O atuar pedófilo - crime individual ou organização criminosa? - Pedophilian act - individual crime or criminal organization?

AutorRicardo Breier
CargoProfessor de Direito Penal na Feevale/RS, Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, Espanha, e Advogado Criminal.

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Pedro Franco de Campos e Fábio Ramazzini Bechara

O atuar pedófilo – crime individual ou organização criminosa

NOTAS

1“É indispensabile cje la compressione del diritto di difesa trovi um adeguato bilanciamento nel proseguimento di finalità e di valori di eguale importanza.”

[1] Diz a autora que “il diritto di difesa pottrà subire lê limitazioni derivanti deel´impiego della teleconferenza solo quando tale strumento si riveli indispensabile per tutelare esigenze ritenute prevalenti dal legislatore”. Às fls. 50 conclui “che l´efficienza Del processo è tutelata in quanto enucleabile daí principi costituzionali che regolano la funzione giurisdizionale, potendo dunque costituire uno degli interessi da bilanciare com altri valori costituzionalmente protetti.”

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de abusos sexuais de características pedófilas, mas a fomentação de redes organizadas de pedofilia. Nesse último ponto, estudiosos da matéria as definem como uma verdadeira organização criminosa, que não visam somente ao prazer sexual pela prática ostensiva mas também ao lucro econômico com o material pornográfico produzido com a participação de crianças que variam de 1 a 12 anos de idade.

O tema começa a ser discutido em nível jurídico-penal no Brasil. Alguns artigos limitam-se a analisar a definição de pedofilia unicamente pelo seu autor, sem entrar no mérito de sua conseqüência, que ultrapassa o distúrbio psiquiátrico do pedófilo (ALMEIDA, 2004, p. 3; MORAES, 2004, p. 3; FURLANETO NETO, 2004, p. 6-7).

Devemos ter a consciência de que essa discussão não pode limitar-se apenas a critérios definitórios. As redes de pedofilia são uma realidade que está a questionar se as figuras penais já existentes no Código Penal (CP) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n. 8.069/90) bastam para a repressão e prevenção desse tipo de conduta. Creio que, se continuarmos a limitar o tema no enfoque individual, subtraindo a realidade das organizações criminosas de atuação internacional que operam um infinito mundo de imagens e produções sexuais envolvendo crianças, chegaremos à conclusão, já noticiada por Alberto Silva Franco (1994, p. 5), de que, sem o aperfeiçoamento das instituições (Polícia, Ministério Público e Judiciário), as normas penais estão fadadas a serem meras figuras punitivas de sentidos simbólicos1.

Diante dessa realidade, procurarei demonstrar que o atuar pedófilo não é apenas um processo de repercussões individuais (autor – vítima), mas um processo de redes de cooperação com métodos específicos e de conseqüências imagináveis que, por meio do desejo sexual insano, vem a ser igualmente um agir lucrativamente econômico, sem limites para com suas vítimas em potencial: as crianças.

1. REDES PEDÓFILAS E A FORMA DE ATUAÇÃO

Os casos registrados pelo mundo sobre as atividades das redes de pedofilia confirmam que suas ações possuem uma dimensão muito maior do que apenas a lesão da liberdade sexual. Estatísticas evidenciam outras lesões, como: seqüestro, constrangimento ilegal, associação criminosa, lavagem de dinheiro e homicídios.

Sob esse viés, faz-se necessário um estudo de maior amplitude técnico-penal do que apenas divulgar o problema pelo comportamento individual de traços psíquicos2.

Os relatórios do 2.º Congresso Mundial contra Exploração Sexual Comercial de Crianças de Yokohama, no Japão, no final de 20013, expressam esse novo tipo de crime organizado.

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As conclusões revelaram que as redes de pedofilia ultrapassam os limites territoriais de qualquer legislação penal. O meio mais utilizado por essas redes é a Internet. Imagens divulgadas apresentam crianças em atos de plena atividade sexual.

Para fins de ilustração e análise penal, descreverei, sucintamente, casos relatados nesse e noutros atuais encontros acadêmicos, os quais sedimentam esse trágico problema mundial.

1.1. CASO CATHEDRAL

O nome Cathedral nasce de uma operação que teve sua origem na Califórnia (EUA), realizada pela polícia americana. Partindo de uma investigação isolada de abuso sexual, descobriu-se uma centena de envolvidos (agentes e vítimas), ou seja, uma rede de pedofilia.

O caso parte de um encontro de duas crianças de aproximadamente 10 anos, colegas de escola, no qual uma delas recebe a outra em sua casa. Durante essa visita, o pai fica a sós com a colega de sua filha em um quarto e, por meio de um sistema de câmara Webcam (responsável por filmagem em tempo real), registra cenas de abusos sexuais por ele mesmo infligidos à menina. Esses abusos eram transmitidos para aqueles que estavam conectados em um site específico para esse fim. Por ser em tempo real, o abusador recebia instruções dos internautas conectados do que deveria fazer para satisfazer seus impulsos sexuais perversos. As imagens produzidas eram vendidas por meio do site Orchid Club, gerando para seus administradores um incalculável lucro financeiro. Com a descoberta, o responsável pelos abusos foi condenado a uma pena de 100 anos de prisão, com a apreensão de um vasto material pedófilo e o testemunho das próprias vítimas.

1.2. CASO WONDERWORLD (MUNDO MARAVILHOSO)

Na seqüência da investigação policial a respeito do caso Cathedral, foram identificados, no sistema de informática do abusador, outros sites de clubes pedófilos, entre eles, o mais assustador em matéria de vítimas até então conhecido: o Wonderland Club. A rede era organizada por meio de processos hierárquicos de administração e possuía desde um diretor-geral até secretários, com regras específicas para o ingresso de novos sócios. Constatou-se que o acesso à organização era altamente restrito, com inúmeros códigos de acesso para o ingresso na rede.

Segundo os relatórios, muitas das informações decodificadas pelos especialistas em informática da polícia americana não foram identificadas, devido ao alto grau de segurança do site.

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Do que pôde ser visualizado e decodificado, revelou-se um arsenal de imagens de abusos sexuais com mais de 1.267 crianças diferentes, num total de 758 imagens e 1.860 horas de filmagens. As crianças eram segregadas em um local da organização, de onde eram projetadas as imagens divulgadas pela rede internacional de computadores, a valores econômicos extremamente lucrativos.

Desses dois casos noticiados, que seguramente representam um alcance mínimo de conhecimento dessas organizações, extrai-se que tais associações trazem como atividade o próprio tráfico de crianças, além da utilização delas na produção, exibição, divulgação e venda do material pornográfico.

O método utilizado para recrutar as vítimas segue um rito específico pelas organizações. O primeiro ato é selecionar o tipo de crianças, de acordo com o interesse da organização. A rede contrata pessoas que servem especificamente para observar crianças em diversos locais (escolas, parques de diversão, centros de lazer, áreas de comércio etc.) e, após identificá-las, opera-se um seqüestro, na maioria dos casos. A polícia os define como angariadores. Esses agentes entregam as crianças seqüestradas para as organizações em troca de vultosas somas de dinheiro.

Na seqüência, as crianças são levadas a lugares distantes de sua origem, como forma de complicar a investigação da polícia local. A tutela dessas crianças dá-se pela figura de um monitor que, em troca por oferecer cativeiros ou locais seguros, tem a oportunidade de abusar sexualmente das crianças, além de poder receber lucros financeiros.

1.3. CASO TINY AMERICAN GIRLS (PEQUENAS MENINAS AMERICANAS)

Trata-se de uma coleção de fotos de poses pornográficas envolvendo meninas, nuas, entre 10 e 12 anos de idade. A peculiaridade estaria na forma de tais produções fotográficas. Eram produzidas num cenário rural, cercado por matas e rios. As fotos focavam, na maioria dos casos, a genitália das crianças. O autor dessas produções pornográficas foi detido no Uruguai. Conhecido mundialmente como Milton X (ou, pela mídia, como “el artista”), estava sendo procurado pelo FBI acusado de exploração sexual, remessa interestadual e importação de pornografia infantil.

A ação de Milton X consistia em fotografar as crianças sob prévia licença dos pais, os quais assinavam os contratos apenas com a permissão de produzir fotos artísticas. Normalmente, os pais não acompanhavam seus filhos em tais sessões. O mais curioso foi que as imputações dos abusos sexuais não foram apuradas por meio de denúncias das vítimas, mas, sim, por uma investigação realizada pela Interpol acessando o site Tiny American Girls. Informações preliminares confirmaram o comércio de mais de 2.000 fotos pornográficas envolvendo crianças.

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Mesmo com a prisão de Milton X, a rede de pedofilia continuou a comercializar seu material pornográfico pela Internet, e alguns fotógrafos foram detidos no ano de 2000 pela justiça de Maryland.

1.4. OUTROS CASOS

A Europol, instituição que agrega as polícias da União Européia, em 26 de fevereiro de 2005, realizou uma megaoperação, que culminou na identificação de sites e de redes organizadas de pedofilia envolvendo mais de 10 países, inclusive fora da Europa.

Batizada de operação Odysseus, os investigadores agiram conjunta e simultaneamente em mais de 40 lugares, dentro de países como Bélgica, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Espanha, Suécia, Noruega, Austrália, Peru e Canadá. Várias pessoas foram detidas e o mais impressionante...

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