Os avanços da legislação eleitoral e a consolidação da democracia brasileira

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas269-282

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1. O Direito Eleitoral

Nas palavras do professor Djalma Pinto, o Direito Eleitoral no Brasil "é o ramo do Direito Público que disciplina a criação dos partidos políticos, o ingresso do cidadão no corpo eleitoral para a fruição dos direitos políticos, o registro das candidaturas, a propaganda eleitoral, o processo e a investidura no mandato eletivo"1.

De tal modo, tem-se que o Direito Eleitoral é o ramo do direito público que tem por escopo conduzir o processo de escolha pela sociedade de seus representantes na administração do Estado.

Pode-se, em um sentido amplo, encontrar tal ramo do Direito nas civilizações antigas como os hebreus, povo oriundo da Mesopotâmia que já possuía sistema de representação dos interesses sociais através dos anciãos de suas tribos; ou seja, mesmo em sociedades cuja organização social era mais simplificada do que se está acostumado hoje, já havia sistema de escolha e gestão para tratar dos assuntos relevantes à administração dos interesses coletivos.

Na Grécia antiga as decisões mais importantes eram tomadas em praça pública por meio de votação simples, respeitadas as castas, e ainda que apenas alguns detivessem o direito à palavra havia votação, e ao final um representante levava as deliberações para a assembleia. Tal procedimento é um indicativo de um povo com voz ativa na sociedade.

Fustel de Coulanges, ao analisar a função dos juízes durante a escolha dos candidatos na Grécia antiga, aduz que:

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"Os magistrados que não exerciam senão funções de ordem pública eram eleitos pelo povo. Todavia, tomavam-se precauções contra os caprichos da sorte ou do sufrágio universal; cada novo eleito era submetido a um exame, ou diante do senado, ou diante dos magistrados que deixavam o cargo, ou diante do Areópago; não se exigiam provas de capacidade ou de talento, mas se procedia a um inquérito sobre a probidade do candidato e sua família; exigia-se também que todo magistrado tivesse um patrimônio em bens de raiz"2.

Os romanos, por sua vez, também são precursores do Direito Eleitoral. Com efeito, à época do baixo império, por exemplo, ainda que só o Rei detivesse autoridade, este era auxiliado pelos membros de cúpula, uma espécie de conselho de estado, que era composto pelo senado, com cerca de 300 (trezentos) membros, todos escolhidos entre os patrícios - nobreza romana, ou seja, já havia regras para a escolha dos membros do conselho.

Mas é com a queda das monarquias e o início do ideal de democracia, inspirado na Grécia antiga, que começa a surgir o Direito Eleitoral propriamente dito, com desígnio de organizar a escolha dos representantes do povo para a administração do Estado.

2. O Direito Eleitoral Brasileiro

No Brasil D. João III, então rei de Portugal, outorgou o Regime de Tomé de Souza, o qual regulamentava as estruturas políticas e governamentais da nova colônia portuguesa. Neste sistema não havia eleições, e os escolhidos pelo Rei para a administração do Estado eram nomeados de maneira discricionária.

Somente em 1824, com a outorga da primeira constituição brasileira pelo Imperador D. Pedro I, é que se começa a ter, no Brasil, um esboço de Direito Eleitoral, marcado por eleições indiretas para os Conselhos Gerais das Províncias e para as Assembleias Gerais. Conforme se verifica no artigo 90 da aludida constituição

"As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes

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os Eleitores de Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia"3.

(Grafia original)

A referida Constituição foi mantida em vigência por 67 anos, sendo até hoje a constituição que permaneceu por mais tempo vigente no Brasil. Durante este período diversas leis infraconstitucionais foram promulgadas para corrigir falhas do sistema e atender anseios da sociedade.

Mas foi somente em 18914, com a mudança do regime imperial para a república, e já sob a égide de uma nova constituição, que o Brasil teve sua primeira eleição para os cargos mais altos do Estado, presidente e vice-presidente da república, sendo o voto de sufrágio direto e de maioria absoluta.

Em 1931, as questões eleitorais já não eram mais decididas pela constituição vigente, mas sim por decretos e leis esparsas. De tal modo, o sistema eleitoral iniciou um processo de codificação de normas nunca antes visto no país. Era o inicio de um ordenamento jurídico próprio: o primeiro Código Eleitoral Brasileiro, o qual foi promulgado em fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076.

Já a Constituição de 19345ficou marcada por instituir no Brasil a Justiça Eleitoral, inserindo-a como parte do Poder Judiciário, apesar desta já existir através de leis infraconstitucionais. Trouxe à baila, ao mesmo tempo, a competência privativa para dirimir as questões envolvendo as eleições, bem como dispositivos regulando os direitos políticos, a perda de mandato e o alistamento eleitoral.

Segundo Suzana Camargo Gomes:

A Constituição de 1934 inaugurou a Segunda República no Brasil havendo incorporado o chamado sentido social do Direito, com a finalidade de absorver as várias correntes políticas que se impunham quando de sua elaboração, além de ter sido a boa artesã do federalismo, pois a par de manter o regime

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federativo democrático, embora alargando a competência privativa da União, deixou para os Estados-membros a competência residual 6 .

Ainda neste período entrou em vigor a Lei nº 48 de 04 de maio de 19357, considerado como o segundo Código Eleitoral pátrio, o qual trouxe um rol extenso de inelegibilidades, concedendo inclusive aos estados competência legislativa para ampliar tal rol.

Passados quatro anos da nova carta magna uma reviravolta política instituiu a Constituição de 1937, mais conhecida como Constituição do Estado Novo ou Constituição Polaca, período em que a Justiça Eleitoral, tão aclamada pelos pensadores jurídicos da época, foi extinta. Getúlio Vargas, então presidente, estabeleceu na Constituição de 1937 tendências ditatoriais, governando o Brasil de maneira centralizada e afastando da Justiça Eleitoral as questões políticas.

Pouco mais de dez anos depois da saída da Justiça Eleitoral da ordem constitucional brasileira, a mesma retornou para o quadro do Poder Judiciário com a constituição de 19468, atribuindo a União à competência exclusiva para legislar sobre matéria eleitoral. Esta foi a primeira constituição a se preocupar efetivamente com os partidos políticos, assegurando aos partidos nacionais a representação proporcional.

Em 1950, o Direito Eleitoral sofria mais alterações, com o advento da Lei no 1.164 de 24 de julho, o terceiro Código Eleitoral brasileiro, editado à luz da Constituição de 1946.

Adiante, em 1965, nascia o atual Código Eleitoral Brasileiro, Lei nº 4.737 de 15 de julho de 1965, que aperfeiçoou o código anterior e ampliou a atuação da Justiça Eleitoral.

Não obstante a nova legislação - novo Código Eleitoral -, o governo militar baixou o Ato Institucional nº 029, famoso por extinguir os partidos políticos da época, instituindo no Brasil o sistema bipartidário. Somente a

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Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) eram reconhecidos como partidos políticos no sistema brasileiro, de modo que qualquer outro partido era considerado ilegal e clandestino, atentando contra o Estado. O pluripartidarismo só voltaria ao Brasil em 1979.

Em 1988, após diversas transformações políticas, foi promulgada a atual Constituição Federal, que redemocratizou o país, com importantes avanços. Trata-se da denominada Constituição Cidadã, tendo em vista a ampla participação popular durante a sua elaboração, e a constante busca da efetivação da cidadania.

A Constituição de 1988, entre outras coisas importantes, atribuiu ao Ministério Público a defesa do regime democrático de direito, e considerou ainda os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado.

O Código Eleitoral de 1965 foi recepcionado pela nova constituição como lei complementar, sofrendo algumas alterações para se adaptar ao novo regime constitucional.

3. A Legislação Eleitoral Brasileira e a Constituição de 1988

A Carta de 1988 instituiu nos artigos 14 a 17 os direitos políticos e os partidos políticos. Nessa toada, manteve a Justiça Eleitoral como integrante do Poder Judiciário, sendo disciplinada pelo artigo 92, inciso V, e artigos 188 a 121.

Registra-se que a eleição para presidente e vice-presidente da República Federativa do Brasil foi amplamente normatizada, sendo expressamente destacado o processo de eleição, os casos de impedimento e vacância do cargo.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 foi estabelecida também a soberania popular, apregoada da seguinte forma: "a base de todo Poder está no povo, sendo tal soberania exercida de vários modos, tais como o referendo, o plebiscito,...

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