Banco de horas, férias e intervalos à luz da reforma trabalhista

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas64-69

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1. Três temas da reforma

A reforma trabalhista de 2017, a mais profunda realizada na CLT desde 1943, introduzida pela Lei n. 13.467, de 13 de julho, modificou, dentre outros institutos, três de expressiva repercussão: banco de horas, férias e os intervalos na jornada de trabalho. A eles é dedicado este estudo.

2. Banco de horas

Para um mecanismo destinado a promover a flexibilização da jornada de trabalho diária de trabalho, permitindo a compensação dos excessos de variados modos, considerando a jornada inicial contratada, costuma-se chamar de banco de horas. No Brasil, foi criado em 1998, pela Lei n. 9.601, de 21 de janeiro.

Com efeito, o art. 59 da CLT permite, por via de acordo individual, de convenção coletiva de trabalho ou de acordo coletivo de trabalho, que a jornada normal seja acrescida de mais duas horas extras diárias, remuneradas a 50% do valor da hora normal (art. 7º XVI da CR).

Trata-se de um sistema flexível de jornada. Como anota Luciano Martinez, não é nem compensação nem prorrogação, mas o pior dos dois sistemas2, em uma prática altamente prejudicial a todos os trabalhadores, inclusive aos contratados a tempo parcial, aos quais, anteriormente, era proibido esse instrumento, mas foi revogado o § 4º do art. 59 da CLT.

Essa prática existe em alguns países. Na Alemanha, resulta de negociação coletiva, apresentando-se em cinco modalidades diferentes. Na Argentina é embrionária, existindo na área da indústria automotora. Na Espanha, apenas 3,5% dos trabalhadores estão submetidos ao regime do banco de horas. Na França, decorre de negociação coletiva.

A legislação portuguesa possui regras expressas a respeito. O art. 208 do Código do Trabalho cuida do banco de horas. Em Portugal, é permitido o acréscimo de quatro horas/dia, até seis por semana, atingindo até duzentas horas no ano. Esse limite anual poderá ser ampliado mediante negociação coletiva e por apenas doze meses.

Segundo a norma lusitana, o instrumento coletivo é o grande veículo de regulação do banco de horas, cuidando de compensação (em redução do trabalho, em pagamento in pecunia ou de ambas as modalidades). Também a antecedência para chamar o empregado ao trabalho inter-mitente deve ser fixada em norma coletiva.

Dispõe o art. 59 e seus parágrafos da CLT:

Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

§ 1º A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal.

§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2º e 5º deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.

§ 4º (Revogado).

§ 5º O banco de horas de que trata o § 2º deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.

§ 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

Desse texto legal, temos os seguintes traços caracterizadores:

1) o banco pode ser criado por negociação coletiva (acordo ou convenção coletiva de trabalho) e também mediante acordo individual;

2) as horas suplementares poderão ser, no máximo, de duas por dia, metade do admitido em Portugal;

3) não há pagamento dessas horas extraordinárias, mas uma expectativa de compensação futura que deverá

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ocorrer no período de um ano, se fruto de negociação coletiva, ou em seis meses, se resultado de acordo individual;

4) os prazos de convocação e recusa estão definidos na legislação, diferente de Portugal, em que a atribuição é transferida aos interessados, por meio de negociação coletiva; e,

5) as horas superiores a 10ª hora não podem ser depositadas para compensação futura (o limite são dez horas por dia), devendo ser remuneradas de pronto.

Ponto altamente confuso e de difícil compreensão é o texto da lei quando refere: de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas (§ 2º do art. 59). Tem sido entendido que resulta que a soma da jornada prevista e acumulada ao final de um ano será de 44 horas. Caso exceda, as horas sejam superiores a esse limite devem ser imediatamente usufruídas.

Deve ser reiterado que os critérios que a jurisprudência consagrou na Súmula n. 85 do TST, relativos à compensação de jornada, não se aplicam ao banco de horas, conforme seu item V:

Súmula n. 85 –V – As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

Assinale-se, ainda, que o banco de horas anual pode ser objeto de livre pactuação em sede de negociação coletiva, por qualquer dos dois instrumentos autônomos que dela resulte, na forma do disposto no art. 611-A, n. II, da CLT, nos mesmos moldes do modelo português.

3. Férias

Em matéria de férias, a reforma da Lei n. 13.467/17 merece ser examinada pelo menos em três aspectos: 1) os critérios de concessão; 2) a situação do trabalho intermitente; e, 3) a negociação coletiva.

No primeiro aspecto, a reforma de 2017 alterou o critério de concessão de férias. Anteriormente, a regra era a concessão, em um só período, correspondente aos doze meses subsequentes ao aquisitivo (art. 134 da CLT), podendo ser fracionada em dois períodos, um dos quais nunca inferior a 10 dias corridos (§ 1º).

A mudança inicial foi exatamente nessa forma de fracionamento. De dois períodos, agora são permitidos três períodos, um deles não inferior a quatorze dias corridos, e os demais nunca inferiores a cinco dias corridos cada qual (novo § 1º). Essa regra, a nosso ver, viola a Convenção n. 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, segundo a qual as férias devem decorrer de acordo entre as partes (empregado e empregador) de no mínimo duas semanas (quatorze dias), donde a parte final do § 1º contraria o art. 8, parágrafo 2, da norma internacional. Está caracterizado o conflito de leis. Então, considerando o princípio da supralegalidade que o STF tem adotado, é crível que esse dispositivo tenha sua aplicação afastada pela Suprema Corte. Não sendo assim, poderá ser aplicado o critério da especialidade (lex specialis derogat generalis), ou seja, ou se aplica a Convenção n. 132 (lei específica) ou a CLT (lei geral).

Outra alteração é que a concessão não dependerá mais de ato do empregador. Essa regra não existe no novo caput do art. 134. Deduz então, que dependerá de concordância das partes, ou seja, mediante ajuste prévio entre empregador e obreiro, o que é uma medida salutar, porque, como está expresso, é necessária a concordância do empregado.

Altamente criticável na nova legislação é a revogação do § 2º do art. 134 consolidado que vedava o fracionamento das férias para os menores de dezoito anos e os maiores de cinquenta anos. Agora, trabalhadores com essas idades poderão fracionar suas férias, o que, de qualquer sorte, não é benéfico, considerando o principal objetivo das férias que é a recuperação do bem estar do obreiro.

Em seguida, deve ser destacada, e não para criticar, que é proibido fixar o início de férias em período de dois dias antes de feriado ou dia de repouso semanal remunerado (§ 3º do artr. 134), nada obstando puder ser concedido no dia subsequente a um desses eventos.

Quanto ao segundo aspecto, o trabalho intermitente, temos que, por definição legal, se trata do contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, deter-minados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de...

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