Ativismo Judicial: Qual o Limite do Poder Judiciário?

AutorLeonardo Alves de Oliveira
CargoServidor Público Estadual do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Constitucional
Páginas24-28

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1. Introdução

O homem é um ser dinâmico e em constante desenvolvimento, estando em diuturna inteiração com tudo que o cerca. Assim, desenvolve-se e evolui, de modo que seus valores e ideais vão se alterando com o gradativo transcurso do tempo.

O direito, por outro lado, sistema de normas de conduta criado e imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais, é estático, estancado, sendo que evolui lentamente, buscando acompanhar o progresso do homem.

Dito isso, é correto afirmar que o direito está sempre alguns passos atrás da evolução da sociedade, já que mister se faz aguardar o desenvolvimento desta para que o legislador possa avaliar em quais pontos e por que deverá atuar, ou, se for o caso, verificar se deverá modificar uma norma já anteriormente posta para se amoldar à eventual nova re-alidade.

Contudo, hodiernamente, no cenário pátrio, resta evidente que as atividades política e legislativa não são desempenhadas com o devido e necessário esmero. É de se des-tacar, à guisa de exemplificação, que a Constituição Federal prevê que a existência do direito de greve ao servidor público federal1, bem como a existência do imposto sobre grandes fortunas2, deixando a cargo do legislador a regulamentação destes temas, contudo, passados 28 anos do advento da carta política brasileira, o legislador infraconstitucional ainda não disciplinou as aludidas matérias.

Diante desse contexto, no âmago do Poder Judiciário - atento aos clamores sociais e demandas que batem à sua porta -, ganha força um movimento denominado de ativismo judicial, tema de extrema relevância para sociedade contemporânea e pano de fundo de inúmeras discussões, já que divisor de opiniões, possuindo adeptos e opositores.

Assim, com o fito de trazer a lume esclarecimentos sobre o tema em apreço, sob o prisma de uma visão constitucionalista do direito, apresenta-se este trabalho científico, no afã de melhor compreender o ativismo judicial, seu surgimento, como e por que ocorre, para, ao final, buscar vislumbrar quais são os limites do Poder Judiciário em sua atitude interpretativa e jurisdicional ativista.

2. Desenvolvimento e análise do tema

O direito é um produto da política. Portanto, no mundo real a autonomia que se outorga ao direito é apenas relativa, haja vista que a criação do direito se dá pelo processo constituinte, atividade eminentemente legislativa, ou seja, a criação do direito emana da vontade da maioria, se originando da própria política. O direito legitima e limita o exercício do poder político3.

A atividade corriqueira do Judiciário não causa controvérsias. Entretanto, por exemplo, ao se

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declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional, o Judiciário está a dizer que a própria atividade política criadora do direito - realizada pelo Executivo e pelo Legislativo - foi equivocada, mal feita. Isto quer dizer que a atividade do julgador, por ter a última palavra interpretativa e jurisdicional, produz decisões que interferem diretamente nos demais poderes.

Julgar, atribuição de interpretar e aplicar o direito, faz com que os juízes estejam vinculados em suas decisões a tão somente dizer o direito posto, aplicar no caso concreto o produto da política emanado do constituinte ou do legislador, o direito. Assim, aos juízes, em regra, não caberia inventar, inovar. Em regra, pois na prática, em certos momentos tal conduta se faz imprescindível. É a origem do ativismo judicial.

Aos juízes é conferida a atividade de aplicação das leis aos casos concretos, sempre com os olhos voltados à guarda da Constituição, porém, no constitucionalismo contemporâneo, suas atribuições vão muito além, devendo perseguir incansavelmente a democracia, a concretização dos direitos fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa humana4.

2. 1 Breve escorço evolucionista e a consequente judicialização

Pode-se asseverar, sem embaraço, que a evolução do direito constitucional foi a responsável pelo crescimento da judicialização, especialmente a partir do 1º pós-guerra mundial. Com o advento da Constituição do México (1917) e da Constituição alemã (1919) surgiu o ideal que se convencionou chamar de estado social de direito, ou socialização do direito, modelo que se pauta pela busca do welfare state, amparando-se o trabalho e a família, incrementando-se a cultura e desenvolvendo-se a assistência social5, isto é, o Estado é chamado a intervir em esferas até então dei-xadas à liberdade individual.

Pari passu, guardadas as devidas proporções temporais, surge e evolui o movimento de constitucionalismo contemporâneo denominado neoconstitucionalismo, ou pós-positivismo, cuja ideologia se pauta não somente na limitação do poder político ou incremento dos direitos sociais, tendo por principal escopo a garantia da eficácia do tex-to magno, a concretização os direitos fundamentais6. Neste cenário, o direito constitucional migra para o centro do ordenamento jurídico, o pergaminho político ganha força normativa e suprema, assim como seus princípios (de conceituação aberta, ampla e abstrata) passam a irradiar efeitos e permear todos os demais ramos da ciência do direito, que têm suas normas reinterpreta-das à luz do direito constitucional e da dignidade da pessoa humana. Tal realidade se pode constatar em constituições contemporâneas, como a italiana (1948), alemã (1949), espanhola (1976), portuguesa (1978) e brasileira (1988)7.

Dessarte, visando à proteção e efetivação dos direitos fundamentais que se encontram insculpidos nas leis maiores, deu-se um enfoque especial ao Poder Judiciário. As constituições passam a dar fartos poderes aos juízes frente ao Estado, o que se materializa pela jurisdição constitucional, sobretudo, desempenhada através dos tribunais constitucionais8. Concebeu-se que um Judiciário forte e independente é condição sine qua non para garantia dos direitos fundamentais e garantia da democracia.

O processo legislativo pátrio se revela lento e incapaz de solver problemas e confiitos sociais, sen-do que o Executivo, muitas vezes, volta-se para o atendimento dos interesses da própria máquina estatal, ocasionando um afastamento dos interesses públicos, bem como um distanciamento entre os representantes e o próprio povo representado9.

Dessarte, frente à ineficácia da função legislativa e do governo, cabe aos juízes, enquanto guardiões das promessas mandamentais, promover a guarda e efetivação das normas constitucionais10.

Diante da nova realidade fático-jurídica instalada, a sociedade, de modo geral, passou a perceber que poderia conferir a última palavra em questões de relevante valor moral, econômico ou social (ou em qualquer outro confiito que fosse, relevante ou não) ao Judiciário, havendo verdadeira explosão de litigiosidade11...

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