Da atividade empresarial e sua responsabilidade com o meio ambiente de trabalho

AutorLourival José de Oliveira/Márcia Oliveira Alves, Marcos Apolloni Neumann e Nilcimara dos Santos
CargoDoutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP)/Mestrandos em Direito pela UNIMAR (Universidade de Marília)
Páginas119-132

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1. Introdução

O Meio Ambiente do Trabalho deveria ser discutido como um espaço que expressasse um sentido cidadão de participação do trabalhador. Nele os homens deveriam se reconhecer e compatibilizar destinos comuns. Porém, diante do contexto atual, segundo Yazbeck1, “são vários os antagonismos, as lutas e as rebeldias que se confrontam com as políticas globais de desenvolvimento econômico centradas na voracidade dos novos paradigmas de acumulação”. Tais mudanças têm levado à precarização do trabalho e ao desmonte de direitos sociais, civis e políticos.

As mudanças na reestruturação dos mecanismos de acumulação do capitalismo, a concentração de riqueza e de poder contribuíram com a pobreza, a fome e a exclusão social, assim como com o crescimento das massas de trabalhadores explorados e sem proteção, em um mundo que se apresenta desumanizado.

A esse respeito salienta Grazia2:

“Rebaixamento ilimitado de salários, prolongamento da jornada de trabalho sem qualquer pagamento de horas extras, ritmo alucinante para conseguir o cumprimento de metas, anos a fio sem o gozo de férias nem pagamento de décimo terceiro graças a contratos precários ou vínculos com falsas cooperativas etc.”

Sabe-se que as mudanças dos paradigmas de produção são globais e têm-se refletido direta e indiretamente nas condições do trabalho. Apesar de o texto constitucional considerar o trabalho como direito fundamental, para Souza3, com a Constituição Federal de 1988, é possível visualizar a opção do constituinte pela iniciativa privada e também pelo capitalismo. Uma outra opção verificada no texto diz respeito à solidariedade, à função social da propriedade, dos meios de produção e do trabalho, entendidos como meios de redução das desigualdades sociais.

Com o processo de reestruturação produtiva, toma um espaço ainda maior o estudo do ambiente do trabalho e a sua importância no desempenho da atividade empresarial, levando-se em conta a legitimidade da própria empresa, do Estado e de toda a sociedade na construção desse ambiente que deverá apontar condições adequadas para valorização do homem.

Fica aqui identificado o objeto do presente estudo, que conta com uma visão do ambiente de trabalho a partir das lentes da Constituição Federal e das necessidades que ainda precisam ser cumpridas, com vistas a contribuir com o alcance dos objetivos estabelecidos para a República Federativa do Brasil.

2. Do meio ambiente do trabalho

A desumanização nas relações de trabalho tem suas origens em tempos mais remotos.

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Conforme destaca Rocha4, com a ajuda dos escritos históricos, pode-se constatar que os trabalhadores sofriam com problemas de saúde, pois estavam sujeitos a condições indignas de trabalho, muitas vezes em contato com subs-tâncias nocivas à saúde, como ocorria com o trabalho escravo que vitimava inúmeras pessoas pelo envenenamento por chumbo. Por volta dos séculos XV e XVI, as doenças se intensificaram em razão do trabalho subumano existente nas minas, na busca incessante pelo ouro e pela prata. Somente em meados do século XVIII surgiram os primeiros indícios de preocupação com a saúde do trabalhador, na Inglaterra, na França e na Alemanha, apesar de não perdurarem.

Para Rocha5:

“Contudo, com a Revolução Industrial (o industrialismo), as deploráveis condições de trabalho e de vida das cidades se intensificaram: epidemias generalizadas, habitações fétidas, trabalho de crianças e mulheres, mortes e acidentes em massa.”

A sociedade, ao passar pela Revolução Industrial, uniu forças e começou a se organizar e lutar pelos seus direitos. Os trabalhadores passaram a exigir a diminuição da jornada de trabalho, melhores salários e proteção para o trabalho infantil e feminino, conquistando as primeiras legislações que protegiam alguns de seus direitos.

A Constituição Federal brasileira resguarda a defesa do meio ambiente e a proteção ao trabalho humano como princípios gerais da atividade econômica, dispostos no caput do art. 170, VI e VIII.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VIII – busca do pleno emprego;”

Nesta mesma linha, Derani, citado por Rocha6, afirma que “o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é um dos elementos que compõem a dignidade da existência, princípio-essência apresentado no art. 170”.

Levando-se em consideração o que dispõe o autor acima citado, fica claro que o ser humano não terá qualidade de vida sem um meio ambiente de trabalho adequado.

Em vista disso, para se conceituar meio ambiente do trabalho é necessário que se faça, primeiro, uma explanação do que seja meio ambiente, tomando como parâmetro os fins didáticos sem que haja o seu fracionamento.

Rocha7 assim conceitua o meio ambiente: “O meio ambiente natural pode ser entendido como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela fauna e pela flora. (...) O meio ambiente artificial como o espaço físico transformado pela ação continuada e persistente do homem com o objetivo de estabelecer relações sociais, viver em sociedade. É composto pelo meio ambiente urbano, periférico e rural. (...) O meio ambiente cultural é constituído por bens, valores e tradições aos quais as comunidades emprestam relevância, porque atuam diretamente na sua identidade e formação. (...) O meio ambiente do trabalho como a ambiência na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano. Não se limita ao empregado; todo trabalhador que cede a sua mão de obra exerce sua atividade em um ambiente de trabalho.” Para Rocha há autores que enquadram o meio ambiente do trabalho como parte integrante do

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regime sistemático do meio ambiente, como Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues, Nelson Nery Junior, Rodolfo de Camargo Mancuso, Rosa Maria Andrade Nery. A esse respeito a ciência jurídica foi buscar na etimologia das palavras um ajuste para os termos meio ambiente e meio ambiente do trabalho, concluindo que ambos estão interligados, assim como acontece com algumas matérias e disciplinas.

O termo meio ambiente deriva do latim “ambiens e entis”, que significa aquilo que rodeia. Pode-se observar então que a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo, possuindo a mesma significação, ou seja, lugar, recinto, espaço onde os seres humanos desenvolvem as suas atividades, assim como a vida dos animais e vegetais.

A legislação brasileira, por sua vez, define meio ambiente na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, no art. 3º, I, n. 938, de 1981, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Giampietro, citado por Rocha8, “o meio ambiente do trabalho compreende um complexo de bens de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam”.

Por fim, vale ressaltar que Rodolfo de Camargo Mancuso, citado por Rocha9, traduz o meio ambiente do trabalho como habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência.

3. Fundamentos constitucionais para a proteção no ambiente do trabalho

Pensando em proporcionar aos brasileiros uma vida digna, o legislador constituinte elenca no art. 1º da Constituição Federal os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e os Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa como fundamentos da República Federativa do Brasil.

Segundo Fiorillo, citado por Santos10:

“(...) Para esse autor, para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, que por sua vez está atrelado ao caput do art. 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a providência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma da Constituição, assim como direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.” Ainda, em se tratando de direitos assegurados ao trabalhador, o texto constitucional consagra, em seu art. 7º, proteção a inúmeros destes direitos.

Mas é no capítulo destinado aos princípios gerais da atividade econômica, art. 170, caput, da Constituição Federal, que o constituinte consagra maior ênfase aos trabalhadores, colocando a valorização do trabalho humano junto com a livre iniciativa. Desta forma, a valorização do trabalho humano deve ser respeitada pelos agentes econômicos no que tange a sua liberdade para atuar no mercado de trabalho.

No título da Ordem Social, capítulo II da Seguridade Social, seção II, que trata da saúde, em seu art. 200, inciso VIII, o legislador constituinte atribuiu ao Sistema de Saúde a obrigação de colaborar com a proteção ao meio ambiente do trabalho.

“Art. 200. Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(...)

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VIII – colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

No entanto, mesmo existindo vários dispositivos constitucionais que protegem o meio...

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