Avaliação do Dano e das Descapacidades Pós-trauma em Psiquiatria

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas361-390

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1 Tabela de consulta rápida

O perito não deve deixar-se influenciar pela lesão anatômica, e sim guiar-se pela repercussão funcional das sequelas.

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2 Metodologia geral da avaliação pericial em psiquiatria

O desenvolvimento da perícia psiquiátrica deve ser uma demons-tração clara e ordenada, sem o hermetismo da terminologia psiquiátrica e muito menos da psicanalítica. O perito em dano corporal, temporariamente travestido em perito psiquiatra, deve convencer-se, preliminarmente, que seu Relatório (Laudo) não se destina a médicos, e sim a operadores de Direito, os quais, para aproveitá-lo, deverão comprovar que é legível e compreensível em todas as suas partes.

Isso exige seguir um procedimento padrão e peculiar, que deverá relatar:

• a história pregressa;

• os fatos que levaram à perícia;

• os dados obtidos durante a anamnese;

• os dados resultantes da exploração física;

• os dados revelados pelos exames psicológicos; e

• os dados resultantes das eventuais explorações paraclínicas.

Neste contexto, deverá se atentar para o surgimento de alguns problemas, como:

  1. O primeiro problema para o perito em dano corporal, na perícia psiquiátrica, será o da avaliação da limitação, “invalidez ou descapacidade funcional” ou “fisiológica”, seguindo o esquema em cinco graus, que já foi visto para outros segmentos do corpo ou funções.

  2. O segundo problema será fazer a dissociação entre a invalidez ou limitação funcional (quantificada por uma taxa de descapacidade), da invalidez ou prejuízo profissional, mediante uma série de perguntas:

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    • “Qual era a qualificação prévia do paciente?”

    • “Que profissão exercia?”

    • “Pode reintegrar-se ao exercício de sua profissão anterior?” Se a resposta é positiva:

    - “Em que condições de eficácia e rendimento?” (caso se leve em consideração a descapacidade para a atividade anterior)

    - “Pode trabalhar, ainda?”

    • “Pode ser readaptado?” Se for assim,

    • “Em que tipo de profissão?”.

    Todas estas são questões de difíceis respostas, para quem não tem uma formação adequada.

    Nesse mesmo sentido, é de se verificar que em psiquiatria o problema da reclassificação e reabilitação reveste-se, amiúde, de um caráter muito peculiar, pois se tem mostrado que grandes neuróticos, inclusive psicóticos, podem manter intactas excelentes aptidões intelectuais, em especial no âmbito criativo, tanto artístico como musical.

  3. Um terceiro problema diz respeito à dificuldade na determinação do nexo de causalidade ou relação causa–efeito, entre o dano verificado e um fato gerador de responsabilidade e, consequentemente, de indenização.

  4. O quarto e último problema se refere ao fato de que, como qualquer outro perito, aquele que faz avaliação psiquiátrica é, frequentemente, solicitado para dar seu parecer em relação:

    • ao cabimento da baixa laboral (afastamento do trabalho);

    • à valoração dos sofrimentos experimentados pela vítima do evento traumático – o quantum doloris; e

    • quanto aos prejuízos estéticos, do lazer, sexual etc.

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    Estes parâmetros secundários do prejuízo integram o denominado “dano moral” e variam, conforme o arbítrio do Magistrado. Todavia, ao Perito Médico compete oferecer ao Julgador os elementos técnicos para que possa alicerçar o seu decisum.

    Durante o exame pericial cabe ao perito, no íntimo de sua consciência, apreciar, avaliar, quantificar os prejuízos, os intercâmbios entre ele e os Assistentes Técnicos de ambas as partes, o que às vezes lhe permite melhorar a acuidade de seu diagnóstico e atingir uma melhor avaliação dos diversos prejuízos e satisfazer os interesses resistidos: pois uma das características da boa perícia não é entabular um conflito, e sim alcançar uma conclusão de consenso.

3 A avaliação pericial em psiquiatria
3. 1 A história clínica

A1 perícia psiquiátrica não é, na sua essência, diferente da que um médico clínico faz em matéria de dano corporal, mas dela se distingue por aparentar um aspecto bem mais subjetivo. No mais, segue-se o procedimento geral da propedêutica, sempre com um tom humano, para criar um bom rapport com o paciente, desdramatizando as situações que se apresentem. Aí é que o profissional avaliador do dano corporal deverá coadunar a técnica médica e a arte pericial.

Eis algumas perguntas que nunca poderão faltar na anamnese:

  1. Há quanto tempo apresenta tal queixa? Já apresentou algo parecido antes?

  2. Alguém na família já apresentou quadro semelhante?

  3. Faz uso de drogas ou medicamentos?

  4. Há outra doença clínica ou psiquiátrica concomitante?

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  5. Apresentou traumatismo craniencefálico anterior?

  6. Já foi submetido a internação psiquiátrica?

    As doenças que porventura apresente o examinado formam a verdadeira trama referencial, que levará à quantificação dos diversos prejuízos. A semiologia, exposta pela anamnese, da história clínica e das explorações complementares, de preferência não invasivas, erige-se no alicerce da discussão psicolegal. Os resultados da exploração psicológica, quando efetivada, deverão ser transcritos no prontuário, mas evitando a terminologia hermética e incompreensível da especialidade.

    Da mesma forma que quaisquer outras avaliações, as perícias em psiquiatria comportam diversas fases sucessivas, que cada profissional adaptará à sua sequência personalíssima, dentro da especialidade.

4 O exame psíquico

Nada mais é que uma análise do estado mental do paciente, realizada mediante uma entrevista aberta com o perito. Embora o profissional descreva as funções mentais separadamente, há de se lembrar que por sua própria natureza todas elas são interdependentes e aparecem ao observador todas ao mesmo tempo. Em geral, deve-se fazer uma descrição detalhada dos conteúdos mentais expressos, mas evitando-se qualquer tipo de interpretação teórica.

A sistematização do exame psíquico é facilitada quando se analisam, em sequência, os seguintes itens:

4. 1 Aparência e comportamento

O primeiro contato que o perito tem com o paciente costuma ser de natureza visual, e o mesmo nos fornece informações, como:

• Aparência física (estado geral, nutrição);

• Movimentação (inibição, agitação, inquietação, agressividade, imobilidade);

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• Maneira de se vestir (coloridos das roupas, maquiagem, adereços);

• Expressões não verbais (expressão facial, postura corporal).

A continuidade do exame dos conteúdos mentais será feita mediante a análise do discurso do paciente, quando o perito poderá encontrar elementos característicos das diferentes funções psíquicas. Esses elementos serão capazes de fornecer dados sobre o estado individual de cada função, e ainda sobre o modo como tais funções se articulam entre si.

4. 2 Consciência

O nível de consciência é, sem dúvida, a primeira avaliação exigida para permitir o exame das funções mentais propriamente ditas. Com efeito, a consciência é a designação dada ao estado neurológico do paciente que lhe permite estar mentalmente acordado, atento e vigilante, para manter-se em contato com o mundo ao seu redor. É por isso que, durante o exame psíquico, o exame do nível de consciência precede à análise das demais funções. Em outras palavras e à guisa de exemplo, funções tais como a sensopercepção, o pensamento e a memória só poderão ser avaliadas adequadamente após a constatação de que o paciente tem um estado de consciência claro.

As variações do estado de consciência vão desde o despertar completo até o estado de coma profundo, e para aquilatar esses estados intermediários existem escalas. Uma situação mais completa, entretanto, é a que exibem alguns pacientes que apresentam um aparente estado de alerta e que interagem com o ambiente, mas nos quais referida interação pode mostrar-se inadequada.

O rebaixamento sustentado do nível de consciência, quando o paciente ainda é capaz de interagir, mas quando se observam diversas alterações de algumas funções psíquicas, denomina-se delirium. Tal quadro geralmente implica alterações primárias orgânicas, e não de etiologia psicológica.

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A avaliação mais simples e adequada do nível de consciência é feita, em geral, através de duas funções principais: a atenção e a orientação.

4. 3 Atenção e orientação

Atenção é a capacidade de focalizar a atividade mental sobre o ambiente, coletando, armazenando e processando informações a seu respeito. Denomina-se atenção voluntária, ou capacidade de concentração, a capacidade de, por vontade própria, escolher no ambiente um ponto de interesse e mantê-lo em foco pelo tempo desejado: seria a capacidade de concentração. Em contrapartida, designa-se como atenção espontânea o fato de determinados estímulos ambientes atraírem a atenção, independentemente da vontade da pessoa.

A deficiência da atenção voluntária, com dificuldade de manter-se concentrado em uma conversa, pode encontrar-se em pacientes com rebaixamento de consciência. Em geral, esse tipo de paciente apresenta também uma amplificação da atenção espontânea (cf. supra) e, consequentemente, exibe uma grande distraibilidade, facilitada por estímulos irrelevantes do entorno. O adequado funcionamento da atenção também é fundamental para a orientação do...

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