Barreiras regulatórias no mercado interno de bens da união europeia: caracterização e factores explicativos

AutorMaria Helena Guimarães
Páginas88-93

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1 Introdução

O mercado interno de bens tem uma importância crucial para a economia da União Europeia. 1 Este mercado corresponde a 18 por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia e representa cerca de 75 por cento do comércio total intracomunitário. Desde 1992, com a criação do Mercado Interno, que o comércio entre os Estados-membros da UE aumentou 30 por cento.2

Para o funcionamento integrado deste mercado de bens, é fundamental a eliminação das barreiras regulatórias, que resultam de normas nacionais relativas às características dos produtos ou dos processos de produção.

Apesar de, do ponto de vista económico, serem consensuais os benefícios do mercado interno de bens, os governos continuam a recorrer à utilização de barreiras regulatórias nacionais nas trocas intracomunitárias. Baldwin (2000) afirma que estas barreiras se tornaram cada vez mais visíveis na União Europeia, especialmente desde que as barreiras tarifárias, ou "barreiras fáceis", foram completamente eliminadas em 1968. Estima-se que as barreiras que prevalecem no comércio entre os Estados-membros correspondam a um potencial económico não aproveitado de 40 a 60 biliões de euros.

O Programa do Mercado Interno tem entre os seus objectivos eliminar as barreiras regulatórias que permanecem no comércio entre Estados-membros e prevenir o aparecimento de novas barreiras3, de forma a assegurar a liberdade de circulação de bens no espaço integrado e a garantir a existência de um verdadeiro "mercado único".

O Tratado CE, nos artigos 28 e 30, estabelece o princípio da livre circulação de bens entre Estados membros. No artigo 28, proíbem-se as restrições quantitativas à importação e todas as medidas de efeito equivalente, tais como as barreiras regulatórias nacionais. O artigo 30 estabelece que as regulamentações nacionais apenas são aceites se justificadas, por razões de moralidade, ordem ou segurança públicas, ou por razões de proteção da saúde e da vida humana, proteção dos animais ou preservação das plantas, entre outras. O artigo explicita que estas regulamentações não devem ser nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio. Em suma, devem ser consistentes com o funcionamento do Mercado Interno e não devem ter propósitos proteccionistas nem prejudicar a prossecução do seu objectivo fundamental - a liberdade de circulação.4

Deve referir-se que as infracções a estes artigos do Tratado, nomeadamente ao artigo 28, são consideradas pela Comissão Europeia como sendo normalmente não acidentais e como tendo a intenção de protecção de um dado sector industrial.

2 Por que motivo as regulamentações nacionais podem transformar-se em barreiras regulatórias

As regulamentações nacionais apresentam um conjunto de características que as tornam em potenciais barreiras regulatórias. São ambíguas, pois é difícil identificar se o seu objectivo é a defesa de um interesse público legítimo ou a protecção ilegítima do mercado naciona. Como dizem Baldwin e Wyplosz (2006, p. 112), são "uma combinação subtil de interesse público e proteccionismo". São também pouco transparentes e pouco visíveis, uma vez que são difíceis de quantificar. Ao contrário das tarifas, não as podemos associar a um valor e, consequentemente, é difícil avaliar os seus efeitos económicos. Têm também um impacto menos visível sobre os consumidores do que as tarifas, razão pela qual são apelativas para os grupos de interesse que procuram protecção para os seus sectores industriais. Estas características podem tornar as regulamentações nacionais em barreiras regulatórias, que dificultam ou podem mesmo impedir as livres trocas intracomunitárias.

O impacto da utilização destas regulamentações nacionais sobre as trocas e o comércio intra- UE é significativo, uma vez que elas são fortemente invasivas - são facilmente usadas em todos os sectores, são muito diversificadas, crescentemente complexas e engenhosas e muito mutáveis.

Atente-se em dois exemplos de medidas regulatórias nacionais que ao afectarem a livre circulação de bens no Mercado Interno se transformam em barreiras regulatórias. Um primeiro exemplo respeita à França e à Itália, países que exigem que os atrelados de tractores cumpram regras técnicas nacionais Page 89 específicas, as quais impedem que a maioria dos tractores fabricados noutros países da UE seja aceite nesses mercados. A Comissão Europeia considera que se as especificações técnicas existentes noutros países da UE garantem níveis de segurança adequados, não há razão para que a França e a Itália coloquem esta barreira à entrada nos seus mercados. Na verdade, segundo o princípio do Reconhecimento Mútuo (e a Nova Abordagem), os bens legalmente produzidos e comercializados num Estado-membro devem entrar livremente nos outros Estados-membros.

Um segundo exemplo é o de uma Comunidade Autónoma de Espanha, que proíbe a comercialização de bebidas e produtos dietéticos com guaraná, com o argumento de que este produto é um medicamento, o que implica que a sua comercialização deve estar sujeita à permissão das autoridades farmacêuticas, por razões de protecção do consumidor. A Comissão entende que Espanha não apresenta provas científicas para sustentar a necessidade desta autorização e acrescenta que outros produtos com guaraná são comercializados noutras regiões de Espanha. Assim, conclui a Comissão, tal proibição é desproporcionada e desadequada face ao alegado objectivo de protecção do consumidor e afecta a livre circulação de bens na UE.

Regulamentações nacionais como as que referimos anteriormente, revestem-se de um carácter de barreira regulatória. No caso das barreiras técnicas - as que resultam das especificações técnicas a que os produtos têm que obedecer para terem acesso ao mercado nacional - o cumprimento de diferentes regulamentações nacionais aumenta os custos de produção...

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