Regulamentação sobre bio(in)segurança no Brasil: a questão dos alimentos transgênicos

AutorMaria Clara Coelho Camara - Rubens Onofre Nodari - Maria Cristina Rodrigues Guilam
CargoDoutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz,Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil - Doutor em Genética, University of California at Davis - Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Páginas261-286
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n1p261
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Adaptada.
REGULAMENTAÇÃO SOBRE BIO(IN)SEGURANÇA NO BRASIL: A QUESTÃO
DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
Maria Clara Coelho Camara1
Rubens Onofre Nodari2
Maria Cristina Rodrigues Guilam3
Resumo:
Este estudo teve como objetivo analisar a legislação brasileira sobre organismos
geneticamente modificados OGMs (ou transgênicos). As normas foram
identificadas nas bases de dados do SICON e LEXML, ambas disponíveis no site do
Senado Federal. Foram localizadas 25 normas, sendo a maioria de autoria do Poder
Executivo no governo Lula. Os principais temas debatidos foram plantio,
fiscalização, comercialização e rotulagem dos OGMs. Conclui-se que a produção
legislativa brasileira é, em sua maioria, baseada em medidas provisórias cujo
objetivo principal foi autorizar a comercialização de soja GM plantada ilegalmente no
país até 2003. As exigências brasileiras com relação à rotulagem assemelham-se à
europeia, no entanto muito ainda necessita ser feito para melhorar as estratégias de
fiscalização do cumprimento das normas. Normas brasileiras relevantes não foram
identificadas pelas bases de dados utilizadas.
Palavras-chave: Transgênicos. Regulamentação. Segurança alimentar. Legislação.
Considerações iniciais
O século XX foi palco de intenso desenvolvimento científico, destacando-se
os avanços no campo da biotecnologia. As descobertas da estrutura da molécula de
DNA e das enzimas de restrição levaram ao surgimento das técnicas do DNA
recombinante (ARBIX, 2007), também denominada de engenharia genética. É
oportuno observar que o avanço de certas biotecnologias como a transgenia e a
1 Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz,
Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Assistente administrativo da Fundação Carlos Chagas Filho de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: mclaracc@gmail.com.
2 Doutor em Genética University of California at Davis, EUA. Professor Titular da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, SC, Brasil. Centro de Ciências Agrárias,
Departamento de Fitotecnia. E-mail: nodari@cca.ufsc.br.
3 Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil. Tecnologista da Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz. Pesquisadora do Centro de Estudos de
Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
guilam@fiocruz.br.
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.10, n.1, p. 261-286, Jan./Jul. 2013
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clonagem vem acompanhado de debates e controvérsia envolvendo principalmente
a comunidade científica, os governantes, bem como a população em geral. A
capacidade do homem em manipular e, consequentemente, interferir no curso
natural da evolução dos seres vivos, inclusive do próprio ser humano, torna a
tecnologia do DNA recombinante uma tecnologia ao mesmo tempo popular e
polêmica.
Os diversos interesses econômicos, o grande número de cientistas envolvidos
e a grande quantidade de estudos apontando tanto situações de riscos como
benefícios alimentam tal polêmica. Como assinala Lacey (2006, p.31), “a falta de
clareza que envolve essas questões [relacionadas aos OGMs] revela que estão em
jogo valores, interesses e modos de vida fundamentalmente opostos”. Leite (2007,
p.41-47) ressalta que só a comunidade científica é capaz de desconstruir as
controvérsias em torno dos transgênicos, mas que, para tanto, “seria preciso que
essas lideranças recuperassem a independência e deixassem de se perfilar por trás
de um grupo e de uma comissão como se eles fossem os únicos arautos da razão .
No entanto, outros autores admitem que biossegurança diz respeito aos interesses
da sociedade, por envolver a vida humana, a sua dignidade e o meio ambiente
(VIANA e TEXEIRA, 2009).
As consequências das decisões, ou indecisões, políticas sobre biossegurança
dos transgênicos afetam diretamente a sociedade. Mais do que objeto biológico, os
transgênicos também são objetos socioeconômicos, uma vez que se configuram em
mercadoria com necessidade de propriedade intelectual (LACEY, 2007). Também
são objetos de acordos internacionais de importação e exportação de produtos
reforçando os interesses econômicos. Aspectos éticos, morais e culturais também
permeiam as consequências do uso de transgênicos. Portanto, a normatização dos
transgênicos deve ter em vista a segurança da população priorizando-a em
detrimento dos interesses econômicos. Envolvem ainda outras políticas públicas
sobre os distintos aspectos decorrentes da produção e uso de transgênicos.
A capacidade de construir um regime de regulação que assegure a confiança
pública e que busque um equilíbrio entre a precaução e a inovação tecnológica é
reconhecida como um desafio. Construir um sistema de normatização da
biossegurança é uma tarefa multidisciplinar cuja essência encontra-se em uma
desejável integração entre as ciências biológicas e as ciências sociais, pois a

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