O Biodireito à luz do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

AutorCléia Maria Conrado
CargoAluna Especial do Programa de Mestrado da FUNDINOPI – UENP
Páginas1-13

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Introdução

Sabe-se que com o surgimento da Bioética1, a comunidade científica passou a ser considerada, de um modo geral, não como propulsora do desenvolvimento genético e biológico da humanidade, mas em muitos casos, como descumpridores de preceitos éticos, até então aceitos e intocáveis.

No presente trabalho busca-se, resumidamente, dada a complexidade do tema, destacar algumas questões polêmicas a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, frente ao inevitável avanço da ciência.

Para tanto, faz-se um estudo dos principais assuntos pertinentes, em especial aos aspectos ético-jurídicos originados pelo avanço da engenharia genética no tocante ao início da vida e de sua respectiva proteção jurídica.

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Assim, no sentido de demonstrar opiniões diversas no tratamento da questão, foram estudadas obras de vários autores, tais como Norberto Bobbio, Fábio Konder Comparato, Eros Roberto Grau, Ingo Wolfgang Sarlet, dentre outros, visando a esclarecer questões polêmicas que o estudo requer.

1. Princípio da dignidade da pessoa humana
1.1. Noções preliminares

Uma das maiores preocupações das pessoas que tentam compreender em qual momento se inicia a vida, e conseqüentemente a personalidade, já que para o Direito a pessoa humana vem conceituada, tendo como referência a personalidade, está no seu ponto principal: o início da fecundação, conforme será visto adiante.

Em vista desse fenômeno, sabe-se que é a biologia que estabelece qual o marco inicial da vida, cabendo aos operadores do direito, tão-somente traçar-lhe os contornos jurídicos por meio do enquadramento legal, visando, no caso, à proteção da dignidade da pessoa humana, a partir de então.

No tocante aos princípios, há aqui uma pequena ressalva a ser feita. A constatação de que no ordenamento jurídico atual, os princípios são considerados normas vinculantes, dotados, consequentemente, de plena juridicidade.

Assim, entende-se que o valor da dignidade da pessoa humana constitui o valor-guia do ordenamento constitucional brasileiro, sendo expressamente positivado pelo constituinte de 1988, por meio de uma fórmula principiológica. Ressalte-se, portanto, que o postulado da dignidade da pessoa humana não é criação constitucional, mas valor ao qual a Constituição decidiu atribuir máxima relevância, mediante formulação principiológica (deontológica) e expressa incorporação ao sistema constitucional.2 Trata-se, como já foi dito, de princípio constitucional que tem a pretensão de plena normatividade, nos termos do inciso III, do art. 1º da Constituição Federal.

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Verifica-se, assim, que o legislador constitucional de 1988 enumerou o princípio da dignidade de forma totalmente dispersa ao longo do texto, o que não descaracteriza a importância dos princípios. Como bem acentua Eros Roberto GRAU, “é que cada direito não é um mero agregado de normas, porém um conjunto dotado de unidade e coerência – unidade e coerência que repousam precisamente sobre os seus (dele = de um determinado direito) princípios”.3

1.2. Aspectos legais

Contemporaneamente, no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, somente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, é que pela primeira vez houve o reconhecimento internacional de tal princípio, sendo que a Declaração destaca logo no seu artigo 1º que ”todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Vê-se, pois, que há um reconhecimento internacional do princípio da dignidade da pessoa humana, facilitando, conseqüentemente, a sua recepção nos ordenamentos jurídicos internos dos países que o adotaram. Aliás, no que se refere ao reconhecimento dos tratados internacionais sobre direitos humanos, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004 incluiu o parágrafo terceiro no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelecendo que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Saliente-se que no Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, segundo o disposto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, constituindo-se num valor supremo do ordenamento jurídico pátrio, servindo de referência para todos os demais princípios, dando origem, dessa forma, a todas as demais regras jurídicas existentes.

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Diga-se de passagem que a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, por sua vez, adotada pela Conferência Geral da UNESCO, por ocasião da sua 29ª sessão, realizada em 1999, estabelece no seu art. 11º que “práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clonagem de seres humanos, não devem ser permitidas”.

O Código Civil pátrio, por sua vez, estabelece no artigo 13 que “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. O parágrafo único do referido artigo estabelece, entretanto, que “o ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”.

1. 3 Dignidade de quem? Do embrião ou do ser humano adulto?

Em princípio, como bem acentua Fábio Konder COMPARATO “a essência do ser humano é evolutiva, porque a personalidade de cada indivíduo, isto é, o seu ser próprio, é sempre, na duração de sua vida, algo de incompleto e inacabado, uma realidade em contínua transformação. Toda pessoa é um sujeito em processo de vir-a-ser”.4

Por outro lado, reconhece-se que há uma tendência natural do ser humano em rejeitar qualquer mudança que coloque em risco a cômoda situação vigente, principalmente quando se trata de alguma novidade no campo científico que afete um comportamento ético já estabelecido como padrão.

No que diz respeito ao princípio constitucional da dignidade, sabe-se que desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetividade.5

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Desta maneira, pode-se dizer que tais direitos fundamentais evoluem e se transformam na medida em que o avanço na engenharia genética, in casu, também evolui, tornando-se inevitável e em alguns casos irreversíveis as novas situações criadas. Vale dizer, tal como o embrião que precisa ter sua dignidade protegida, segundo pensamento da maioria da sociedade, não resta dúvida de que o ser humano adulto, portador de diversas doenças graves, tais como lesões de medula, doenças coronárias, etc., e ávido por uma descoberta científica que venha de encontro aos seus interesses, também possui dignidade e, como tal, também merece ser protegida.

2. O biodireito
2. 1 Noções preliminares

Considerado como fazendo parte dos direitos da quarta geração, referentes às manipulações do patrimônio genético dos indivíduos e aos conseqüentes efeitos traumáticos da pesquisa...

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