Atleta: Definição, Classificação e Deveres

AutorRicardo Georges Affonso Miguel
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho do TRT da 1a Região, titular da 13a Vara do Trabalho do Rio de Janeiro
Páginas145-152

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Ver nota 1

1. Introdução

A Lei n. 9.615/1998, Lei Pelé, regulamenta o desporto no Brasil e prevê que os atletas profissionais tenham tratamento trabalhista, vale dizer, a relação empregatícia entre a entidade desportiva e o atleta profissional se constitui por contrato especial de trabalho desportivo, sendo o vínculo desportivo acessório ao vínculo empregatício.

Desde a Constituição de 1988 até o advento da Lei n. 12.395/2011, que alterou a Lei Pelé, apenas os atletas de futebol eram considerados como atletas profissionais. Entretanto, pelo disposto no § 3º, do art. 28-A, é possível entender que qualquer modalidade esportiva coletiva atualmente será tratada como profissional, desde que praticada na forma dos arts. 26, 27 e 28 da Lei n. 9.615/1998.

Por outro lado, o art. 1º dessa lei trata da abrangência do desporto no Brasil em práticas formais e não formais e o art. 3º classifica as formas de desporto, enquanto o seu parágrafo único classifica a subdivisão do desporto de rendimento.

Uma vez que apenas o atleta profissional é considerado empregado, nosso escopo é saber o exato alcance da lei Pelé nos seus aspectos justrabalhistas e estabelecer o eventual alcance da competência da Justiça do Trabalho para atletas não profissionais.

Para tanto, é necessário abordar a definição do que vem a ser o atleta, sua classificação e, por conseguinte, seus deveres na qualidade de empregado ou não.

2. Atleta: definição

A legislação em vigor acerca da prática do esporte não define atleta. Atualmente a língua portuguesa não distingue o atleta da figura do desportista. Na verdade, são tratados como sinônimos, inclusive na legislação.

Contudo, particularmente entendemos haver distinção entre estas figuras, tendo o atleta uma conceituação mais profissional que o desportista. Para nós, desportista é o indivíduo que pratica exercícios físicos com conotação de divertimento saúde e lazer.

Já atleta, que vem do grego athletes, e está relacionado aos lutadores que combatiam em jogos oficiais, portanto com o ânimo de competição. Assim, exemplificativamente, aquele que pratica corrida, inscreve-se em maratonas e outras corridas de rua, mas nada recebe por isso, ao contrário, paga a sua inscrição e todos os seus gastos, é apenas um desportista, ainda que tenha rendimento similar ao de atletas. Logo, a diferenciação do atleta do desportista é didática do ponto de vista da prática do esporte de diversas formas e incentivos por cada uma delas recebido.

O art. 3º da Lei n. 9.615/1998 dispõe:

Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitan do-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

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Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

II - de modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o re cebimento de incentivos materiais e de patrocínio.

A própria lei tratou de diferenciar as situações de prática do desporto, sendo que, considerando a distinção que propusemos acima, podemos entender que para as modalidades de desporto educacional e de participação o indivíduo que as desempenha é, na verdade, o desportista, enquanto que no caso do desporto de rendimento, quem o pratica é o atleta, razão pela qual é possível afirmar que todo atleta é um desportista, mas nem todo desportista é atleta.2

Obviamente que do desporto educacional e de participação muitas vezes saem os verdadeiros atletas campeões. Aliás, é isso que se espera e nisso que se deve investir para sermos um país de sucesso no cenário mundial esportivo.

Atleta é o indivíduo que pratica desporto de rendimento, isto é, aquele praticado na busca de resultados e integração de pessoas e nações, com observância das legislações nacionais e internacionais, nos termos do inciso III, do art. 3º da Lei Pelé.

Nem sempre os atletas profissionais foram vistos como trabalhadores, tendo isso ocorrido por várias razões, dentre as quais o fato de que a prática do esporte sempre teve uma conotação lúdica, além da complexa evolução do amadorismo ao profissionalismo. Alie-se a isso, o fato de os atletas poderem ser celebridades e despertar paixões e no momento seguinte caírem no ostracismo ou gerar o sentimento de ódio em alguns. 3 Tal é muito comum no contexto do futebol, especificamente. Aliás, a prática de qualquer esporte, de forma profissional ou amadora, até hoje carrega o estigma de ser um divertimento, sendo comum ouvirmos as pessoas dizerem em relação aos atletas do voleibol de praia, por exemplo, que invejam o trabalho deles dado a forma e local da prestação dos serviços. Apenas se esquecem de que além do treino no dia de sol, há o treino no frio, chuva, os treinos complementares nas academias, a alimentação e sono regrados, além de outras limitações. O trabalho não se resume no prazer do jogo apenas.

Do mesmo modo, o estrelato atingido por uma minoria de atletas, principalmente os jogadores de futebol, com remunerações milionárias, camufla a real condição do esporte profissional, e faz com que muitos dirigentes não vejam estes profissionais como tal, mantendo-os vinculados a associações sem fins lucrativos.4

Neste contexto, várias teorias foram cogitadas para explicar o trabalho do atleta, seja de natureza civil, seja um trabalho autônomo. Porém, sagrou-se vitoriosa a tese consagrada na Lei Pelé de contrato especial desportivo, portanto, de relação empregatícia para o atleta profissional.

Já para o atleta amador, hoje denominado não profissional, este só não é chamado de profissional porque a lei não o trata assim para efeitos do reconhecimento da relação de emprego, salvo algumas decisões da Justiça do Trabalho. De toda sorte, o importante na conceituação de atleta que acrescentamos à definição acima, é que este pode ser profissional ou amador, mas deve viver do esporte, daí tirar o seu sustento, seja por meio de contrato especial de trabalho desportivo, seja por incentivo de bolsas e patrocínios.

A legislação italiana também optou por reconhecer como subordinada a relação de trabalho dos atletas, sendo contrato autônomo apenas aquele desenvolvido em curtos períodos (máximo de oito horas por semana ou cinco dias no mês ou trinta por ano), sem treinos ou preparação, sem vinculação contratual.5

3. Atleta: classificação

Como já dito acima, o art. 1º da Lei n. 9.615/1998 diz que o desporto brasileiro abrange práticas formais e não formais, sendo a primeira regulamentada na forma do § 1º do mesmo artigo, e a segunda caracterizada pela prática lúdica do desporto, conforme disposto no § 2º do mesmo dispositivo.

A primeira divisão de classificação com que nos deparamos na prática do esporte é se a mesma é formal ou não.

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Para o desporto de rendimento a classificação está adstrita ao parágrafo único do art. 3º da lei, que divide a prática do desporto de rendimento como sendo de modo profissional (com remuneração e contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva), e de modo não profissional (com liberdade de prática, sem contrato formal de trabalho, mas permitido o recebimento de incentivos materiais e patrocínio).

A partir daí temos a classificação do atleta como profissional e não profissional ou amador. Além disso, conforme o § 4º, do art. 29 da Lei n. 9.615/1998, há o atleta não profissional em formação, que é o maior de 14 e menor de 20 anos de idade, que pode receber auxílio financeiro na forma de bolsa aprendizagem, estipulada em contrato formal, mas sem relação de emprego.

A Constituição da República Federativa do Brasil no art. 217, III prevê a diferenciação de tratamento para o desporto profissional e não profissional, bem como a autonomia administrativa e a liberdade de associação também ali previstas demonstram a diferenciação na faculdade de adoção da forma jurídica de associação ou sociedade para as entidades desportivas, gerando assim direitos diferenciados para cada uma delas. Disso emana o que Álvaro Melo Filho chama de Princípio da Diferenciação Desportiva.6

Mas nem sempre foi assim. Antes do advento da Constituição de 1988 vigorava o Decreto Federal n. 80.228/1977, cujo art. 69 dizia serem esportes profissionais não só o futebol, mas também o tênis, motociclismo, golfe e automobilismo, o que mostra o intuito do legislador de sempre manter o tratamento diferenciado entre profissionais e amadores.7

Curioso, contudo, é observar que hoje apenas o futebol tem tratamento profissional e que o fato de a modalidade esportiva ser individual ou coletiva não fazia diferença para sua...

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