O banco de horas no contexto do trabalho constitucionalmente protegido

AutorRicardo José Macedo de Britto Pereira
Páginas353-358

Page 353

1. Considerações introdutórias

É com muita alegria que participo desta merecida home-nagem à professora Gabriela Neves Delgado. A vinda da professora Gabriela para a Universidade de Brasília representou significativas mudanças no dia a dia universitário, tanto no aspecto acadêmico, como no das relações sociais. É surpreendente o número de alunas e alunos que procuram a professora Gabriela para assistir a suas aulas e serem por ela orientados em monografias de final de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. A sua dedicação vem conferindo enorme projeção à área trabalhista dentro e fora da Faculdade de Direito.

Do perfil acadêmico da professora Gabriela despontam sua capacidade intelectual, seu rigor metodológico e seu comprometimento com o trabalho constitucionalmente protegido. De sua pessoa, esbanjam cordialidade, generosidade e doçura, que cativam e atraem a cada dia mais pessoas, formando uma enorme comunidade referenciada por sua grandeza e seu ideal de promoção e desenvolvimento do Direito do Trabalho pela ótica do Direito Constitucional.

Sinto-me honrado e agraciado por poder dividir com a professora Gabriela parte de seu trabalho no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito. Nos últimos anos, temos compartilhado a coordenação do Grupo de Pesquisa UNB/CNPQ - "Trabalho, Constituição e Cidadania" e as disciplinas que são ministradas na pós-graduação da Faculdade de Direito na área trabalhista.

O tema a ser desenvolvido, banco de horas, está diretamente ligado às pesquisas realizadas pela Prof. Gabriela, especialmente sua concepção de trabalho digno, por meio da qual se defende a inclusão social pelo trabalho.

Como ela destaca em sua obra, "todos os direitos fundamentais do homem deverão orientar-se pelo valor-fonte da dignidade. É o caso, por exemplo, do trabalho, que no Estado

Democrático de Direito deve ser promovido pelo direito fundamental e universal ao trabalho digno"1.

O banco de horas, nos moldes atualmente previstos, representa uma medida flexibilizadora, que transfere parte dos riscos da atividade econômica do empregador para o empregado, constituindo séria ameaça aos elementos estruturantes do trabalho constitucionalmente protegido.

Para tratar do banco de horas, o presente texto será divi-dido em quatro partes: o primeiro fará considerações sobre o banco de horas à luz do trabalho socialmente protegido na Constituição de 1988; o segundo examinará o princípio da proteção constitucional ao trabalho versus a flexibilização do Direito do Trabalho; o terceiro tratará da interpretação constitucional das normas trabalhistas, com enfoque em sua estrutura; e o último abordará as condicionantes para que o banco de horas possa ser considerado válido.

Pretende-se estabelecer limitações na adoção do banco de horas, reforçando sua excepcionalidade, a fim de que o princípio de proteção ao trabalho na Constituição não ceda aos interesses do poder econômico.

2. Considerações sobre o banco de horas à luz do trabalho socialmente protegido na constituição de 1988

Destaca-se do Texto Constitucional, logo em seu artigo introdutório, a consagração dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, IV, CF). Percebe-se que o dispositivo não se refere apenas ao trabalho socialmente protegido. A livre-iniciativa também está inserida no valor social, tal como se verifica em relação ao direito de propriedade e sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, CF).

No tocante à duração normal do trabalho, o art. 7º, inciso XIII, da Constituição de 1988, prevê que não será "superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a

Page 354

compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

O inciso XIV do mesmo artigo estabelece "jornada de seis horas para turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva".

Além disso, a limitação da duração do trabalho está relacionada ao art. 7º, XXII, da Constituição, que determina a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".

O banco de horas é uma modalidade de compensação de horários, de modo que sua implantação se condiciona ao trabalho constitucionalmente protegido.

A redação original do art. 59, § 2º, previa a compensação de horários, dispensando o pagamento de horas extras mediante acordo ou contrato coletivo se o excesso de horas em um dia correspondesse à diminuição em outro, sendo estipulado como limite dez horas diárias e a duração normal semanal, na época quarenta e oito horas e, depois da Constituição de 1988, quarenta e quatro horas.

A Lei n. 9.601, de 21.1.1998, ampliou a limitação semanal para "a soma das jornadas semanais de trabalho previstas" no período máximo de cento e vinte dias. Finalmente, por medida provisória, a limitação de cento e vinte dias foi ampliada para um ano (MP n. 2.164-41, de 2001). Como se trata de medida provisória editada antes da publicação da Emenda Constitucional n. 32/2001, ela continua em vigor até que nova medida provisória a revogue ou seja definitivamente deliberada pelo Congresso Nacional, sem prazo previsto para esse fim (art. 2º EC).

A expressão "acordo ou convenção coletiva" foi objeto de intenso debate, até o momento em que a jurisprudência pacificou o entendimento sobre ele, como será visto adiante. Boa parte das discussões resultaram da inversão na expressão quando a Constituição trata da irredutibilidade do salário, "salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo" (inciso VI) e o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos" (inciso XXVI).

Essa questão será retomada adiante. Por ora, será assinalado como está a matéria na Súmula n. 85 do Tribunal Superior do Trabalho:

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula n. 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ n. 182 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000) III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex--Súmula n. 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ n. 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade "banco de horas", que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

Referida súmula contém um avanço em relação ao banco de horas, ao não admitir a sua realização por acordo individual. Não há uma precisão acerca do período máximo para ser considerada válida a compensação celebrada por acordo individual escrito, quando não há instrumento cole-tivo vedando essa possibilidade. Deve-se entender que essa compensação refere-se a sua ocorrência dentro da própria semana. Se a compensação ultrapassa uma semana, exige-se o instrumento coletivo.

No entanto, o que cumpre examinar é justamente a compatibilidade do prazo de um ano previsto para a compensação de horários no banco de horas, bem como os limites que devem ser observados para sua adoção. Antes, serão feitas considerações sobre os limites da flexibilização em geral, usando como base a proteção constitucional ao trabalho.

3. Princípio de proteção constitucional ao trabalho versus flexibilização dos direitos trabalhistas

Depois da promulgação da Constituição de 1988, o tema da flexibilização do Direito do Trabalho adquiriu novo impulso, lastreado na previsão constitucional de alteração de direitos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT