Bens públicos globais e sua proteção jurídica internacional: relocalização epistemológica de um debate à luz de princípios de direito político

AutorArthur Roberto Capella Giannattasio, Luiza Nogueira Papy, Renan Freire Nigro
CargoInstituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, Brasil/Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP, Brasil/Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP, Brasil
Páginas69-112
Bens Públicos Globais e sua proteção
jurídica internacional: relocalização
epistemológica de um debate à luz de
princípios de direito político1
Global Public Goods and its international legal protection:
an epistemological turn of the debate in the light
of principles of political law
Arthur Roberto Capella Giannattasio*
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo,
São Paulo – SP, Brasil.
Luiza Nogueira Papy**
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP, Brasil.
Renan Freire Nigro***
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP, Brasil.
1. Introdução
A crescente sobreposição geográf‌ica de espaços globais nas diferentes áre-
as da vida econômica e social a partir de década de 19602 evidencia que
1 O presente artigo deriva de uma pesquisa coletiva f‌inanciada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) – Auxílio Regular n. 2016/20983-7 e pelo Fundo Mackenzie de Pesquisa
(MackPesquisa) – Processo n. 112207.
* Professor Doutor de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
São Paulo. Pós-doutorado no Max-Planck-Institut, Doutor em Direito Internacional e Compadado pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com período sanduíche na Université Panthéon-Assas
(Paris II) (França). Foi professor em Tempo Integral da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e Professor visitante da Koç University (Turquia). Email: artcapell@gmail.com.
** Pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: luizapapy@icloud.com.
*** Pesquisador da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduando em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: renanfreirenigro@gmail.com.
2 BOURGUINAT, 2003; FARIA, 2004, 2008; FREUD, 2010; KAUL, GRUNBERG, STERN, 1999;
ONUMA, 2016.
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assuntos inicialmente tratados na esfera nacional – a segurança pública, a
estabilidade f‌inanceira, a saúde pública, e a conservação do meio-ambien-
te – já não podem ser geridos pelos Estados nacionais isoladamente3. Toda
uma trama regulatória pós-nacional é elaborada a partir de então, a qual
implica um enredamento jurídico de questões fundamentais. Se não exclui
a atuação estatal, essa malha jurídica internacional se encontra ao menos
além da dimensão estatal, seja para a complementar, seja para a desaf‌iar,
seja para a dirigir4.
Os Bens Públicos Globais (BPG)5 partem da premissa de que, assim
como os Estados-nação produzem bens públicos para os seus cidadãos, a
sociedade internacional se articulara, durante a segunda metade do século
XX, para produzir bens públicos.6 Em outras palavras, as relações entre
os atores internacionais teriam se articulado de tal maneira que entidades
não-estatais teriam tomado para si o propósito de produzir, promover ou
proteger determinados bens públicos pós-nacionais e de interesse de todo
o globo.7
Nesse sentido, dotadas de Autoridade Pública Internacional (APIs), tais
entidades – e não os Estados – seriam as grandes responsáveis pela pre-
servação prática dos BPGs – e mesmo contra a vontade e os interesses dos
próprios Estados8. Assim, inúmeras questões políticas que eram usualmen-
te colocadas dentro de uma perspectiva doméstica (nacional) passaram a
ser objeto de análise e coordenação internacional – af‌inal, são visto como
centrais para o bem estar de indivíduos e nações.9
Compreender a discussão deste tema é fundamental para o pensamen-
to jurídico brasileiro sobre o Direito Internacional. Com efeito, as con-
3 ADLER; BARNETT, 1998; CASELLA, 2008; FRIEDMANN, 1964; HABERMAS, 2001; SALCEDO, 1985.
4 ARNAUD, 2004; BOGDANDY, DANN; GOLDMANN, 2008; BOGDANDY; GOLDMANN; VENZKE,
2016; BOGDANDY; VENZKE, 2012; BOGDANDY et al., 2010; BRAITHWAITE; DRAHOS, 2000; GOLD-
MANN, 2008; HABERMAS, 2001; HARDT; NEGRI, 2000; KUNTZ, 2003; LADEUR, 2009; LAFER; PEÑA,
1973; ONUMA, 2016; SHAFFER, 2001, 2012; SLAGHTER, 2004; TEUBNER, 1997.
5 Também conhecidos como “bens públicos mundiais” ou “bens públicos internacionais” (KINDLEBER-
GER, 1986), ou ainda, como bens públicos da humanidade (CARVALHEIRO, 2015). Para uniformizar o
termo utilizado neste texto, eles serão aqui nomeados apenas como Bens Públicos Globais (BPGs).
6 CAFFAGGI; CARON, 2012; KINDLEBERGER, 1986; RAJAGOPAL, 2008; SHAFFFER, 2012.
7 ARNAUD, 2004; KOCKS, 2010; MARING, 2012.
8 BOGDANDY et al., 2010; BOGDANDY, DANN; GOLDMANN, 2008; BOGDANDY; GOLDMANN;
VENZKE, 2016; GIANNATTASIO, 2016a.
9 JENKS, 2012; KAUL; GRUNBERG; STERN, 1999.
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tribuições mais recentes para o estudo dos BPG se encontram (i) ou na
literatura jurídica estrangeira10; (ii) ou em ref‌lexões de autores nacionais
fora da área do Direito, tais como Saúde Pública11, Relações Internacionais
e Ciência Política12, entre outros. Por isso, dentro de uma perspectiva de
Direito Internacional, este texto procura suprir essa lacuna, de maneira a
desvelar e explorar o conceito e as tipologias a ele relacionadas.
Note-se que foi realizada uma pesquisa com as palavras-chave “bens
públicos globais”, “bens públicos mundiais” e “bens públicos internacio-
nais” nos sistemas de busca dos seguintes repositórios de periódicos acadê-
micos: ATLA, Fuente Académica, JSTOR, Scielo e Portal de Periódicos da
CAPES. No ATLA, no JSTOR e no Scielo não foi encontrada qualquer obra
sobre o tema redigida em português e que tivesse como autor um brasilei-
ro. Nos outros sistemas foram encontradas contribuições sobre o tema fora
da área do Direito Internacional.13
A ausência de popularidade do tema nos debates científ‌icos desenvol-
vidos no interior do campo jurídico não parece ser um fenômeno exclusivo
brasileiro. Bodansky14 indica, por exemplo, que buscas realizadas em repo-
sitórios acadêmicos anglo-saxãos (WestLaw e e LexisNexis) também sina-
lizaram uma carência de debate jurídico sobre tal tema, ao menos dentro
da chave conceitual. Essa condição parece se repetir na literatura jurídica
francófona e hispanófona latino-americana e caribenha.15
A consulta aos repositórios acadêmicos acima foi feita em caráter me-
ramente exemplif‌icativo. Isso signif‌ica que se reconhece que certamente
inúmeros outros repositórios poderiam ser consultados para verif‌icar a
10 ARCE M.; SANDLER, 2002; CAFFAGGI; CARON, 2012; COGOLATI; HAMID; VANSTAPPEN, 2015;
GABAS; HUGON, 2001; GONZÁLEZ, 2009; KAUL et al., 2003; KAUL; GRUNBERG; STERN, 1999; MAR-
ING, 2012; MENDEZ, 1992, 1999; SANDLER, 1999; SHAFFER, 2012.
11 CARVALHEIRO, 2015.
12 GONÇALVES; CAMPOS, 2014.
13 Os autores das outras áreas do conhecimento foram mencionados acima apenas a título exemplif‌icativo;
af‌inal, não se pretende aqui discutir como houve no Brasil a apropriação de tal debate por cada área do
conhecimento. Fica aqui o convite para futuras investigações conjuntas sobre o tema.
14 BODANSKY, 2012, p. 657
15 Busca realizada nas bases dos respectivos repositórios acadêmicos: (i) Cairn.info e (ii) Redalyc. Na
primeira base de dados, de um total de 463 (quatrocentos e sessenta e três) publicações, apenas 34 (trinta
e quatro) textos acadêmicos (artigos, periódicos e livros) da área jurídica tratam direta ou indiretamente
do tema, desde 2001. Na segunda base de dados, foi possível perceber que ao menos desde 2002 foi pu-
blicado apenas 1 (hum) artigos que expressamente faz referência aos termos do debate sobre BPG sob uma
perspectiva jurídica internacional.
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