Atuação do Poder Judiciário nas Internações Compulsórias de Dependentes Químicos

AutorWanderlei José dos Reis
CargoMestre em Direito Constitucional. Doutor e pós-doutor em Direito. Juiz Titular da 1a Vara Especializada de Família e Sucessões (46a Zona Eleitoral em Rondonópolis-MT)
Páginas18-21

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I Considerações iniciais

Tal qual o consumo de drogas lícitas como a bebida alcoólica e o ci-garro, o uso de drogas ilícitas foi considerado uma patologia psíquica, sendo inclusive catalogada na Classificação Internacional de Doenças (CID - 10/F19), tendo em vista que subtrai do adicto a capacidade de escolher entre con-tinuar, ou não, usando a substância entorpecente, colocando-o em si-tuação de total dependência física e psicológica.

O que se tem hoje veiculado pela mídia, infelizmente, é a pro-liferação das chamadas "cracolândias" (locais em que viciados em crack compram e consomem dro-gas). Nestes pontos, assim como em outros, pessoas de todas as idades consomem drogas em ple-na luz do dia em condições degradantes, deixando de lado a família, trabalho, amigos e até a própria dignidade, sendo vistos por parte da sociedade como indigentes ou irrecuperáveis.

Em muitos casos, o dependente químico, em que pese demons-trar interesse em se submeter a um tratamento para desintoxicação e reabilitação, encontra óbices de ordem física ou psicológica para abandonar o vício, haja vista o alto grau de dependência com relação às substâncias psicotrópicas, ou, em alguns casos, a falta de apoio até mesmo da própria família.

Por outro lado, a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, intitulada de "constituição cida-dã" pelo fato de trazer em seu bojo uma série de direitos e garantias individuais do cidadão em face do Estado - o que não poderia ser diferente, ante o momento do constitucionalismo em que foi editada, bem como em razão do momento histórico nacional vivido naque-la oportunidade, época em que se deixou um regime totalitário para adentrar numa democracia -, estatui, em seus arts. 196 e 227, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, situando-se referida previsão no rol de direitos sociais, segundo prevê o art. 6º, também da lei maior.

Portanto, no que diz respeito à saúde mental, o poder público - leia-se União, estados, Distrito Federal e municípios - deve dis-pensar a ela ainda mais atenção, visto que os transtornos mentais impedem a pessoa enferma de gerir a sua vida ou, em casos mais graves, podem fazer com que o en-fermo mental atente contra a pró-pria vida ou de terceiros, obstando assim o seu convívio harmonioso junto à família e à sociedade.

Neste contexto, o uso des-controlado de drogas ilícitas, que também pode causar distúrbios psicológicos graves, tem sido combatido pelo poder público por meio de políticas públicas e medidas interdisciplinares no intuito de conscientizar os cidadãos dos efei-

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tos nefastos provenientes do con-sumo de substâncias psicotrópicas, pautando-se, desta forma, pela estratégia preventiva.

No entanto, há casos em que os recursos extra-hospitalares não têm sido suficientes, ora pela resistência do toxicômano, ora pelo alto grau do transtorno mental, circunstâncias estas que limitam a sua visão sobre o que é melhor para si, exigindo do Estado, com a participação do Poder Judiciário, a adoção de medidas incisivas, com o fito de assegurar a dignidade do paciente e a sua posterior reinser-ção social, bem como a segurança de todos que o rodeiam no seu convívio social.

Assim, o legislador editou a Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, prevendo, en-tre outras medidas, as internações compulsórias, objeto do presente estudo.

II Análise do tema

O problema das drogas - uma questão de segurança e saúde pública - afiige a sociedade brasi-leira de maneira geral, na medida em que reduz sensivelmente o discernimento dos usuários - tanto homens quanto mulheres, jovens ou adultos, pobres ou abastados -, podendo desencadear problemas graves de ordem mental e a prática de pequenos delitos ou até crimes graves, atitudes tomadas pelo adicto com o objetivo de sustentar o vício, representando assim pe-rigo para o próprio toxicômano e para terceiros. Nesses casos, o dependente de substâncias entorpecentes não tem condições de decidir o que é melhor para si, tornando-se um ser incapaz, abjeto e estigmatizado pela sociedade, perdendo então a sua dignidade, seus valores e, por vezes, até a própria vida.

Com relação à internação...

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