Biopoder, biopolítica e bioética: reflexões sobre o aborto seletivo como movimento de eugenia pós-moderna

AutorValter Moura do Carmo - Patricia Silva de Almeida
CargoDoutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor assistente da Universidade de Marília (UNIMAR). Email: vmcarmo86@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4871-0154; LATTES: http://lattes.cnpq.br/0080024407634503; - Doutoranda em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Oficial Registradora de Pessoas ...
Páginas42-59
42 | Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, n. 03, p.42-59, Set-Dez 2019
BIOPODER, BIOPOLÍTICA E BIOÉTICA: REFLEXÕES
SOBRE O ABORTO SELETIVO COMO MOVIMENTO DE
EUGENIA PÓS-MODERNA
BIOPOWER, BIOPOLITICS AND BIOETHICS: REFLECTIONS ON SELECTIVE
ABORTION AS A MOVEMENT OF POST-MODERN EUGENIA
Recebido: 04.08.2018 Aprovado: 03.10.2019
Valter Moura do Carmo
Doutor em Direito pela Universidade Federal de
Santa Ca tarina (UFSC). Professor assistente da
Universidade de Marília (UNIMAR).
Email: vmcarmo86@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4871-0154;
LATTES: http://lattes.cnpq.br/0080024407634503;
Patricia Silva de Almeida
Doutoranda em Direito pela Universidade de
Marília (UNIMAR). Oficial Registradora de Pessoas
Naturais e Tabeliã de Notas Município de Santa
Salete - SP.
Email: jpalmeida@via-rs.com.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4094-4976
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5522757486165755
RESUMO: O presente artigo tem por escopo a análise dos dilemas do aborto seletivo e os
avanços atuais da bioética, um instrumento de Eugenia na pós-modernidade, partindo do
estudo das premissas teóricas da conceituação de Biopoder e Biopolítica, sob a ótica filosófica
de Michel Foucault, e sua reinterpretação pelos filósofos contemporâneos António Ne gri,
Michael Hardt e Giorgio Agamben. Como metodologia de trabalho, optou-se pelo métod o
hipotético-dedutivo de pesquisa com base teórico-bibliográfica e legislativa. Inicia- se com a
descrição dos estudos da Bioética e a discutível questão do a borto seletivo; seguindo, no
tópico adiante, por um referencial sobre as bases teóricas que fundamentam o exercício do
Biopoder e da Biopolítica , sua origem, definiçã o e aplicaçã o; e, por fim, a análise da
repercussão negativa das ações que visam ao controle populac ional através do aborto seletivo
e do desenvolvimento da engenharia genética, um típico mecanismo representativo do
exercício do Biopoder sobre a vida humana.
PALAVRAS-CHAVE: Aborto seletivo. Bioética. Biopoder. Biopolítica. Euge nia.
ABSTRACT: The present article aims to analyze the selective abortion and the advance in
bioethics’ dilemma, an instrument of Eugenia in postmodernity. The study’s sta rt point is the
theoretical premises for the conceptua lization of biopower and biopol itics under the
philosophical view of Michel Foucault, and their reinterpretation by the contemporaneous
philosophers António Negri and Giorgio Agamben. As methodology of work, it was chosen
the hypothetical deductive method, based on theoretical bibliographic research. The article
begins with the description of the bioethics studies and the problematic issue regarding
selective abortion; the following topic presents a reference about the theoretical basis that
substantiate the practice of biopower and biopolitics, their origin, definition and applicability;
and, finally, the last topic, it brings an analysis concerning t he negative repercussion of the
actions that aim the population co ntrol through selective abortion and the development of
genetic engineering, a typical instrument that represents the practice of biopower over human
life.
Patrícia Silva de Almeida e Valter Moura do Carmo
43 | Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, n. 03, p.42-59, Set-Dez 2019
KEYWORDS: Selective abortion. Bioethics. Biopower. Biopolitics. Eugenics.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Bioética e os desafios do futuro. 1.1 A Bioética: a tênue questão do
aborto seletivo, subjetividades e o poder de escolhas. 1.2 A a rgumentação “expressivista”: os
abortos por má-formação fetal. 2 Biopoder e Biopolítica sob o enfoque de Michel Foucault,
Antonio Neri e Giorgio Agamben. 3 A indústria genética e o controle populacional: o aborto
seletivo por anomalia fetal, um instrumento de Eugenia na pós-modernidade. Conclusão.
Referências.
INTRODUÇÃO
Discursos éticos têm contemplado, no meio científico, o debate sobre a evolução da
espécie humana, graças ao desenvolvimento da biotecnologia. Esse indiscutível progresso
recente das ciências biológicas e da genética são representativos dos avanços na qualidade de
vida do homem.
Entretanto, as perspectivas injetadas pelo progresso biotecnológico permitem antever
resultados que são objeto de reflexão dos problemas decorrentes da moral e da política que
ultrapassam o campo científico: uma análise do poder que o homem adquiriu sobre o
determinismo de sua espécie, bem como a dominação dos seus desejos quanto ao domínio do
seu patrimônio genético.
Tal preocupação reacendeu a discussão na comunidade Bioética sobre a permissão
legal do aborto por má formação fetal, motivado por fatores considerados indesejáveis pela
gestante e seus familiares, tais como doenças hereditárias ou, até mesmo, motivado pela
escolha do sexo fetal em gestação.
Pelo que se tem observado, o referido procedimento corresponde a um método
seletivo, posto a partir da construção de um saber pós-moderno, o qual coloca em risco a
espécie humana, à luz da defesa dos interesses dos deficientes.
Ademais, confrontando os debates de avanços tecnológicos da Bioética com a
perspectiva analítica dos conceitos de Biopolítica e de Biopoder, gestados por Michel Foucault e
abordados pela filosofia contemporânea de António Negri e Giorgio Agamben, levar-se-á à
discussão se a mencionada técnica de controle seletivo populacional um novo dispositivo de
biopoder , faz ressurgir a inaceitável prática eugenésica no contexto da pós-modernidade.
Vários institutos de pesquisa nacionais e internacionais, até o presente momento,
firmam, por consenso científico, ser o aborto uma questão de foro íntimo familiar, eximindo-se
quanto à defesa da interferência, ou não, do Estado, em razão dos fundamentos éticos
sustentáveis, ou seja, a autonomia e a liberdade que os indivíduos possuem no que se refere à
manutenção da vida natural (zoé) e ao controle de seu corpus.
Todavia, a controvérsia sobre a moralidade do aborto (defendida nos países de raiz
liberal e apresentada como solução à contenção dos riscos sociais), em face da argumentação
expressivista de vedação ao aborto seletivo, é tema presente nos diversos debates de
movimentos feministas e religiosos.
E, nesse contexto, a escolha do tema se justifica pela demonstração da preocupação
com os projetos que interferem na genética humana práticas como o aborto por exclusão (em
casos de má formação fetal), discussão que tem elevado o progresso efetivo da bioética e as
justificativas de interferência dos governos em relação a essas práticas.
Ademais, a hipótese lançada faz reacender a questão se a permissão do aborto seletivo
nos casos de má formação fetal constitui técnica permissiva ou omissiva estatal, no típico
exercício de Biopoder, na medida em que, indiretamente, sob o abrigo da legitimidade
legalidade interfere na escolha de quem se àà ou à.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT