O bicameralismo no Brasil: argumentos sobre a importância do Senado na análise do processo decisório federal

AutorPaulo Magalhães Araújo
CargoProfessor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo ? UFES
Páginas83-135
Artigos
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 21 - julho de 2012
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O bicameralismo no Brasil: argumentos sobre
a importância do Senado na análise do
processo decisório federal
Paulo Magalhães Araújo1
Resumo
O texto analisa o bicameralismo brasileiro a partir da perspectiva
institucionalista, com vistas a explorar, de forma mais complexa do que o
usual na produção sobre o tema, o poder do Senado nas decisões do governo
federal. Diferentemente das abordagens mais comuns, que não consideram
devidamente o caráter interdependente do funcionamento das câmaras do
Congresso Nacional, a análise aqui empreendida explora a combinação
institucional entre bicameralismo e presidencialismo de coalizão, para
ressaltar que o Senado, por suas prerrogativas constitucionais, é uma casa
altamente influente nas decisões do governo federal. No entanto, a análise
ressalta, também, que a atuação mais ou menos ostensiva da Casa depende
de sua posição no processo decisório, tornando necessária, para uma
análise adequada, a consideração dos elementos contextuais tais como a
estrutura da coalizão e outros aspectos do da situação de decisão.
Palavras-chave: Instituições políticas. Bicameralismo. Senado brasileiro.
Comportamento parlamentar.
1. O bicameralismo no Brasil: argumentos sobre a importância
do Senado na análise do processo decisório federal2
Depois de mais de 20 anos de produção científica sobre institui-
ções políticas e produção legislativa no Brasil redemocratizado,
1 Professor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
E-mail: pmagal@uol.com.br
2 Agradeço aos pareceristas da Revista, pelos comentários e sugestões que permitiram o
aprimoramento do texto. O artigo é parte dos resultados de uma pesquisa que conta
com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes).
http://dx.doi.org/10.5007/21757984.2012v11n21p83
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a influência efetiva do Senado nas decisões do governo federal
é algo escassamente explorado nas pesquisas sobre o legislativo
brasileiro. Tal lacuna se deve, em parte, ao fato de que, nos estu-
dos que consideram uma das nossas câmaras ou as duas, elas são
consideradas em si mesmas, à revelia do fato de que deputados e
senadores são atores estratégicos e suas escolhas são, portanto,
interdependentes — as escolhas feitas por uns não se dão à revelia
do comportamento conhecido ou esperado dos outros.
Sem dúvida, a produção acadêmica — crescente, seja dito
— de estudos sobre o funcionamento da Câmara e do Senado,
como casas em separado, fornecem informações importantes so-
bre cada uma, no entanto, não esclarecem adequadamente o fun-
cionamento do sistema bicameral enquanto conjunto de arenas
decisórias entrelaçadas, cujas decisões são encadeadas e interde-
pendentes, situadas no arcabouço do presidencialismo de coalizão
vigente no país.
Este artigo aborda os traços formais do sistema decisório fe-
deral e explora suas implicações em estudos sobre as câmaras do
Legislativo federal. Para além de apresentar uma revisão da literatu-
ra sobre o bicameralismo, busca-se aqui explicitar a complexidade
institucional do sistema decisório no Brasil defendendo a importân-
cia de enfoques analíticos que considerem o Senado — e, correla-
tamente, a Câmara — não apenas em si mesmo, mas como parte
de uma estrutura legislativa bicameral, por sua vez inserida em um
arcabouço institucional maior: o presidencialismo de coalizão. Em
outros termos, analisa-se o poder político do Senado em face das re-
gras formais que estabelecem suas atribuições e suas interconexões
com outras arenas decisórias a partir de sua posição no processo
bicameral e no presidencialismo de coalizão vigentes no Brasil. Em-
bora este postulado possa parecer óbvio para aqueles que têm fami-
liaridade com estudos teóricos e empíricos no profícuo campo do
novo institucionalismo, os estudos compartimentados sobre o legis-
lativo federal brasileiro não refletem adequadamente a importância
dos “jogos aninhados” (TSEBELIS, 1998) como base de interpretação
do funcionamento das câmaras legislativas.
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Orientada por essas questões, a análise está dividida em três
tópicos. O primeiro tópico apresenta dois referenciais analíticos
mobilizados na literatura recente sobre sistemas bicamerais: um
é proposto por Tsebelis e Money (1997), que tratam o sistema em
termos de sua função política e de sua função de eficiência; o ou-
tro é proposto por Lijphart (1989; 2003), que avalia a força do bi-
cameralismo a partir das dimensões da simetria e da congruência.
O segundo tópico apresenta os traços institucionais do bicame-
ralismo brasileiro, com o objetivo de analisar o status político do
Senado frente ao da Câmara dos Deputados na estrutura do Poder
Legislativo. A análise considera as dimensões da simetria e da con-
gruência do sistema, mostrando como ambas reforçam a função
política do Senado, permitindo sustentar ideias já difundidas sobre
a força do bicameralismo no Brasil.
No terceiro tópico, o Senado é considerado não apenas
como parte de uma estrutura bicameral, mas como arena aninha-
da numa estrutura maior: Estado federativo com governo presi-
dencialista. Essa parte discute a importância das coalizões no fun-
cionamento do governo federal e argumenta que, no contexto de
um bicameralismo simétrico e incongruente, é indispensável con-
siderar as características das coalizões, e dos blocos partidários
em geral, também na segunda Câmara, que tem um grande poder
propositivo e um poder de veto ainda mais notável. Ainda neste
tópico são citadas algumas pesquisas recentes que inauguram uma
análise do legislativo federal brasileiro como uma estrutura inte-
grada, perpassada por variáveis que condicionam e interconectam
o desempenho das câmaras alta e baixa. As considerações finais
sintetizam as conclusões alcançadas.
2. Bicameralismo: breve exposição dos fundamentos
analíticos
O legislativo bicameral é aquele em que as leis são produzi-
das mediante a deliberação de duas câmaras distintas e autônomas

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