A autonomia privada e a autonomia pública no pensamento de jürgen habermas

AutorLiton Lanes Pilau Sobrinho, Rafael Padilha dos Santos
Páginas15-31
REVISTA DIREITOS CULTURAIS - RDC
v. 8, n. 17. janeiro/abril.2014
pp. 15/31
Página | 15
A AUTONOMIA PRIVADA E A AUTONOMIA PÚBLICA NO
PENSAMENTO DE JÜRGEN HABERMAS
THE PRIVATE AUTONOMY AND THE PUBLIC AUTONOMY WITHIN
JÜRGEN HABERMAS’ THOUGHT
Liton Lanes Pilau Sobrinho1
Rafael Padilha dos Santos2
Resumo: Atendo-se às ideias de Habermas na obra Direito e demo cracia: entre facticidade e validade, constata-
se que o sistema dos direitos contém os direitos que os cidadãos devem outorgar entre si como condição para
uma regulação legítima da sua convivência. Na teoria discursiva de Habermas, a práxis de autonomia política
não pode se desvincular a uma dimensão intersubjetiva, em que o processo legislativo democrático deve auferir
força legitimadora mediante um processo de entendimento entre os cidadãos sobre as regras que devem ordenar
sua convivência. Nessa práxis, no entanto, merece ser esclarecida a conexão problemática entre liberdades
subjetivo-privadas e a autonomia pública. Assim, este te xto, partindo do pensamento de Habermas, buscará
clarear a possibilidade de co mp atibilizar autonomia privada e autonomia pública, em funda men tar o motivo pelo
qual direitos humanos e soberania popular pressupõem-se reciprocamente. Para Habermas o sistema dos direitos
deve resultar de uma co-originariedade da autonomia privada e pública mediante a tradução do modelo da
autolegislação por uma teoria do discurso, ao apregoar que os participantes são, além de destinatários, também
autores de seus direitos.
Palavras-chave: Autonomia privada. Autonomia política. Princípio do discurso. De mo cracia. Jürgen Habermas.
Abstract: Being guided by theideasofHabermason the work“Between F acts and Norms: contributions to a
discourse theory of law and democracy, it appears thatthe systemofrightscontainsrightsthat citizens
shouldgranteach otheras a condition fora legitimateregulation oftheir coexistence.InHabermas'sdiscoursetheory,
praxisof political autonomycannotignorean intersubjectivedimension, where the democraticlegislative
processshouldearnlegitimating forcethrough a proce ss ofunderstanding amongcitizensabout the rules
thatshouldsorttheir coexistence.In thispractice, however, it shouldbe clarifiedthe problematicconnectio n
betweensubjective-private liberties andpublic autonomy.Thus, this text, based on the theory ofHabermas, seek
toclarifythe possibility ofreconcilingprivate autonomyandpublic autonomyinsupport
ofwhyhumanrightsandpopular sovereigntypresupposeeach other. ForHabermas the system of rightsshould
resultin ac ommon origin between private andpublic autonomythroughthe translationof the model ofself-
legislationby atheory of discourse, top roclaimt hat participantsare in addition todestinataries, alsoauthors of
theirrights.
Keywords: Private autonomy. Public autonomy. Principle of discourse. De mo cracy.Jürgen Habermas.
Considerações iniciais
1 Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e M estre em Direito pela
Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta. Professor
dos cursos de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí. Professor da Universidade de Passo Fundo.
2 Mestre em Filosofia pela UFSC. Especialização em processo civil pela UNIVALI e em psicologia social pela
Universidade Estatal de São Petersburgo, na R ússia. É Professor do curso de Direit o da UNIVAL I e está
cursando o doutorado na UNIVALI com dupla titulação com a Università degli Studi di Perugia, na Itália, tendo
realizado doutorado sanduíche na Università degli Studi di Perugia com bolsa CAPES, mediante processo nº
18034-12-8.
REVISTA DIREITOS CULTURAIS - RDC
v. 8, n. 17. janeiro/abril.2014
pp. 15/31
Página | 16
O tema deste artigo versa sobre a interrelação entre soberania do povo e direitos
humanos, e a cooriginariedade da autonomia pública e da autonomia privada, tendo sido
elaborado com base no pensamento de Jürgen Habermas. Adota-se como bibliografia base do
autor a obra Direito e democracia , escrita por Habermas, em primeira instância, não como
uma teoria do direito ou uma teoria da justiça, mas como uma teoria crítica da sociedade.3
Para a teoria do discurso, o direito coercitivo não pode obrigar os cidadãos a
renunciar ao exercício da liberdade comunicativa e deixar de se posicionar diante da pretensão
de legitimidade do direito, ou seja, não pode forçar os cidadãos a renunciar à atitude
performativa em relação ao direito e impor apenas a atitude objetivante de um ator que decide
com base em suas preferências pessoais e mediante um cálculo de utilidade. Desse modo, a
teoria discursiva habermasiana reconstrói um novo sistema de direitos baseado na associação
de cidadãos que elaboram o direito positivo para assim legitimá-lo, revelando através do
princípio da soberania popular um vínculo interior entre autonomia privada e autonomia
pública. Habermas assim situa o princípio da democracia como cerne de um sistema de
direitos, entendendo que o processo democrático, ao mesmo tempo em que se relaciona com
liberdades subjetivas, também implica o procedimento de legitimação mediante igual
participação dos cidadãos.
1 A relação do direito com o mundo da vida e os sistemas
A teoria da ação comunicativa de Habermas diferencia entre um mundo da vida
vinculado ao medium da linguagem coloquial não especializada e os sistemas regidos por
códigos especiais com discursos especializados, a exemplo da economia e da política. Essa
teoria não atribui aos discursos especializados um status superior na resolução de problemas
em comparação à linguagem coloquial. Habermas4 compara a linguagem coloquial à mão para
explicar sua qualidade de multifuncionalidade, ou seja, assim como a mão pode desempenhar
as mais diferentes funções seja escrever, seja edificar uma casa etc. , a linguagem ordinária
tem uma capacidade de interpretação vastíssima e um âmbito de circulação amplo, nas
palavras de Habermas: “ela é naturalmente poliglota, não havendo necessidade de pagar o
preço da especialização ou seja, ficar surda aos problemas formulados numa linguagem
estranha.”5 Assim, a linguagem coloquial é mais aberta aos problemas da sociedade global e,
enquanto meio para definição e formulação de problemas, não está condicionada a um único
código. Considerando a qualidade multifuncional da linguagem coloquial, a especificação
funcional do mundo da vida é realizada de modo que os três componentes do mundo da vida
3 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 2. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 194.
4Idem. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 1. 2. ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio d e
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 81.
5 Idem, Ibidem.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT