Ativismo judicial: qual o limite do Poder Judiciário?

AutorLeonardo Alves de Oliveira
CargoServidor Público Estadual do Tribunal de Justiça de Mato Grosso
Páginas133-144

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1. Introdução

O homem é um ser dinâmico e em constante desenvolvimento, estando em diuturna inteiração com tudo que o cerca. Assim, desenvolve-se e evolui, de modo que seus valores e ideais vão se alterando com o gradativo transcurso do tempo.

O direito, por outro lado, sistema de normas de conduta criado e imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais, é estático, estancado, sendo que evolui lentamente, buscando acompanhar o progresso do homem.

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Dito isso, é correto afirmar que o direito está sempre alguns passos atrás da evolução da sociedade, já que mister se faz aguardar o desenvolvimento desta para que o legislador possa avaliar em quais pontos e por que deverá atuar, ou, se for o caso, verificar se deverá modificar uma norma já anteriormente posta para se amoldar à eventual nova realidade.

Contudo, hodiernamente, no cenário pátrio, resta evidente que as atividades política e legislativa não são desempenhadas com o devido e necessário esmero. É de se destacar, à guisa de exemplificação, que a Constituição Federal prevê que a existência do direito de greve ao servidor público federal2, bem como a existência do imposto sobre grandes fortunas3, deixando a cargo do legislador a regulamentação destes temas, contudo, passados 28 anos do advento da carta política brasileira, o legislador infraconstitucional ainda não disciplinou as aludidas matérias.

Diante desse contexto, no âmago do Poder Judiciário - atento aos clamores sociais e demandas que batem à sua porta -, ganha força um movimento denominado de ativismo judicial, tema de extrema relevância para sociedade contemporânea e pano de fundo de inúmeras discussões, já que divisor de opiniões, possuindo adeptos e opositores.

Assim, com o fito de trazer a lume esclarecimentos sobre o tema em apreço, sob o prisma de uma visão constitucionalista do direito, apresenta-se este trabalho científico, no afã de melhor compreender o ativismo judicial, seu surgimento, como e por que ocorre, para, ao final, buscar vislumbrar quais são os limites do Poder Judiciário em sua atitude interpretativa e jurisdicional ativista.

2. Desenvolvimento e análise do tema

O direito é um produto da política. Portanto, no mundo real a autonomia que se outorga ao direito é apenas relativa, haja vista que a criação do direito se dá pelo processo constituinte, atividade eminentemente legislativa, ou seja, a criação do direito emana da vontade da maioria, se originando da própria política. O direito legitima e limita o exercício do poder político4.

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A atividade corriqueira do Judiciário não causa controvérsias. Entretanto, por exemplo, ao se declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional, o Judiciário está a dizer que a própria atividade política criadora do direito - realizada pelo Executivo e pelo Legislativo - foi equivocada, mal feita. Isto quer dizer que a atividade do julgador, por ter a última palavra interpretativa e jurisdicional, produz decisões que interferem diretamente nos demais poderes.

Julgar, atribuição de interpretar e aplicar o direito, faz com que os juízes estejam vinculados em suas decisões a tão somente dizer o direito posto, aplicar no caso concreto o produto da política emanado do constituinte ou do legislador, o direito. Assim, aos juízes, em regra, não caberia inventar, inovar. Em regra, pois na prática em certos momentos tal conduta se faz imprescindível. É a origem do ativismo judicial.

Aos juízes é conferida a atividade de aplicação das leis aos casos concretos, sempre com os olhos voltados à guarda da Constituição, porém, no constitucionalismo contemporâneo, suas atribuições vão muito além, devendo perseguir incansavelmente a democracia, a concretização dos direitos fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa humana5.

2. 1 Breve escorço evolucionista e a consequente judicialização

Pode-se asseverar, sem embaraço, que a evolução do direito constitucional foi a responsável pelo crescimento da judicialização, especial-mente a partir do 1º pós-guerra mundial. Com o advento da Constituição do México (1917) e da Constituição alemã (1919) surgiu o ideal que se convencionou chamar de estado social de direito, ou socialização do direito, modelo que se pauta pela busca do welfare state, amparando-se o trabalho e a família, incrementando-se a cultura e desenvolvendo-se a assistência social6, isto é, o Estado é chamado a intervir em esferas até então deixadas à liberdade individual.

Pari passu, guardadas as devidas proporções temporais, surge e evolui o movimento de constitucionalismo contemporâneo denominado neoconstitucionalismo, ou pós-positivismo, cuja ideologia se pauta não

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somente na limitação do poder político ou incremento dos direitos sociais, tento por principal escopo a garantia da eficácia do texto magno, a concretização os direitos fundamentais7. Neste cenário, o direito constitucional migra para o centro do ordenamento jurídico, o pergaminho político ganha força normativa e suprema, assim como seus princípios (de conceituação aberta, ampla e abstrata) passam a irradiar efeitos e permear todos os demais ramos da ciência do direito, que tem suas normas reinterpretadas à luz do direito constitucional e da dignidade da pessoa humana. tal realidade se pode constatar em constituições contemporâneas, como a italiana (1948), alemã (1949), espanhola (1976), portuguesa (1978) e brasileira (1988)8.

Dessarte, visando a proteção e efetivação dos direitos fundamentais que se encontram insculpidos nas leis maiores, deu-se um enfoque especial ao Poder Judiciário. As constituições passam a dar fartos poderes aos juízes frente ao Estado, o que se materializa pela jurisdição constitucional, sobretudo, desempenhada através dos tribunais constitucionais9. Concebeu-se que um Judiciário forte e independente é condição sine qua non para garantia dos direitos fundamentais e garantia da democracia.

O processo legislativo pátrio se revela lento e incapaz de solver problemas e conflitos sociais, sendo que o Executivo, muitas vezes, volta-se para o atendimento dos interesses da própria máquina estatal, ocasionando um distanciamento dos interesses públicos, bem como um estranhamento entre os representantes e o próprio povo representado10.

Dessarte, frente à ineficácia da função legislativa e do governo, cabe aos juízes, enquanto guardiões das promessas mandamentais, promover a guarda e efetivação das normas constitucionais11.

Diante da nova realidade fático-jurídica instalada, a sociedade, de modo geral, passou a perceber que poderia conferir a última palavra em questões de relevante valor moral, econômico ou social (ou em qualquer outro conflito que fosse, relevante ou não) ao Judiciário, havendo verdadeira explosão de litigiosidade12, acarretando uma ascensão do Poder Judiciário ao posto de protagonista, passando a delimitar e decidir quais os rumos a sociedade...

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