Ativismo judicial, presunção do estado de inocência e execução provisória da pena: análise das decisões do supremo tribunal federal no habeas corpus n. 126.292/sp e nas ações declaratórias de constitucionalidade n. 43 e n. 44

AutorEduardo Daniel Lazarte Moron - Nestor Eduardo Araruna Santiago
CargoDoutorando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Advogado - Doutor em Direito, com estágio Pós-Doutoral. Professor Titular do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Constitucional da ...
Páginas121-137

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Ver Nota12

Considerações iniciais

O artigo tem por finalidade examinar se o Supremo Tribunal Federal (STF) utilizou-se do ativismo judicial ou realizou um mero controle de constitucionalidade no julgamento de mérito do Habeas Corpus (HC) n. 126.292 e no julgamento das liminares solicitadas nas medidas cautelares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) n. 43 e 44, em que assentou que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no art. 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF).

O grande desafio na atualidade é buscar o equilíbrio entre o ideal de segurança social e a imprescindibilidade de se resguardar o indivíduo em seus direitos fundamentais. O processo penal caminha por uma linha muito tênue, pois tem que ser eficiente, condenando os culpados, como forma de resposta à sociedade e ao mesmo tempo garantista, observando os direitos fundamentais do acusado.

O método utilizado no presente artigo é o dialético, pois reflete as posições divergentes relativas ao tema e a busca de soluções para problemas no contexto jurídico penal. A pesquisa quanto aos fins mostra-se exploratória, notadamente porque busca aprimorar ideias em tema recente, sendo bibliográfica quanto aos meios empregados e de abordagem qualitativa, analisando a posição adotada pelo STF em relação à execução provisória da pena.

Assim, inicia-se com a evolução do princípio da presunção de inocência e sua concepção na CF. Nos itens subsequentes aborda-se o conceito de ativismo judicial e seus pressupostos para demonstrar como o STF adotou uma postura ativista no julgamento apontado. Os últimos itens versam a respeito da evolução da jurisprudência do STF na execução provisória da pena até os julgamentos proferidos no HC n. 126.292 e nas ADCs 43 e 44, com a finalidade de fazer uma análise crítica dos julgados citados.

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De notar que a execução provisória de sentenças penais condenatórias impõe redefinir o alcance do princípio da presunção do estado de inocência, indagar quando ocorre o trânsito em julgado na esfera penal e qual a natureza jurídica da prisão decorrente da execução provisória da pena, na busca de um equilíbrio entre a efetividade da função jurisdicional penal e a observância dos direitos do acusado.

Por fim, o presente estudo propõe-se a analisar a postura ativista do STF nos casos mencionados, a fim de aferir os limites constitucionais e legais na interpretação dada ao princípio da presunção de inocência e ao art. 283 do Código de Processo Penal (CPP).

1 O princípio da presunção do estado de inocência ou da não culpabilidade como decorrência do garantismo processual penal

Nos dias atuais, embora o sistema inquisitivo seja estudado apenas como marco histórico e para confrontá-lo com o sistema acusatório (FERNANDES, 2010), os seus ideais dominam a pauta em temas de justiça criminal e mesmo na estrutura do CPP, quando se questiona se um processo penal pode ser, ao mesmo tempo eficiente e garantista, num autêntico equilíbrio entre liberdade e segurança.

O garantismo é uma teoria que reúne o sistema das garantias dos direitos fundamentais no aspecto penal e elabora os dispositivos jurídicos necessários à tutela dos direitos civis, políticos, sociais e de liberdade sobre os quais se fundam as hodiernas democracias constitucionais (FERRAJOLI, 2002). Também serve de limitação e de disciplina dos poderes públicos e por essa razão pode ser considerado o traço mais estrutural da democracia. A perspectiva garantista de Ferrajoli tem como base um projeto de democracia social consistindo na expansão dos direitos dos cidadãos e dos deveres do Estado na maximização das liberdades e na minimização dos poderes (STRECK; SALDANHA, 2013, p. 411).

A Teoria do Garantismo Penal serve para demonstrar como o processo penal foi pensado e estruturado desde as raízes científicas que legitimam o arcabouço teórico da modernidade, estabelecendo que acusados não podem ser punidos antes de serem processados (ACHUTTI, 2009, p. 44-45). No fim do século XIX e início do século XX o princípio da presunção do estado de inocência sofreu diversos ataques, pois prevalecia o raciocínio de que a maior parte dos imputados resultava culpada ao final do processo, não se justificando a proteção da presunção do estado de inocência, sendo visto como um excesso de garantismo (LOPES JÚNIOR, 2010, p. 173).

A teoria do garantismo elaborada por Ferrajoli, dedicada ao direito e ao processo penal, estrutura-se na presunção do estado de inocência e liberdade pessoal do imputado e demais garantias processuais inseridas pelo “neoiluminismo penal”, em um complexo paradigma normativo voltado à proteção dos indivíduos mercê da regulação do poder punitivo do Estado, impondo limitações tanto à legislação penal quanto à jurisdição penal (IPPOLITO, 2011, p. 37). O princípio da presunção do estado de inocência decorre de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade

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– e não impunidade – dos inocentes, ainda que para isso tenha que se pagar o preço da impunidade de algum culpável.

Segundo Beccaria (1996, p. 35), um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida. Na mesma linha pensa Marques da Silva (2001, p. 30-31), para quem um dos significados do princípio da presunção de inocência é proteger o acusado durante o processo penal, pois, se é presumido inocente, não deve sofrer medidas restritivas de direito no decorrer deste. Não existem pessoas mais presumidas inocentes e pessoas menos presumidas. Todos somos presumidamente inocentes, qualquer que seja o fato que nos é atribuído (SUANNES, 1999, p. 232). O estado de inocência implica diversas consequências no tratamento do acusado, na carga da prova, na aplicação da pena por meio de um processo com todas as garantias, no direito ao silêncio, na excepcionalidade das prisões cautelares e o de não fazer prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) (LOPES JÚNIOR, 2010, p. 176-177).

A presunção de inocência confirma a excepcionalidade da utilização não só das medidas cautelares prisionais, pois indivíduos inocentes só serão presos quando realmente for útil à instrução e à ordem pública, consolidando a característica marcante de um processo acusatório-garantista incorporado na CF; mas também as cautelares não prisionais, que, de certo modo, restringem a liberdade dos imputados. Portanto, a existência de prisões cautelares não fere a garantia da presunção de inocência, desde que observados seus requisitos legais e motivada em razões cautelares, a fim de proteger a efetividade do processo e da aplicação da lei penal, não permitindo que o Estado trate como culpado aquele que ainda não sofreu uma condenação penal transitada em julgado.

2 Sobre a caracterização do ativismo judicial

No contexto internacional o ativismo judicial tem suas origens no direito americano e surge das dificuldades na interpretação e aplicação da Constituição, passando a ganhar contornos mais subjetivistas em prol da vontade criativa do próprio intérprete (ABBOUD; LUNELLI, 2015, p. 23). Todavia, a expressão ativismo judicial decorre de uma análise realizada por Arthur Schlesinger Jr. sobre as divisões ideológicas entre os membros da Corte Superior norte-americana em 1947 (BRANCO; MENDES, 2016, p. 195). Porém, os limites e as diferenças entre intepretação, criação judicial do direito e subjetividade dos julgadores começava a preocupar.

O ativismo judiciário brasileiro inspira-se no ativismo americano, mas também dele se afasta por conta das específicas características da cultura jurídica e da organização política e social brasileiras. Mas o que chama a atenção neste distanciamento entre a abordagem brasileira e a norte-americana é a influência provocada naquela pelo neoconstitucionalismo, na medida em que se coloca como

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antiformalista, com base nas teorias da escola do direito livre e da jurisprudência de interesses e valores (STRECK; SALDANHA, 2013, p. 401).

O ativismo judicial deve ser compreendido na medida em que o exercício da atividade jurisdicional ultrapassa os limites impostos pelo texto normativo. A atuação jurisdicional pertence institucionalmente ao Poder Judiciário, cuja tarefa precípua é a resolução das controvérsias jurídicas (RAMOS, 2015). Para o presente objetivo o ativismo judicial deve ser compreendido nesses termos, pois, quando a atuação jurisdicional vai além desses limites, coloca-se em evidência o questionamento da possível violação ao princípio da separação dos poderes, assumindo um protagonismo sobre a atividade do legislativo que não lhe cabe.

O ativismo judicial também pode ser encarado sobre dois aspectos, um positivo e outro negativo. No aspecto positivo, o ativismo judicial é visto como uma forma mais contundente de atuação do Poder Judiciário (LEWIS, 1999, p. 7). Como fenômeno negativo, a definição do ativismo judicial reside na constatação da atuação judicial em parâmetros que extrapolem os limites da atividade jurisdicional (SANTORO, 2014, p. 97). Em outros termos, o aspecto negativo do ativismo judicial surge quando o Poder Judiciário deixa de...

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