A banalidade do mal nas prisões

AutorRaphaella Benetti da Cunha Rios - Laís Berti Resqueti
CargoJuíza de direito - Advogada
Páginas128-138
128 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 650 I FEVEREIRO 2018
DOUTRINA JURÍDICA
Raphaella Benetti da Cunha Rios JUÍZA DE DIREITO
Laís Berti Resqueti ADVOGADA
A BANALIDADE DO MAL
NAS PRISÕES
A violência observada no microcosmo de uma cadeia de
Arapongas, no interior do Paraná, é replicada em todo o
país
Comecemos este trabalho – que nada mais
é do que um desabafo do que está ocor-
rendo em matéria de execução penal no
sistema brasileiro – com um caso con-
creto e real. Em Arapongas, no Estado
do Paraná, a cadeia pública está em si-
tuação lamentável, para dizer o mínimo.
A superlotação do estabelecimento e as suas péssimas
condições estruturais formam um contexto que vem
propiciando inúmeras rebeliões e tentativas de fuga.
Não raro, a ação dos presos desencadeia uma atuação
policial bastante severa, sempre com saldo de ferimen-
tos nos internos e destruição do espaço  sico1. E esse
processo vem se repetindo quase que diariamente.
O panorama sinteticamente narrado é apenas o re-
exo da caótica situação brasileira em matéria de exe-
cuções penais2. Há falta de estabelecimentos carcerá-
rios – os que existem estão em condições absolutamen-
te desumanas –, bem como de políticas criminais que
possam minimamente reinserir um apenado, de forma
digna, na sociedade. Trata-se de uma questão sem o me-
nor apelo social. Ao contrário, o tema carcerário parece
refl etir algo muito distante da realidade da população,
que, por uma questão cultural, entende que o preso não
é um ser humano, mas alguém que deve fi car longe dos
olhos dos “cidadãos de bem”. Um verdadeiro “inimigo”
da sociedade3.
A cadeia pública de Arapongas é um pequeno uni-
verso dentro do sistema penitenciário/carcerário bra-
sileiro, e será objeto de estudo deste trabalho. O objeti-
vo geral desta investigação é verifi car a presença – ou
não – das categorias “mal” e “violência” na situação
em questão e em outras constantemente sentidas e
vividas no interior do estabelecimento penitenciário
considerado.
Para tentar começar a entender esse fenômeno de
total esquecimento vivenciado pelo sistema carcerário
brasileiro é necessário explorar, além dos conceitos an-
tes mencionados (“violência” e “mal”), o de “memória”.
Quando pensamos nessas três palavras, normalmen-
te surgem na mente fi guras estereotipadas: violência
sica cometida em um crime como o homicídio, “mal”
como simples contraposição à ideia conceito de “bem” e
“memória” como sendo uma categoria que se confunde
com a própria história.
Este trabalho pretende desmistifi car esses três te-
mas e situá-los sob a ótica do caso concreto antes ex-
posto. Afi nal, o sistema penal teoricamente teria que
frear a espiral de violência. Mas não parece ser o que
acontece na prática. Então, é possível afi rmar que o di-
reito penal potencializa a violência? Esta será a primei-
ra pergunta de investigação.
As questões seguintes se referem ao conceito de mal
e sua aplicação no caso concreto. E as perguntas se mul-
Revista_Bonijuris_NEW.indb 128 23/01/2018 21:06:49

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