O aval, o Código Civil e os bancos

AutorWerter R. Faria
Páginas48-65

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1. Regime de bens entre os cônjuges

O art. 1.647, III, do Código Civil proíbe o cônjuge de prestar fiança, bem como aval, sem autorização do outro, "exceto no regime de separação absoluta".1

O art. 1.649 considera anuláveis esses atos quando faltar a autorização do outro cônjuge, e estabelece o prazo de dois anos para a propositura da ação competente, contado do término da sociedade conjugal. O parágrafo único preceitua que a aprovação, por instrumento público ou particular, autenticado, torna válido o ato. O art. 1.650 legitima para o exercício da ação o cônjuge que não concedeu a autorização, ou seus herdeiros.

O art. 1.648 prevê o suprimento judicial da autorização, se o cônjuge a denegar, sem motivo justo, ou for impossível concedê-la.

O art. 1.642, IV, permite que, tanto o marido quanto a mulher, demandem a invalidação do aval por falta de autorização.

Salvo a paridade entre a fiança e o aval, no que se refere à outorga de um dos cônjuges, as disposições do Código Civil constavam do anterior, com pequenas diferenças.2

A sujeição do aval à autorização aconselha a precisar os elementos que o distinguem da fiança. O aval garante o pagamento de um título de crédito. Como assinala Federico Martorano:3

"A expressão 'título de crédito' não designa um tipo concreto determinado: na realidade, não encontramos o 'título de crédito' em estado puro, mas documentos que, enquanto correspondem às características gerais desta categoria jurídica, ao mesmo tempo apresentam traços particulares, que se refletem na adoção de uma terminologia específica (p. ex., letra de câmbio, cheque, conhecimento de transporte, etc.), a qual é a única a ter eficácia individualizadora do próprio documento no plano social.

"A expressão 'título de crédito' indica o produto de uma obra de generalização efetuada pela doutrina, sob o império da precedente codificação, dirigida a individualizar, na disciplina positiva de cada espécie de título de crédito, aqueles aspectos

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que não se relacionavam com as características particulares de um ou de outro tipo de documento, mas que, ao contrário, correspondiam às características comuns a cada um destes, elaborando, assim, um conjunto de princípios jurídicos aplicáveis a toda a categoria."

A Introdução no Código Civil de "Disposições Gerais" concernentes aos títulos de crédito suscita questões de aplicação da lei no tempo. Como denota a expressão "disposições gerais", são normas dirigidas indistintamente a todas as pessoas que praticam atos cambiados, no tocante aos títulos de crédito a que se aplicam. Por exemplo: preenchimento de acordo com os requisitos que a lei enumera.

Porém, outras normas são endereçadas à classe de pessoas que realizam atos cambiados, aos quais se aplicam as leis relativas a determinadas espécies de títulos de crédito (letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata etc). Por exemplo, lançamento do endosso no verso ou anverso do título.4

As normas que dispõem sobre cada tipo de título de crédito são especiais, em comparação com as normas gerais do Código Civil. As normas anteriores à sua entrada em vigor (12 de janeiro de 2002), aplicáveis aos diversos tipos de títulos de crédito, não perderam a vigência. "A disposição geral não revoga especial".

Quando entrou em execução o Código Civil italiano a situação era semelhante à brasileira: não existiam normas gerais aplicáveis aos diversos tipos de títulos de crédito, e as leis uniformes de Genebra aplicavam-se às letras de câmbio e notas promissórias e aos cheques. Por serem leis especiais, ou seja, reguladoras de alguns tipos de títulos de crédito, as normas gerais posteriores do Código Civil não as revogaram.

No ensinamento de Giorgio de Semo,5 as normas gerais são fontes subsidiárias ou de segundo grau, no silêncio de normas especiais cambiadas. Dessas disposições, "algumas representam uma confirmação de normas especiais cambiadas (ex., o art. 1.992 a respeito do adimplemento da prestação) ou, ao mesmo tempo, oferecem um válido subsídio interpretativo (assim o art. 1.993, a respeito das exceções oponíveis pelo devedor ao possuidor do título, em matéria de incapacidade cambiaria, que se pode fazer valer erga omnes, isto é, também perante o terceiro possuidor, e de defeito de representação, também esse opo-nível a qualquer possuidor)".

O art. 1.647, III, do Código Civil proíbe o cônjuge de prestar fiança, bem como aval, sem autorização do outro, exceto no regime de separação. Essa norma pertence às disposições gerais do regime de bens entre os cônjuges. O direito cambiado não possui regras próprias acerca da capacidade para assumir obrigações por atos unilaterais de vontade. A capacidade passiva cambiaria regula-se pelo Código Civil, que exige a autorização da mulher para o marido prestar aval e vice-versa. Foi diferente na vigência do Código anterior. Durante mais de quarenta e cinco anos, a mulher casada considerava-se relativamente incapaz. A alteração introduzida no art. 6º do Código Civil pela Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962, pôs termo à incapacidade relativa das mulheres casadas, que as impedia de se obrigar, exceto com autorização dos maridos, concedida por instrumento público ou particular, ou se exercessem comércio em seus próprios nomes. Desde então puderam contrair obrigações, inclusive cambiadas, pelas quais somente respondiam os bens particulares e os comuns até o limite de suas meações.

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O art. 242, IV, do Código de 1916 proibia a mulher de contrair obrigações, sem autorização do marido, que pudessem importar em alheação de bens do casal. Apesar de extinta a incapacidade relativa, com a revogação do art. 6º, II, as mulheres continuaram dependentes de autorização dos maridos, ou de suprimento judicial para se obrigarem. No caso de suprimento judicial, conforme o art. 245, parágrafo único, os bens próprios dos maridos não respondiam pelo cumprimento das dívidas; no de autorização, de acordo com o disposto no art. 253, respondiam os bens do casal, se o regime matrimonialfosse o da comunhão, e somente os particulares da mulher nos outros, a menos que os maridos se obrigassem conjuntamente.

O art. 1.642, I, do Código Civil dispõe que, em qualquer regime de bens, o marido e a mulher podem praticar livremente todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de suas profissões, com as limitações referentes à alienação e constituição de ônus reais sobre bens imóveis. Entretanto, o ato necessita de autorização do outro cônjuge, ou de suprimento judicial da outorga.

Na forma do art. 1.643, independem de autorização a compra, ainda a crédito, das coisas necessárias à economia doméstica, bem como o empréstimo das quantias indispensáveis para aquele fim. O art. 1.644 institui a solidariedade dos cônjuges pelas dívidas contraídas com esse objetivo. Assim sendo, os bens particulares do marido e da mulher respondem pelo ato.

Não se tratando dessas dívidas, que prescindem de autorização do marido ou da mulher, nem de casamento pelo regime de separação, a alienação ou constituição de ônus reais sobre os bens imóveis, assim como prestação de fiança ou aval, dispensam a autorização de um dos cônjuges.

O art. 253 do Código Civil anterior regulava as conseqüências dos atos praticados pela mulher com autorização do marido: no regime de comunhão, em que se tornam comuns, entre os cônjuges, as suas dívidas passivas, respondiam todos os bens do casal; nos outros, se o marido não assumisse conjuntamente a responsabilidade, somente os particulares da mulher.

O art. 263, X, excluía da comunhão a fiança prestada pelo marido, sem outorga da mulher. De acordo com art. 274, as dívidas contraídas pelo marido, no regime de comunhão parcial, obrigavam, não só os bens comuns, senão ainda, em falta destes, os particulares de um e outro cônjuge, em razão do proveito que cada qual houvesse lucrado.

Em obediência ao princípio de igualdade dos cônjuges, inclusive nas relações econômicas, o art. 3- da Lei 4.121/1962 prescreveu que, pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente respondiam os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação.

Essa disposição estendia a exclusão da comunhão, determinada pelo art. 263, X (fiança prestada pelo marido, sem outorga da mulher), às dívidas de qualquer natureza, constantes de títulos assinados por um só dos cônjuges. Eram destinatários da norma os maridos e as mulheres, qualquer que fosse o regime de bens, e seu objeto, os títulos de dívida de qualquer natureza firmados individualmente por um dos cônjuges. Nessa hipótese, respondiam os bens particulares do devedor e os comuns até o limite de sua meação.6

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O novo Código Civil contém normas sobre as obrigações contraídas por um dos cônjuges, nos quatro regimes matrimoniais (comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos e separação de bens),

No regime de comunhão parcial, excluem-se da comunhão as obrigações anteriores aó casamento e as derivadas de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal (art. 1.659, III e IV). As dívidas contraídas no exercício da administração do patrimônio do casal obrigam os bens comuns e os particulares do cônjuge que os administra, e os do outro, na razão do proveito que houver auferido (art. 1.663, § lº). Os bens da comunhão respondem pelas obrigações assumidas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal (art. 1.664). São de responsabilidade 'do cônjuge a que respeitam as dívidas contraídas na administração de seus bens particulares e em benefício destes (art. 1.666).

No regime de comunhão universal, as dívidas dos cônjuges comunicam-se, com exclusão das anteriores ao casamento, a menos que tenham origem em despesas com...

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