Avanços legislativos para formação do Novo CPC (2010/2016)

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas34-42

Page 34

Ultrapassado o momento inicial de alguma perplexidade e mais sérias críticas ao Projeto do Novo CPC, viu-se que ao ser encaminhado o documento à Câmara Federal houve um avanço muito interessante do texto, passando o Projeto a ganhar o n. 8.046/201072.

Tal avanço deu-se a partir de maior debate de questões polêmicas e inovadoras, sendo forjadas alterações ao longo do período de 2010 a 2015 que legitimaram a conversão do Projeto na Lei n. 13.105.

Trata-se de ponto específico que merece registro: o Novo CPC só conseguiu obter condições de aprovação em razão do profícuo e mais detalhado debate do texto adjetivo dentro da Câmara Federal, sendo amplamente discutidos, inclusive no meio acadêmico, principalmente o teor do "Relatório Barradas" e o teor do "Relatório Paulo Teixeira"73.

Tanto assim é que depois de voltar ao Senado para derradeira votação, em 2015, pouca coisa foi alterada, como também pequenos foram os vetos presidenciais que antecederam a publicação da Lei Federal. Posteriormente, no ano de 2016, tivemos em verdade mais duas pontuais alterações do Codex, com as Leis ns. 13.256 e 13.363, sem que houvesse mudança significativa na estrutura do diploma adjetivo que se consolidou, repita-se, na Câmara Federal.

Tratando mais detidamente do embrionário Projeto de Lei n. 166/2010, elaborado por uma Comissão de Juristas sob presidência do Min. Fux e instituída pelo Ato n. 379/2009 da presidência do Senado para um Novo CPC brasileiro, importante o registro de que há algumas similitudes da proposta pátria com o modelo de reforma implementada na Itália, pela Lei n. 69, justamente do mesmo ano de 2009.

Page 35

Tal registro inicial tem a sua relevância, já que ao menos desde a concepção do Código Buzaid, passando pelos seus movimentos de reforma, acompanhamos uma relação muito próxima da legislação processual pátria com a legislação peninsular, que segue sendo, pois, ampla fonte de consulta.

Pelo Projeto originário, há discussão a respeito da simplificação e rapidez de um "procedimento sumário de cognição" em oposição a um rito de "cognição plena e exauriente"; situação exata que se deu, no direito comparado, pela introdução da Lei Processual Italiana n. 69/2009 - que tratou da última grande reforma ao CPC italiano/194074 - sul procedimento sommario di cognizione e prevalenti caratteri di simplificazione della trattazione o dell´instruzione della causa versus la cosidetta cognizione piena ed esauriente75.

Ao que parece, reforçamos, o modelo italiano que já havia sido uma forte inspiração para a constituição e remodelação do Código Buzaid (lembrando que as grandes alterações do Código italiano de 1940 deram-se justamente entre 1990-199576) passou a ser também para a sua mais ampla retificação, de acordo com o texto da reforma introduzida pela Lei n. 69/2009.

No entanto, as similaridades não param por aí. Também na Itália, como ocorre por aqui, sucedeu-se inicial reação firme de parte da doutrina em razão do teor da reforma do sistema processual - sendo por lá da mesma forma denunciada a esquizofrenia legislativa che non aiuta gli operatori del diritto e che non reca certo beneficio al funzionamento della gistizia civile, bem como criticada a rapidez exagerada na implementação de reformas importantes senza un adeguato approfondimento e un serio confronto, che deve coinvolgere non solo la dottrina, ma tutti gli operatori del diritto77.

Seja como for, antecipamos já que o alegado aprofundamento e sério confronto de ideias, ao menos em terras tupiniquins, acabou em boa dose vingando, no período posterior de tramitação do Projeto n. 8.046/2010 na Câmara Federal. Nesse ambiente legislativo, explicite-se, o Projeto seguiu até o segundo semestre de 2014, para votação dos destaques finais, depois de amplo debate a respeito do texto central78.

Daí por que nos escritos desse período mais avançado de tramitação do texto da lei processual no Congresso Nacional é clara uma mudança de posicionamento nosso a respeito do tema, já que justamente a partir de 2013/2014 passamos a entender que o Projeto reunia melhores condições e fundamentos para substituir o Código Buzaid reformado. 79

Além da questão envolvendo maior amadurecimento de ideias em um ambiente vivamente democrático, forçoso registrarmos que, se em um momento inicial foram visualizadas mais disposições tendentes a incrementar a efetividade no processo pelo Novo CPC - como a sumarização de procedimentos, a antecipação da tutela pela demonstração da evidência do direito do autor, a atenção às decisões das cortes superiores (precedentes) e os julgamentos por amostragem (assunção de competência); foram depois sendo consolidadas mudanças que, s.m.j., indicaram também importante preocupação com a segurança jurídica - como a exigência de contraditório prévio, a obrigação de mais ampla fundamentação das decisões judiciais, a previsão de um acordo de procedimento entre as partes litigantes e a maior liberdade para a produção de provas na fase instrutória, valendo-se os litigantes de prazos dilatórios melhor definidos.

Page 36

Por outro lado, uma clara redução da importância da forma é marca indelével do Novo CPC, com uma tentativa de superação da chamada jurisprudência defensiva, ao passo que autorizada, por exemplo, a concessão de prazo adicional à parte recorrente para sanar vício (como o preparo incompleto ou inexistente da apelação) ou complementar a documentação exigível (como peças úteis ou necessárias à formação do agravo de instrumento)80.

Entendemos como positiva a apresentação inicial de uma sistematização da teoria geral do processo, nos doze primeiros artigos do Projeto, com disposições claras de processo constitucional (em capítulo denominado "Dos princípios e das garantias fundamentais do processo civil"), resultado do "profundo amadurecimento do tema que hoje se observa na doutrina processualista brasileira"81.

A partir desses dispositivos é explicitado o contemporâneo pensamento processual a respeito da proximidade do texto adjetivo com a Lei Maior, além de serem externadas exigências mais atuais no processo civil como a da formação de contraditório prévio anterior à decisão judicial sobre ponto ainda não discutido entre as partes, ainda que se trate de matéria sobre a qual possa o julgador decidir de ofício.

Fica claro, pelo texto do Novo CPC, que as partes não podem ser surpreendidas, sendo oportunizado que se manifestem sobre qualquer tema, de ordem pública ou não, antes que o Estado-juiz decida a respeito82 - situação fundamental para a proteção das partes, que já vinha sendo denunciada anteriormente pela doutrina83. Especialmente quanto às matérias de ordem pública, o julgador deve então sinalizar para qual tema pode vir a reconhecer ex officio, abrindo prazo para as partes se manifestarem a respeito desse novel possível encaminhamento - v. g., matéria prescricional; ainda, quando do trato dos recursos em espécie, o Projeto aprovado explicita mais uma vez a linha do "contraditório prévio", ao tratar de eventual efeito modificativo do julgado em declaratórios.

Na Câmara Federal, a partir de 2013, foi apresentada uma nova versão do Projeto para o Novo CPC, a qual em comparação com o Projeto inicial do Senado - pareceu realmente ser fruto de maior diálogo com o meio jurídico. Percebeu-se, ademais, que os participantes das reformas no Projeto possuíam bom conhecimento e vivência no meio processual, compreendendo que se pode fazer o possível dentro do lapso regulamentar concedido, como também de que a melhora na letra da lei adjetiva deve vir acompanhada de melhor aparelhamento do Poder Judiciário e treinamento intenso dos operadores do Direito - inclusive para enfrentar a irremediável instalação do processo eletrônico84, bem como deve ser forjada verdadeira cultura (jurídica) de colaboração e de boa fé dentro da relação jurídico-processual85.

Com relação a uma real novidade da Parte Geral do Código, proposta na Câmara Federal, emergiu a possibilidade de atuação mais pró-ativa dos advogados das partes em escolher, em paridade de condições e forças, os meios probatórios lícitos que darão forma à fase instrutória.

Page 37

Se é verdade que o Projeto do Senado conferiu ao Estado-juiz poderes para prorrogar prazos e inverter a ordem das provas - o que nos faz crer que os prazos na fase instrutória devem ser compreendidos como de natureza dilatória (não passíveis de preclusão automática), a fim de que se corporifique efetividamente o direito constitucional e prioritário à prova, coube à Câmara acoplar a esse sistema, em matéria de direitos disponíveis, a possibilidade de as partes atuarem para melhor aproveitamento da fase instrutória, a fim de que o julgador tenha melhores subsídios para proferir decisão de mérito - sem que tenha de se utilizar das malfadas regras (de julgamento) do ônus da prova. Quem melhor que as partes litigantes para saberem dos reais pontos controvertidos e da melhor forma de produzir provas a respeito da controvérsia para que finalmente o agente político do Estado diga então com quem está o direito?

A novidade apresentada vem denominada de acordo de procedimento, permitindo que as partes possam, em certa medida, regular a forma de exercício de seus direitos e deveres processuais e dispor sobre os ônus que contra si recaiam; o enunciado ora proposto admite a adaptação procedimental, mas a adaptação não é aceita aqui como resultado de um ato unilateral do juiz, e sim como fruto do consenso entre as partes e o julgador em situações pontuais.

De comum acordo, assim86, o juiz e as partes podem estipular mudanças no procedimento, objetivando ajustá-lo às especificidades da causa, fixando, quando for o caso, o calendário para a prática dos atos processuais - mormente, pensamos, os atos probatórios referentes à realização de perícia técnica (com a presença de assistentes técnicos) e coleta de prova oral em audiência (com a presença de testemunhas).

Também o Projeto aprovado, em momento mais adiante, ao tratar dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT