Between the Law and the Anarchy: the path of a proletarian class representative in the Brazil of the 19th century/Entre a Lei e a Anarquia: a trajetoria de um representante das classes proletarias no Brasil do seculo XIX.

Autorde Brito, Rose Dayanne Santos

Introducao

O artigo parte da critica a formacao homogenea dos sujeitos coletivos na Primeira Republica, isto e, a falsa imagem de uma classe operaria "branca, fabril e masculina" (1) e revela a complexa relacao entre o pensamento social e a pratica juridica.

O intuito de olhar o passado mediado pela experiencia de Benjamim Mota possibilita tracar, de modo residual e fragmentario, o retrato de uma epoca e as distintas formas de resistencia no Brasil. Nessa direcao, o artigo assume dois pressupostos: 1) a importancia do individuo na historia do movimento operario (para alem das analises estruturais de classe, sindicato e partido) e 2) a contribuicao do contexto social e juridico na interpretacao de condutas e acoes que parecem inexplicaveis a primeira vista (2).

Para rastrear a historia de Benjamim Mota que circulava entre dois mundos, o anarquismo e a advocacia, foi preciso pesquisar nos arquivos (3) e acervos de obras raras. Embora relegado ao silencio do passado e um nome ausente na historiografia juridica, Benjamim Mota deixou uma vasta producao textual em formato de folhetos, livros e materias em jornais operarios e de combate. Foi considerado, inclusive, um dos autores anarquistas brasileiros mais publicados ate a decada de 1930 (4).

O quadro de fontes que compoe este artigo se baseia em periodicos paulistas do final do seculo XIX (5) e no opusculo "Rebeldias", publicado por Benjamim Mota em 1898, onde explica as razoes politicas e sociais que o levaram a apoiar o "ideal anarquista". Para compreender seu ingresso no campo juridico e a organizacao da pratica advocaticia na epoca, foi utilizado o trabalho de Edmundo Campos Coelho "Profissoes imperiais".

Ao final, e construido um paralelo entre a cultura juridica dominante produzida nas Faculdades de Direito e o pensamento critico ligado a narrativa de lutas de grupos subalternos. Os vinculos entre o campo juridico e as formas de resistencia serao observados no itinerario deste "advogado anarquista": ora critico do Estado e das leis burguesas, ora um defensor do cumprimento da legalidade nos Tribunais. Ao investigar os vestigios desta historia, pretende-se ressaltar a alteridade do passado na dualidade dominacao/resistencia e ratificar, sobretudo na atual conjuntura brasileira, a importancia do historiador, cujo oficio e lembrar o que os outros esquecem (HOBSBAWN, 1995, p. 13).

  1. Desilusao com a "Republica Burlesca" e Oligarquica (6) (1889-1930)

    Euclides da Cunha, no livro Os Sertoes (1902), traca o imaginario do periodo pouco depois da Proclamacao da Republica no Brasil. Diz ele, "vivendo quatrocentos anos no litoral vastissimo, em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como heranca inesperada, a Republica" (CUNHA, 1979, p. 138). A expectativa de que a Republica promoveria uma ruptura com a ordem anterior (monarquista) e desencadearia uma "cultura a coisa publica" no Brasil nao se concretizou.

    Em consequencia, parte dos defensores e entusiastas do movimento republicano passou a manifestar um profundo descontentamento. O pais parecia nao haver mudado, "as oligarquias rurais continuavam a controlar os governos federal e estaduais. E a grande maioria da populacao brasileira, pobres livres, ex- escravos--e imigrantes--continuou explorada como sempre fora." (VIOTTI DA COSTA, 2013, p. 705-706). A Republica no Brasil se construia com um modus operandi proprio entre continuidade e adaptacao com o passado monarquista, patrimonialista e escravocrata.

    Nesse contexto de desapontamento, encontra-se Benjamim Mota. Pertencia a familia "Silveira da Motta", que integrava uma elite letrada na segunda metade do seculo XIX, com propensao a cargos politicos e a carreira juridica. Seu pai, "Alfredo Silveira da Motta era filho do velho senador do imperio conselheiro Jose Ignacio Silveira da Motta, tambem lente catedratico da Faculdade de Direito desta capital (Sao Paulo) [...]" (CORREIO PAULISTANO, 1907, p. 4).

    Envolvido com a atividade politica desde a juventude, Benjamim Mota torna-se candidato a Deputado do Estado de S. Paulo em 1897. Apesar de critico do modelo republicano no Brasil, Benjamim mostra-se engajado na possibilidade de triunfo desta forma de governo. Argumenta, porem, a necessidade de "Republicanizar a Republica", pois "falsificado como esta atualmente no Brasil o regime republicano; [...], porque acima da vontade desses homens que envergonham e desmoralizam a Republica, falsificando-a nos seus elementos basicos, vemos a vontade soberana e a altivez de um povo [...]" (A NACAO, 14/11/1897, p. 2).

    A ineficiencia da Republica brasileira e retratada a luz da incompetencia dos politicos que governavam o pais. A critica anunciada por Benjamim Mota, em 1897, a respeito dos "homens que envergonham e desmoralizam a Republica", tambem e compartilhada por outros autores da epoca. Euclides da Cunha, no mesmo ano, confessava em um relato epistolar: "Nao quero referir-me a assuntos politicos: nao te quero assombrar com a minha tristeza imensa e amarga ironia com que encaro aos maitre-chanteurs que nos governam. Felizmente a Republica e imortal ! Resistira [...]" (CUNHA, E., 1897 apud GALVAO, 1997, p.106).

    Em oposicao aos politicos do periodo e contra "todos os abusos e todos os escandalos praticados por esses homens que assaltaram o poder pela fraude [...]" (MOTA, 1897, p. 3), Benjamim propaga na imprensa, proximo as eleicoes, o seu Programa politico. Entre as varias propostas defendidas, constam:

    i) "Queremos que se cumpra a Constituicao estadual, tornando obrigatoria a instrucao primaria e que a mesma seja gratuita e leiga, e administrada, sem distincao de classes sociais, em escolas publicas municipais;"

    ii) "Queremos que as criancas pobres sejam alimentadas e vestidas a custa dos municipios, enquanto frequentarem as escolas de instrucao primaria;"

    iii) "Queremos a criacao da assistencia judiciaria, tanto no civel como no crime, para as classes desfavorecidas da fortuna, e bem assim que a justica seja gratis, sem o que a igualdade perante a lei e igualdade civil tornam-se ilusorias;"

    iv) "Queremos que sejam abolidos todos os privilegios e monopolios;"

    v) "Queremos que todos os cidadaos tenham direito ao trabalho quando validos e que seja garantida a assistencia as criancas abandonadas, aos enfermos e a todos os membros da comunidade social, impossibilitados de trabalhar, por molestia, defeito fisico incuravel ou velhice avancada;"

    vi) "Queremos como base de uma legislacao protetora do proletariado, que se limite o dia de trabalho ao maximo de 8 horas para os adultos; que seja proibido o trabalho dos menores de 14 anos, de ambos os sexos, e reduzido a 6 horas o dia de trabalho para os jovens de ambos os sexos de 14 a 18 anos;"

    vii) "Queremos, finalmente, que sejam consignados nas nossas leis os seguintes principios:"

    viii) "A soberania reside no povo: ele a delega quando elege os seus representantes; ele a exerce, quando se revolta contra as leis injustas ou contra a opressao;"

    xix) "A Constituicao e as leis devem restringir os poderes dos governos e nunca os direitos dos governados;"

    x) "O povo tera sempre o direito de reformar ou rever as instituicoes que o regem."

    (MOTA, 1897, p. 3, grifo nosso)

    Estes dez itens do Programa sao indicios da singularidade do pensamento de Benjamim Mota na compreensao da realidade brasileira. Embora adote como ponto de partida o cumprimento da Constituicao Estadual e Federal, em materia de direitos civis e politicos para consolidacao da Republica, ele legitima o titular do poder soberano (o povo) de se revoltar contra leis injustas e contra a opressao. Reconhece, ainda, a necessidade de uma "legislacao protetora do proletariado", que regulamente a jornada de trabalho, ao maximo, de 8 horas diarias e garanta a todos os cidadaos impossibilitados de trabalhar uma assistencia prestada pelo Estado.

    No plano politico, as criticas de Benjamim Mota tinham como destinatario local "o governo de S. Paulo, a oligarquia que aqui se implantou pela fraude" (MOTA, 1897, p.3), porem se irradiava a todo territorio nacional. O "sufragio direto" recem- criado e restrito aos homens alfabetizados e maiores de 21 anos, em pouco alterou o cenario politico, pois "numa republica em que 85,2% da populacao total eram analfabetos, o Estado eximia-se da responsabilidade de fornecer educacao publica e gratuita" (OLIVEIRA, 2003, p. 19).

    No plano juridico, Benjamim Mota ressalta a distancia entre a efetividade do texto Constitucional e a realidade brasileira, bem como salienta a lacuna de leis sociais para regulamentar as demandas do mundo do trabalho. Nesta circunstancia, "verifica-se que, ao instituir o regime representativo democratico, as leis da Republica abrem juridicamente a participacao no processo politico, ao mesmo tempo em que cerceiam, na pratica, seu funcionamento" (RESENDE, 2008, p.102).

    O Programa politico de Benjamim Mota, publicado no jornal diario "A Nacao", parece incomodar as elites locais. Nao tanto a circulacao das ideias em prol do proletariado e da massa de excluidos, mas pelo discurso advir de um pretendente a cargo institucional. Soava perigoso as classes dirigentes, um candidato que disseminava, dentre tantas propostas, o direito do povo de desobedecer as leis e se revoltar contra a opressao.

    Por esse motivo, os politicos da situacao tentavam desqualifica-lo com termos depreciativos. Ao que ele rebatia: "temos um programa estabelecido, [...] no Brasil pela especulacao do governismo intolerante, que aponta ao povo os radicais, de qualquer partido da oposicao, como demagogos, como sanguinarios Marats, como jacobinos terroristas." (MOTA, 1897, p. 3). Ao final do texto, ele faz uma reflexao sobre as propostas que defende e...

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