurais com injecao de recursos estatais nos mesmos, os quais permitiram e criaram contextos ideais para a formacao de liderancas campesinas, alem de promover uma forma de mobilizacao do campo subordinado ao governo centralizado (VELHO, 1979).

    A rapida mobilizacao do trabalhador do campo deveu-se aos canais abertos dos sindicatos campesinos com os sindicatos e movimentos urbanos, que passaram a concorrer pelo apoio e aproximacao daqueles (HOUTZAGER, 2004, p. 88). Tais movimentos sao, mais adiante, reforcados pelos movimentos eclesiais de base. O campones se aproxima dos sindicatos, que se expandem atraves de um recrutamento efetivo de trabalhadores, principalmente pelos beneficios que os sindicatos ofereciam aos sindicalizados (exemplo: assistencia medica).

    Com a falencia dos "plantations", principalmente os do nordeste, e a seguida expansao de direitos trabalhistas ao campones (exemplo: pagar salario minimo), fragilizou o laco que ainda imobilizava a mao-de-obra local, pois os latifundiarios retiraram as autorizacoes e concessoes da utilizacao da terra para o autoconsumo e subsistencia. Assim, uma imensa concentracao de mao-de-obra de reserva ganhou liberdade, a qual parte foi direcionada para a expansao das fronteiras no sul, parte para o "oeste" (Para e Amazonas) e outro contingente populacional em direcao a regiao Centro-Oeste (impulsionada pela ideia de ocupar a regiao da nova capital nacional) (VELHO, 1979).

    O poder economico e as varias dimensoes do politico sempre criaram tensoes no Brasil, de um lado o capital burgues detentor do poder economico nas grandes cidades, mobilizando o poder politico para o desenvolvimento industrial e expansao dos grandes nucleos populacionais, conforme pressoes internacionais do capitalismo burgues, e de outro, as tensoes internas entre os poderes politicos rurais-locais e o poder politico...

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