Autogoverno, Regulação, Função Normativa e Independência Interna no Judiciário

AutorAndré Melo Gomes Pereira
CargoProfessor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Páginas1-46
Autogoverno, Regulação, Função Normativa e Independência Interna no Judiciário (p. 1-46)
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PEREIRA, A. M. G.
Autogoverno, Regulação, Função Normativa e Independência Interna no Judiciário
.
Revista
de Direito Setorial e Regulatório
, Brasília, v. 2, n. 2, p. 1-46, outubro 2016.
Autogoverno, Regulação, Função Normativa e Independência Interna
no Judiciário
Self-Government, Regulatory Power and Judicial Independence
Submetido(
submitted
): 29/02/2016
André Melo Gomes Pereira*
Parecer(
revised
): /09/2016
Aceito(
accepted
): 19/09/2016
Resumo
Propósito
Centra-se na relação entre a função normativa exercida, muitas vezes por
meio de comandos gerais e abstratos, por órgãos com funções de autogoverno, de
regulação no âmbito do Poder Judiciário, e a independência interna dos juízes.
Metodologia/abordagem/de sign
Análise de normas e literatura sobre regulação,
função normativa, autogoverno e independência judicial . Ilustrativamente foram trazidas
decisões judiciais e casos concretos. Foi conferida atenção à fundamentação teórica da
regulação, da função normativa dos órgãos reguladores e à proposta de democratização
do autogoverno do Judiciário, notadamente o modelo proposto por Zaffaroni.
Resultados
Autogoverno implica regulação. Regulação implica o exercício de função
normativa. Visualiza-se a democratização interna do autogoverno do Judiciário, com a
participação de todos os agentes regulados dotados de independência, como instrumental
necessário para garantir independência interna e legitimidade ao exercício da função
normativa, e a toda atividade de regulação pelos órgãos de autogoverno.
Implicações práticas
Discutir alteração no desenho institucional de autogoverno no
Judiciário e os limites à função normativa.
Originalidade/relevância do texto
Relacionar o exercício da função normativa pelos
órgãos de autogoverno com a garantia de independência interna dos juízes.
Palavras-chave: regulação, função normativa, autogoverno do Judiciário, independência
interna dos juízes.
Abstract
Purpose
This paper focuses on the relationship between the performed normative
function and the judges’ internal independence, often by gen eral and abstract commands,
for self-government agencies with regulation functions in the Judiciary.
Methodology/approach/design
This s tudy implements a nalyses of standards and
regulation literature, normative function, self-government and judicial independence.
Illustratively, courts’ decisions on specific cases were analyzed. Special attention was
given to the theoretical bases of regulation, the normative function of government
agencies and to the democratization proposal of judicial self-government, a model
notedly proposed by Zaffaroni.
*
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Direito
Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Juiz de Direito Titular de 3ª Entrância do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN. Email:
cabocodosertao@hotmail.com.
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PEREIRA, A. M. G.
Autogoverno, Regulação, Função Normativa e Independência Interna no Judiciário
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Revista
de Direito Setorial e Regulatório
, Brasília, v. 2, n. 2, p. 1-46, outubro 2016.
Findings
Self-government implies r egulation. Regulation involves the exercise of
normative function. Internal democratization of judicial self-government and
participation of all regulated agents in the Judiciary are n ecessary tools to ensure
legitimacy and the internal independence for the exercise of normative functions and the
whole set of activities put forward by self-government agencies.
Practical implications
The paper discusses a change in the institutional design of self-
government in the Judiciary and the limits imposed by its the normative function.
Originality/value
It correlates the regulatory function developed by self-government
agencies with the assurance of judges’ internal independence.
Keywords: regulation, normative function, Judiciary self-government, Jud iciary's
internal independence.
Introdução
O tema sobre que versa o presente artigo centra-se na relação entre a
função normativa exercida, muitas vezes por meio de elaboração de comandos
gerais e abstratos, por órgãos com funções administrativas de regulação no
âmbito do Poder Judiciário e a independência externa e interna dos juízes.
Esse aspecto obteve maior visibilidade a partir da criação, instalação e
funcionamento do Conselho Nacional de Justiça por meio da Emenda
Constitucional nº 45/2004. Contudo, como será demonstrado, essa função
normativa já era exercida antes da existência do Conselho Nacional de Justiça
tanto por meio de regimentos internos dos tribunais, resoluções aprovadas em
sessões administrativas pelos órgãos plenários dos tribunais, como por meio de
provimentos e atos semelhantes de Corregedorias e do Conselho da Justiça
Federal, por exemplo.
Os debates sobre as possibilidades, funções e limites dessa atividade
normativa têm, em grande parte, sido restritos à antiga discussão sobre poder
regulamentar no Brasil, invocando-se o princípio da legalidade como limite, a
impossibilidade de regulamentos autônomos ou independentes no direito
brasileiro com exceção das hipóteses previstas no art. 84 da Constituição da
República, ou o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória
nº 12 que reconheceu poder normativo primário ao Conselho Nacional de
Justiça.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), considerando-se como partícipe
do autogoverno do Poder Judiciário, inegavelmente vem desenvolvendo
atividades empiricamente verificáveis e com efeitos concretos na administração
da justiça. Como instrumento quantitativamente e qualitativamente presente
estão os diversos atos normativos editados, notadamente mais de duas centenas
de Resoluções pelo seu órgão plenário que se dirigem a outros entes que não ao
próprio CNJ. A análise dessa realidade normativa, portanto, apresenta-se
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, Brasília, v. 2, n. 2, p. 1-46, outubro 2016.
relevante e fundamental para compreensão da função, possibilidades e limites de
atuação do CNJ.
Apesar desse cenário, apresenta-se praticamente inexistente debate
teórico que relacione essa realidade de produção normativa com a atividade de
regulação exercida por órgãos de autogoverno do Poder Judiciário. Ausente
claramente a perspectiva de que a parcela de autogoverno do Poder Judiciário
que foi conferida ao Conselho Nacional de Justiça o erigiu órgão regulador do
Judiciário brasileiro, com claras funções de planejamento e de acompanhamento
conjuntural da realidade de atuação do Judiciário. Em outras palavras, com
função clara de regulação. O Poder Legislativo, por meio da Emenda
Constitucional 45/2004, claramente pontuou a necessidade desse
acompanhamento e de que o autogoverno disperso totalmente em diversas
cúpulas nos mais de 90 (noventa) tribunais do país não vinha sendo exercido a
contento.
Igualmente inexistentes análises mais densas sobre os limites internos de
exercício do autogoverno do Judiciário para que não seja vulnerada a própria
independência dos órgãos jurisdicionais, razão da independência institucional
conferida constitucionalmente em 1988. Esse aspecto merece atenção em razão
de os que exercem a função jurisdicional guardarem diferenciações em relação a
diversos sujeitos privados cujas atividades são reguladas por agências
reguladoras. Diferenciações consistentes na independência funcional. Por essa
razão, será necessário detalhar o desenho institucional do autogoverno do Poder
Judiciário no Brasil.
Feitos esses delineamentos, defende-se a hipótese de ser essencial para
legitimidade e compatibilidade constitucional da função normativa exercida
pelos órgãos de governança do Poder Judiciário no Brasil a readequação do
desenho institucional de autogoverno no sentido da democratização interna e
transparência de todos os atos, segundo o referencial teórico de ZAFFARONI
(1995).
Com os objetivos propostos, o artigo terá a seguinte estrutura.
Inicialmente, será analisada a temática da regulação, sob a ótica do
Estado Regulador, bem como a função normativa ancorada na regulação.
Pretende-se demonstrar a íntima relação entre atividade reguladora e função
normativa e suas possibilidades no sistema jurídico brasileiro.
O item segundo será dedicado ao desenho institucional do Poder
Judiciário brasileiro na Constituição da República de 1988, destacando-se a
conformação do autogoverno e sua relação com a independência do Poder
Judiciário e dos juízes. Será utilizado como referencial teórico o pensamento de
Eugenio Raul Zaffaroni sobre as funções do Poder Judiciário, modelos e
compatibilidade com o Estado Democrático de Direito.

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