"Between assisting and caring": theoretical tendencies in Brazilian Social Work/ "Entre o assistir e o cuidar": tendencias teoricas no Servico Social brasileiro.

AutorPassos, Rachel Gouveia

Introducao

Em tempos de individualizacao e subjetivismo, e necessario trazermos a tona algumas questoes que envolvem nao so o cotidiano do trabalho profissional do assistente social, como tambem temas que sao incorporados pela categoria sem a menor apropriacao teorica e filosofica de seus fundamentos. Netto (2011) ja assinalava sobre a composicao sincretica (1) da nossa profissao, composicao que esta relacionada nao somente em seu surgimento, mas que ate hoje ainda permeia o trabalho profissional.

Na tese de doutoramento defendida em 2016 no Programa de Pos-Graduacao em Servico Social da Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo, apresentamos ao Servico Social elementos que descortinam a categoria cuidado a partir da teoria marxista. E preciso assinalar que, no atual cenario, a categoria cuidado vem sendo apropriada pela profissao com forte influencia do irracionalismo, principalmente no que diz respeito a politica de saude, conforme nos mostram Castro (2015) e Guimaraes (2016) em suas pesquisas.

Ja na politica de assistencia social tambem temos identificado a crescente apropriacao da categoria cuidado, so que de forma muito mais esvaziada de qualquer fundamento teorico. Esse esvaziamento esta vinculado a centralidade da familia nessa politica. E preciso destacar que a familia vem sendo pensada pelo Estado a partir do parametro da divisao sexual do trabalho, apresentando uma enorme cisao entre a esfera produtiva e a reprodutiva, e centrada em atribuicoes e atividades vinculadas a essencializacao e a generificacao dos sexos masculino e feminino. Logo, as responsabilidades que deveriam ser assumidas pelo Estado acabam sendo transferidas para as familias, principalmente no que diz respeito a superacao das sequelas da questao social (SILVA; TAVARES, 2015).

Nesse sentido, nosso objetivo, aqui, e contribuir para que possamos compreender, a partir de uma analise marxista, a diferenca entre assistencia e cuidado. Portanto, o presente artigo divide-se em tres partes: no primeiro momento, iremos abordar o conceito de assistencia a partir de autoras que ja tratam sobre o assunto na profissao desde os anos 1980. Ja no segundo momento, dissertaremos acerca da concepcao de cuidado que parte do marxismo. Alem disso, tambem trataremos sobre o cuidado social (MIOTO, 2000) e o care social (ZOLA, 2016). No terceiro momento, serao apresentadas as principais concepcoes de cuidado que permeiam o Servico Social brasileiro.

Afinal, o que e assistencia?

Para recuperarmos elementos teoricos que definem e conceituam a assistencia, nada melhor do que retomar o debate que ocorreu na profissao nos anos 1980. Elementos que ja foram debatidos e superados pela nossa vanguarda intelectual, hoje podemos dizer e localizar como um dos dilemas mais atuais em uma conjuntura que esvazia de sentidos politicos, teoricos e filosoficos tematicas que deveriam estar maduras em nossa formacao profissional.

A confusao entre assistencia e cuidado esta vinculada nao so ao avanco do irracionalismo pos-moderno, mas tambem a introjecao dos objetivos institucionais ressignificados como objetivos profissionais, promovendo a incorporacao de teorias e filosofias que nao coadunam com os principios defendidos pelo projeto etico-politico da profissao (AMARAL; TRINDADE; LINS, 2016).

Conforme assinalam Sposati et al. (2014, p. 42), a assistencia "tem se constituido o instrumental privilegiado do Estado para enfrentar a questao social sob a aparencia de acao compensatoria das desigualdades sociais". Para que isso ocorra, o Estado "institui e cria organismos responsaveis pela prestacao de servicos destinados aos trabalhadores identificados como pobres, carentes e desamparados".

Destacamos que a assistencia esta vinculada a relacao capitaltrabalho e a participacao da classe trabalhadora na luta de classes, cenario esse que fez emergirem as novas configuracoes da questao social no capitalismo monopolista. E a contradicao entre trabalhadores e burguesia que vai exigir outras formas de intervencao, alem da caridade e repressao (BRAVO, 2013). Conforme assinalam Iamamoto e Carvalho (2001, p. 77):

A questao social nao e senao as expressoes do processo de formacao e desenvolvimento da classe operaria e de seu ingresso no cenario politico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. E a manifestacao, no cotidiano da vida social, da contradicao entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervencao, mais alem da caridade e repressao. O Estado passa a intervir diretamente nas relacoes entre o empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo nao so uma regulacao juridica do mercado de trabalho, atraves de legislacao social e trabalhista especificas, mas gerindo a organizacao e prestacao de servicos sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questao social. Assim, as condicoes de vida e trabalho dos trabalhadores ja nao podem ser desconsideradas inteiramente na formulacao de politicas sociais, como garantia de bases de sustentacao de poder de classe sobre o conjunto da sociedade. De acordo com Sposati et al. (2014) e Bravo (2013), a assistencia e uma pratica demasiadamente antiga na humanidade. Alem disso, nao esta limitada a civilizacao judaico-crista e nem as sociedades capitalistas. Entretanto, aqui temos como objetivo tratar sobre o processo de institucionalizacao da assistencia como resposta estatal a pressao politica exercida pela classe trabalhadora no capitalismo monopolista, uma vez que foi atraves dela que houve a necessidade do surgimento do Servico Social como um dos mecanismos institucionais para executar as politicas sociais.

Ao longo da historia, grupos filantropicos e religiosos foram conformando praticas de ajuda aos doentes, aos incapazes. Com a civilizacao judaicocrista, a ajuda toma a expressao de caridade e benemerencia. Na Idade Media, abrem-se as instituicoes de caridade pelas companhias religiosas e associacoes leigas. Estas formas de ajuda, com o decorrer do tempo, foram se constituindo em praticas mais sofisticas de dominacao, podendose citar como exemplo a 'Pow Law' na Inglaterra e os asilamentos franceses[...] Mas as formas de acao com relacao a 'questao social' e, especificamente, a assistencia se modificam com a expansao capitalista e tem duas faces indissociaveis: a situacao objetiva da classe trabalhadora; mudanca no modo de produzir, capacidade de organizacao e luta dos trabalhadores; e as diferentes interpretacoes e acoes sobre a classe trabalhadora, propostas pelas diversas fracoes dominantes apoiadas no e pelo poder do Estado. (BRAVO, 2013, p. 23).

Para Yazbek (2009, p. 60), a assistencia apresenta duas facetas: quer seja como um dos setores da politica social brasileira, quer seja como mecanismo compensatorio que permeia o conjunto das politicas sociais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT