Benedito Calheiros Bomfim

AutorRodrigo Carelli
Páginas173-174
24.
benedito CAlheiroS bomfim
Rodrigo Carelli
(1)
(1) Procurador do Trabalho.
Benedito Calheiros Bomfim vem de uma família aris-
tocrata alagoana – ninguém é “Calheiros” impunemente.
Vem para o Rio de Janeiro ainda jovem para fazer o curso
de Direito na Faculdade Nacional de Direito, sendo da fa-
mosa turma de 1937, de Evaristo de Moraes Filho e José
Honório Rodrigues. Nesse tempo, um fato vai afetar sua
trajetória: cruza sua vida uma atriz, que balança sua cabeça
e suas ideias, auxiliando a dar guinada em suas posições e
se declarar “socialista e ateu”.
O tempo atual que vivemos é de resistência, que bem
poderia ser um de seus sobrenomes. Homem das ideias de
ação, não foi pensador de abstrações jurídicas. Toda sua
atuação, seja como advogado militante – mais de 70 anos
de advocacia –, escritor e editor de livros, foi no sentido
de transformação prática da sociedade, em especial na de-
fesa da classe trabalhadora. Não encontraremos grandes
tratados escritos por ele, mas textos diretos, quase crus,
que punham nus todas as cruéis injustiças de um mundo
em que poucos detêm muito poder e outros muitos, ne-
nhum. Escrevia isso com a simplicidade e inteligência que
o perseguiam como característica de seu ser. Quem teve a
alegria de conhecê-lo sabe a que estou me referindo e, nes-
te aspecto, fui inundado de alegria, pois o tive como meu
sogro, ainda que não pelo tempo que gostaria.
Com a aplicação prática de seu lema, “suave na forma
e firme no conteúdo” deixava todos sem resposta. Na maior
parte das vezes, desequilibrava o interlocutor pelo seu hu-
mor leve, rápido e certeiro. Somente uma vez ficou sem
resposta. Flamenguista empedernido, ao me perguntar
qual era o meu time, respondi que era fluminense. Sábio
mostrou-se até ao se calar e não apontar o defeito que via
em quem lhe apressasse.
Calheiros Bomfim escrevia nas entrelinhas de seus
compêndios de jurisprudência, que atravessaram déca-
das mostrando a construção do Direito do Trabalho pela
própria Justiça do Trabalho. Essas obras estavam sempre
presentes nas mesas de juízes, procuradores, ministros, ad-
vogados, que os consultavam constantemente para feitura
de suas peças processuais. Ninguém é inocente de pen-
sar que ele não selecionava a dedo a boa jurisprudência a
constar dos repertórios que organizava. Ele não tinha na-
da de inocente, sejamos justos com ele. Como ele mesmo
disse, “transformar em justa e útil a lei, ou em injusta ou
inútil, depende da qualidade e sensibilidade social do aplica-
dor”. Assim, parte da construção do Direito do Trabalho
pode ser creditada a Bonfim, pela perspicácia da união do
discurso firme dos artigos com a compilação cirúrgica da
jurisprudência.
Acreditava tanto na doutrina trabalhista que chegou a
fundar uma editora, que deu prejuízos até o final da vida,
mas que tornou o Direito do Trabalho muito mais rico. Por
opção ou talvez por não conseguir ser de outro modo, so-
mente advogou para trabalhadores, nunca para empresas.
Conta-se a história verídica de que certa empresa lhe enca-
minhou malas de dinheiros para que fizesse sua defesa. As
malas foram todas devolvidas, educadamente. Sua riqueza
era o que entendeu por sua missão de vida, o Direito do
Trabalho, mas não qualquer Direito do Trabalho. Entendia
que este somente tem razão de existir se for o direito dos
trabalhadores. O Direito do Trabalho tem lado e esse lado
é o dos trabalhadores.
Ao contrário do que apregoam decisões confusas, aqui
e acolá, e alguns manuais de Direito Laboral, o Direito do
Trabalho não trata de um conjunto de direitos e deveres
dos empregados e empregadores e sim de delimitações, às
vezes parcas e insuficientes, do poder real dos emprega-
dores.
O Direito do Trabalho, na visão de Calheiros Bonfim, é
a resistência ao poder econômico, escudo de quem precisa
arrendar sua força de trabalho – leia-se vida – frente ao po-
der de quem detém os meios de produção e pode comprá-
-la. Somente serve, se é que pode servir para alguma coisa,
para o empoderamento de quem não tem nenhum poder.
“Não se combate a indigência matando mendigos.”
Lutou pelos trabalhadores através de duas ditaduras,
sendo um dos advogados de defesa de Graciliano Ramos
e de Luiz Carlos Prestes, na primeira delas. No segundo
período ditatorial que enfrentou, certa vez bateu-lhe o
Exército na porta. Ligou para sua esposa e disse que estava
sendo levado preso. Quando já à porta, com sua mala que
permanecia pronta, ouviu, aliviado, daquele soldado do
exército “vim aqui só para saber dos meus direitos.”
Foram quase 100 anos de luta por um mundo mais
justo. Hoje estaria na luta pela Justiça do Trabalho. Como
afirmou, “quanto mais pobre o homem comum, mais neces-
sidade de uma justiça pronta, rápida e acessível à sua pobre-
za”. O movimento de cúpula que percebemos, contudo, é

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