Bioética

AutorIvan de Oliveira Silva
Páginas59-72

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4. Considerações sobre Moral, Ética e Bioética na Temática do Biodireito e do Patrimônio Genético
4.1. Introdução

Sacrilégio é falar sobre meio ambiente, patrimônio genético e biodireito, sem tecer comentários a respeito de temas como moral, ética e bioética, sendo certo que os dois primeiros (ética e moral) são velhos temas conhecidos do direito e, por outro lado, o último (a bioética) tornou-se um assunto recorrente com a relevante e, cada vez mais constante participação da comunidade médica na sociedade.

Com o avanço da tecnologia, não é fora do comum a divulgação de novas descobertas científicas envolvendo a área da saúde que, por conta de experimentos inusitados, abrem a oportunidade para a retomada de discussões, conceitos e diretivas relacionados com a vida em todas as suas formas e momentos.

Em razão da crescente e necessária busca tecnológica de resultados voltados ao prolongamento ou à melhoria da qualidade de vida, o homem depara-se com reiterados esforços científicos envolvendo a genética e as disposições a respeito da saúde e, como não poderia deixar de ser, com fatores que prejudicam a vida humana. O mote não é apenas propiciar a longa vida, mas conjugar a longevidade comaqualidadedevidae,pelomenosaoqueseanuncia,abiotecnologia é a chave para as misteriosas portas que ainda se encontram fe-

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chadas. Eis, portanto, um assunto que constantemente se encontra na pauta da sociedade, seja em trabalhos da área da medicina ou em segmentos afins.

Contudo, as descobertas da área médica, em alguns momentos, abrangem questões tão complexas que, não raro, reclamam a presença de diversos especialistas, dos mais variados ramos do conhecimento, para a discussão dos temas atinentes às novas conquistas científicas obtidas por mecanismos tecnológicos de ponta.

Não é demais anotar que pela junção das ciências biológicas com os instrumentos tecnológicos de última geração, cunhou-se, mesmo diante da resistência de alguns pensadores, os neologismos biotecnologia, biociência, bioética e biodireito. É até possível a discordância de tais neologismos, porém, não há como negar que a tecnologia aplicada à área das ciências médicas obteve o êxito de, nos últimos 25 anos, romper com alguns paradigmas envolvendo a vida, reprodução e saúde.

Nesse cenário, há de se admitir que os avanços da biotecnologia - representados pelas i) técnicas de reprodução assistida; ii) manipulações de embriões em tubos de ensaios; iii) composição e recomposição de gêneros alimentícios batizados pela expressão organismos geneticamente modificados (OGM’s); iv) constantes anúncios de experiências relacionadas à clonagem de seres vivos; etc. - demonstram a real necessidade de o Estado estabelecer regras no seu arcabouço jurídico destinadas à garantia do bem comum. Essa atuação estatal deve ser orientada para a preservação do patrimônio genético do país, para que, desta forma, não seja permitida a má utilização de bens do interesse comum de todos.

As inovações freqüentemente provocam alguns choques em certos setores da sociedade, porém, reconhecemos que a história da humanidade, em vários momentos, demonstra que a ciência deixou gerações inteiras boquiabertas, sendo certo que, a exemplo do que aconteceu na Idade Média, os cientistas e pensadores em geral experimentaram a perseguição por não serem compreendidos. O temor pelo novo é bastante comum à sociedade, todavia esse receio não poderá impedir os avanços científicos que, em diversas oportunidades, foram empreendidos para a melhoria da qualidade de vida.

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Assim, para a garantia de valores mínimos, é pertinente que o Estado, consoante o império da lei, regule as pesquisas biotecnológicas para que estas atuem em prol do bem comum. Ora, a mesma prática de controle estatal é adotada em outras áreas de interesse social, como, por exemplo, no comércio, nas relações de consumo, trabalho, etc.

Das matérias que mais espantam a sociedade, temos a clonagem humana, e este fato nos leva a questionar até que ponto esta geração está preparada para alterações na maneira pela qual a reprodução humana se dará?

Sem demonstração da mais singela preocupação concernente a questões como estas, os cientistas, cada vez mais, anunciam a possibili-dade da clonagem humana. Neste aspecto, há de se registrar que os episódios patrocinados pela biociência abrem caminho para as acentuadas especulações, leigas ou científicas, a respeito da possibilidade, ou não, do uso da nova técnica de reprodução nos próprios seres humanos.

Nesseimpasse,oportunotrazeràcolaçãoorelatodorenomado biocientista, professor da Universidade de Montreal, Lawrence C. Smith, o qual, inclusive, participou do evento da clonagem da ovelha Dolly. Eis a sua posição:

"Estamos caminhando rapidamente para a clonagem de humanos. Obviamente, acredito que deveríamos impor restrições éticas, mas não creio que seja fácil fazê-lo. Tecnicamente, a clonagem não está pronta para ser aplicada em humanos. Ainda há muitas falhas na técnica, que causa a morte da maioria dos embriões no primeiro terço de gestação. Boa parte dos clones morrem em fases avançadas da gestação e há casosdenatimortos.Eticamente,ocomplicadoéoquevemdepois,jáque muitos clones de animais nascem com anomalias cardíacas, problemas de imaturidade pulmonar, baixa imunidade, etc. Até que possamos realizar a clonagem de forma segura, a técnica não deve ser aplicada a seres humanos. Mas acho que, para fins terapêuticos, a clonagem de embriões humanos poderá ser realizada já nesta década.1

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Diante da afirmação acima, que, diga-se de passagem, não se mostra isolada ao afirmar a possibilidade da clonagem de seres humanos, verifica-se, sem sombra de dúvidas, que as novas descobertas da biotecnologia exigem profundos debates dos operadores do direito sobre as conseqüências jurídicas de tais eventos.

Isto posto, considerando a nossa proposta nesta obra de tecer comentários a respeito do que se convencionou chamar de biodireito e patrimônio genético, a partir de valores jurídicos e éticos atinentes à dignidade da pessoa humana, não podemos deixar de lado o fato de que as descobertas científicas podem e devem ser utilizadas em prol da melhoria da qualidade de vida de todos os habitantes do planeta, incluindo, nesse contexto, a tutela dos interesses das presentes e das futuras gerações.

4.2. Ética e Moral: Apontamentos Relevantes

Em primeiro plano, importa assentar que, em nenhum momento, a ética pode ser confundida com a moral, eis que estas duas palavras carregam sentidos distintos e, inclusive, objetos diferenciados.

Firme-se, pois, que a moral é a regulação dos valores/comportamentos agregados em um contexto próprio e entendidos como adequados a um determinado segmento social. Dessa forma, podemos falar que há "morais" aceitáveis em um grupo, sendo certo que para outros o mesmo comportamento poderá ser considerado imoral e, por conseguinte, inaceitável.

De fato, possível afirmar a existência de vários padrões morais aceitáveis, e a sua exata valoração dependerá do momento histórico e da realidade subjetiva presente no comportamento do praticante de determinada conduta, bem como daqueles que o rodeiam.

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