A biopolítica de Oliveira Vianna

AutorAngelo Gamba Prata de Carvalho
CargoGraduando pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. Integrante do Grupo de Pesquisa em Retórica, Argumentação e Juridicidade. E-mail: angelogpc@hotmail.com
Páginas36-54

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Angelo Gamba Prata de Carvalho1

Recebido em 18.11.2015

Aprovado em 15.1.2016

Resumo: Francisco José de Oliveira Vianna foi um jurista e cientista político de relevante atuação política na primeira metade do século XX, com importante ênfase no período do Estado Novo, no qual chegou a exercer cargos públicos e a apoiar com sua produção acadêmica. Oliveira Vianna buscou, ao longo de sua obra, expor as bases da formação histórico-cultural do Brasil, a fim de fornecer um diagnóstico da situação política de sua época e uma solução para a melhora do quadro. Essa solução pode ser resumida ao chamado “autoritarismo instrumental”, que consiste na adoção de um governo forte e centralizador para que se chegue a um Estado liberal, somente alcançável a partir do advento de uma sociedade também liberal. O que se observou na obra de Oliveira Vianna foi um forte e permanente traço biopolítico, uma vez que todo seu projeto diz respeito à sujeição dos corpos dos indivíduos à ação do Estado, controlando, em um primeiro momento, sua disposição genética e os respectivos traços fenotípicos e, em um segundo momento, sua colocação como cidadãos por meio da outorga de características a uma “raça brasileira” composta pela força aglutinante dos sindicatos. A separação entre um “Povo” incluído e um “povo” excluído, seguida da tentativa de transformá-los em um unico bloco homogêneo, é uma constante na obra de Oliveira Vianna, de modo que se pôde observar em sua produção as características da biopolítica que descreveram autores como Giorgio Agamben e Michel Foucault.

Abstract: Francisco José de Oliveira Vianna was a jurist and political scientist with a relevant political role in the first half of the twentieth century, especially in the period called “Estado Novo”, when he held public positions and supported the regime with his academic work. Oliveira Vianna has tried to produce a diagnosis of the political situation of his time and also to produce a solution to the problems he has found. This solution can be synthetized by the concept of “instrumental authoritarianism”, which consists on the adoption of a strong and centralized government for the construction of a liberal State, only achievable with the establishment of an also liberal society. A strong and permanent biopolitical trace has been observed in Oliveira Vianna’s works, since his whole production is about the submission of the individuals’ bodies to the State, first trying to control the genetical and physical characteristics of the population and, later, the development of a so-called “Brazilian race” and its respective characteristics through the agglutinative force of worker’s unions. The division between the included “People” and the excluded “people”, followed by the attempt to transform them into only one homogenous block, is constant on Vianna’s works, in a way by which one can observe the characteristics of Biopolitics, as described by theorists like Giorgio Agamben and Michel Foucault.

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Palavras-chave: Oliveira Vianna; Biopolítica; Eugenia; Giorgio Agamben; Michel Foucault.

Keywords: Oliveira Vianna; Biopolitics; Eugenics; Giorgio Agamben; Michel Foucault.

Introdução

No final de Vontade de Saber, o primeiro volume da História da Sexualidade, Michel Foucault sintetizou a ideia de biopolítica ao concluir que o fato de viver não surge como questão para a intervenção do Estado apenas no nascimento e na morte do indivíduo, uma vez que no “limiar da modernidade biológica” a espécie entra como fator essencial na formulação de estratégias políticas. (FOUCAULT, 1988, p. 134)

O entrelaçamento entre vida política e vida biológica, definido por Löwith como “politização da vida”, consistiu em fator fundamental para o estabelecimento dos Estados totalitários do século XX. Uma vez que a vida biológica se torna o fato politicamente decisivo para as democracias de massa, conforme Agamben (2007a, p. 126-128), todo evento político passa ser de dupla face, já que, a cada nova liberdade ou direito conquistado pelos indivíduos, suas vidas se tornam cada vez mais inscritas na ordem estatal.

Como apontou Agamben (2007a, p.129) em seu Homo Sacer, uma série de acontecimentos históricos marcam o desenvolvimento do paradigma biopolítico como padrão da modernidade, desde as declarações de direitos até os princípios eugenéticos dos nazistas. O esforço teórico levado a cabo para que assuntos atinentes à vida biológica dos povos fossem convertidos em conceitos jurídico-políticos foi parte essencial da atividade política do século XX, no que se pode observar a contiguidade entre democracias de massa e Estados totalitários.

Francisco José Oliveira Vianna foi um dos autores brasileiros que procurou compreender a formação de uma democracia brasileira por meio do fornecimento de uma síntese da organização política e social brasileira. A procura de um ethos do brasileiro, de explicações acerca de nossa estrutura social e, por vezes, de soluções para as mazelas diagnosticadas, é o tema de obras importante como as Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de

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Hollanda e Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, ambos contemporâneos (e divergentes quanto às conclusões) em relação a Oliveira Vianna.

Oliveira Vianna nasceu em 1883 e foi um jurista, professor e jornalista, além de ter desempenhado funções estatais (foi consultor da Justiça do Trabalho e ministro do Tribunal de Contas da União) após a chamada Revolução de 1930. Em 1920, publicou Populações Meridionais do Brasil, um estudo no qual distinguiu as três sociedades que compõem o povo brasileiro (a dos sertões, a das matas e a dos pampas), observando em cada uma seu respectivo personagem (o sertanejo, o matuto e o gaúcho).

Nas Populações Meridionais, Oliveira Vianna inicia sua descrição da sociedade brasileira partindo do trabalho de autores como Tobias Barreto, Sílvio Romero e Alberto Torres, que buscavam compreender a realidade brasileira de um ponto de vista culturológico, a fim de compreender as causas do baixo grau de solidariedade existente entre os brasileiros. Os estudos de Oliveira Vianna têm continuidade em obras como Idealismo da Constituição (1920) e Evolução do Povo Brasileiro (1923), culminando na obra Instituições Políticas Brasileiras, de 1949.

Por meio da adoção de princípios da eugenia, atrelados a um modelo de explicação culturológico da formação social do Brasil, Oliveira Vianna traça um perfil daquilo que chama de “Povo-massa”, a fim de descrever o estado em que se encontra o desenvolvimento de um governo democrático no Brasil que, segundo o autor, só pode ser alcançado por meio de um governo forte (à moda do pensamento de Alberto Torres), que teria o papel de desenvolver o indivíduo e coordenar a sociedade.

Neste trabalho, serão analisadas as principais obras de Oliveira Vianna acerca da organização política brasileira, procurando identificar a importância da argumentação biopolítica em sua trajetória intelectual. Propõe-se, ainda, que se compreenda a integração das ideias de Oliveira Vianna ao imaginário político nacional no que concerne ao pensamento autoritário brasileiro, de modo a perceber sua relevância, junto a outros autores como Francisco Campos e Carlos Medeiros Silva, na formulação do ideário político tanto da ditadura do Estado Novo quanto da ditadura militar de 1964.

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As populações meridionais do Brasil

Oliveira Vianna deixa claro que seu objetivo ao estudar a formação da nação brasileira é o de desmistificação da ideia de que o povo brasileiro é uniforme, estruturado de forma homogênea ao longo de todo o território. Tendo em vista as constantes críticas de Oliveira Vianna às “importações” de modelos para que sejam aqui aplicados, notadamente criticando a atuação de Rui Barbosa2, pode-se perceber o esforço argumentativo desenvolvido pelo autor ao longo de toda sua obra para que se desenvolva uma estrutura de ação política que tenha como pressuposto uma análise histórica da sociedade brasileira.

No prefácio de Populações Meridionais do Brasil, o autor expõe seu intuito de maneira abstrata, intuito este que será melhor desenvolvido nas Instituições Políticas Brasileiras. Nesse livro, Oliveira Vianna trata daqueles grupos que considera mais importantes no que toca à compreensão da mentalidade política nacional, uma vez que considera que o Centro-sul foi a região onde com mais complexidade foi instalado o aparato colonial, mais tarde transformando-se em Império e depois em República, porém sempre com a atividade política concentrada nessa região.

Este livro é uma tentativa de aplicação desses critérios novos à interpretação da nossa História e ao estudo da nossa formação nacional. Todo o meu intuito é estabelecer a caracterização social do nosso povo, tão aproximada da realidade quanto possível, de modo a ressaltar quanto somos distintos dos outros povos, principalmente dos grandes povos europeus, pela história, pela estrutura, pela formação particular e original. Trabalho penoso, dada a extrema insuficiência dos elementos informativos. Nós somos um dos povos que menos se estudam a si mesmo: quase tudo ignoramos em relação à nossa terra, à nossa raça, às nossas regiões, às nossas tradições, à nossa vida, enfim, como agregado humano independente. (OLIVEIRA...

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