A atividade do empresário

AutorTullio Ascarelli (tradução de Erasmo Valladão A. e N. França)
Páginas203-215

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1 O art. 2.0821 não se refere simplesmente - já notamos - a uma atívidade e à uma atividade autónoma, mas à uma ati-vidade económica, dirigida ãprodução ou à troca de bens ou serviços, organizada, exercida profissionalmente.

Ao fazer recurso aos mencionados termos, o Código os considera na sua corrente valoração social (menos exatamente se costuma dizer: no seu significado económico). O art. 2.082 (assim como, na legislação ab-rogada, os arts. 3° e 4- do Código de Comércio) constitui, na verdade, uma norma qualificativa ou delimitaliva, que, em substância, determina o âmbito no qual se aplicarão determinadas normas. A definição jurídica de empresário importa, por isso, o apelo a conceitos não definidos no sistema c cujo alcance deve valorar-se em relação à concepção social corrente.

  1. Com económica, ali se faz referência à uma atividade criadora de riqueza e, por isso, de bens (art. 810 do Código Civil) ou ainda, como resulta do mesmo artigo, de serviços patrimonialmente avaliáveis (e v. tb. ari. 1.174, CC). Também estes, embora não constituindo coisas, constituem "riquezas", porque vem comparativamente aumentando de importância, na economia, a produção de serviços, sempre mais numerosos.

    É económica, e criadora de riqueza, não só, portanto, a atividade do agricultor (às vezes economicamente qualificada como primária), mas também aquela (às vezes economicamente qualificada como secundária) do industrial produtor e, bem assim (e, às vezes, a este respeito se fala de modo gera! de serviços ou de atividade terciária), aquela de quem se interpõe na troca de bens porque, com a sua melhor distribuição, aurnenla-lhes a utilidade; aquela do condutor, voltada ao transporte, e aquela do segurador, voltada ao seguro (e,

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    veremos, mesmo aquela do "especulador", que assume, lambem ele, uma função ein relação à distribuição do risco); aquela voltada a oferecer serviços (como a dos empresários de espeláculos) que, na valoração social, são pairiinonialTncnte avaliáveis e avaliados, embora satisfaçam necessidades recreativas atinentes ao nosso conforto.

    Sendo preciso, pode-se ainda recorrer ao art. 2.195" (que, dentro em pouco, teremos ocasião de ilustrar), porque, como tem sido agudamente observado, o elenco dos empresários comerciais ali contido pressupõe a qualidade de empresário dos mesmos e, por isso, concorre para esclarecer a definição do art. 2.082.

    Óbvia, por essa razão, a distinção entre a atividade empresarial e as atividades não económicas (mesmo quando possam ser indiretamente relevantes para a criação da riqueza); entre estas, a alividade do cientista pesquisador da verdade, do artista criador do belo c do próprio inventor, voltada à solução de um problema técnico (enquanto será empresarial1 a atividade voltada á exploração de uma invenção ou à reprodução de uma obra de arte, pois diz respeito à criação de produtos que, como tais, rclacio-nam-se ao domínio da economia), para não falar das atividades políticas, religiosas, de distribuição de bens de forma benéfica, c assim por diante.

    Não é económica a alividade de mera fruição (ainda que implique uma alividade de administração, mesmo por meio de pre-poslos, porque, também neslc segundo caso, não se verifica uma produção de riqueza). Não c, por essa razão, económica a atividade do proprietário de muitos imóveis em administrá-los (mesmo alravés de adequada organização) e receber-lhes os alugueres, justamente porque, em substancia, direcionada à fruição, não importando pro-dução de riqueza, assim como não é "económica" a atividade de quem recebe os rendimentos dos próprios investimentos. Mas c económica (se bem que, por outro lado, quando não for profissional, não será empresarial) a atividade de quem adquire imóveis para revendê-los, ou para locá-los (e, por isso, de uma sociedade constituída para revender ou locar imóveis).

    É, por sua vez, económica, no meu entender, a atividade de gestão, quando ela (como relativamente a um estabelecimento comerciai administrado dirctamente e não, ao invés, concedido em fruição a outros que o administrem) utiliza o bem qual instrumento para a produção de nova riqueza e, portanto,2 a exploração do estabelecimento implica a qualificação de empresário àquele ou àqueles em cujo nome tem lugar a exploração [permanecendo, pois, quesião distinta, a de verificar quando a exploração de um estabelecimento por parte de vários sujeitos, aos quais o esiabeleeimcn-to seja comum, eomo na hipótese de estabelecimento em comunhão hereditária, implique a cxisicnciade uma sociedade entre os mesmos sujeitos;3 da resposta a esta questão dependerá, ou não, a admissibilidade daquela que tem sido dila uma comunhão de empresa, em contraposição à sociedade4.

    Não é, por isso, contrariamente a que às vezes leni si cio dito, de mera administração a atividade agrícola, obviamente produ-lora de nova riqueza e claramente coordenada com o emprego de capitais e trabalho, mesmo se lhe são óbvias as diferenças (pelo ciclo produtivo, pela prevatente importância do elemento imobiliário e, na nossa fase cultural, frequentemente pela própria estrutura da propriedade ou da produção) em relação à atividade comercial e industrial.

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    A diferença entre atividade económica e de mera fruição resulta evidente comparando a atividade de quem administra o fundo com aquela de quem o dá em locação, de modo que o locatário [que será, então, o sujeito da atividade económica e, portanto, o empresário administrará em nome e por conta própria o bem, como instrumento para a produção de riqueza, cumprindo em nome próprio os atos respectivos, aos quais o proprietário, que se limita à fruição do foro convencionado, permanece estranho, não podendo por isso ser qualificado de empresário.5

  2. A atividade deve ser dirigida à produção ou à troca e me parece que se deva interpretai1 à produção pela troca ou para a troca (quer dizer, aos atos de troca precedidos de outros de troca dos mesmos bens ou serviços).

    Não ocorre por isso, no meu entender, a figura do art. 2.082, no cultivador que cultive paia o próprio consumo, ou em quem fabrique para o próprio consumo e. assim lambem (pois, seja como for, faltaria neste caso o requisito da profissionalidade, que mais além invocaremos), em quem - seja embora contratando prestadores de serviço de forma direta - construa uma casa para nela habitar, ou estabeleça, no próprio porão, uma oficina para fabricar os móveis da própria habitação, e assim por diante (e note-sc como o problema possa se propor para a atividade agrícola e para aquela industrial; não para aquela de troca). O titular da atividade deve ser diverso do destinatário último dó produto, isto é, a sua atividade deve ser destinada a salisfa-zer necessidades de ouirem (e, por isso, creio que a referência do 2.083'" ao culli-vador direto como "pequeno empresário", ou seja, como empresário, deva intcrprc-tar-se em relação àquele cultivador direto que seja empresário no sentido do 2.082, e não lambem àquele que produza somente para o próprio consumo). Quando isto não ocorre nos encontramos em uma economia que eu diria individualisticamente autárquica; o ciclo económico se exaure no âmbito de um só sujeito, enquanto o art. 2.082 é voltado exatamente para uma disciplina do ciclo económico que iniercssa a vários sujeitos.

    Não é, porém, normalmente destinada ao consumo do próprio sujeito a atividade do agricultor, também ela usualmente destinada ao mercado, ainda quando não se trate de agricultura "industrializada"; não o é, nem menos normalmente, aquela do cultivador direto (isto c, daquele - v. art. 1.647IV - que cultiva o fundo prevalen-temenle com o próprio irabaiho e de pessoas de sua família), que da mesma forma normalmente destinará ao mercado uma parle (de resto, não irrelevante) da própria produção (e se pense no horticultor, no flo-ricullor, c assim por diante), podendo então ser considerado como empresário c, mais precisamente (art. 2.083), como pequeno empresário6

    Na hipótese de coexistência cnire produção para a troca e para o consumo pessoal, a aplicabilidade do art. 2.082 ocorre independentemente da respectiva importância das duas aiividades, sempre que a segunda/ em si considerada, apresente as características do art. 2.082.

    Na verdade, não é a prevalência da aiividade do art. 2.082 sobre outras, even-

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    malmente coexistentes, mas a sua simples ocorrência que importa a aplicação da disciplina respectiva (que, por outro lado, não exclui aquela própria de outras alividades exercidas de forma eventual), e tornaremos outras vezes a referir-nos a este critério.

    A produção e a troca não devem, porém, necessariamente ser destinadas ao mercado cm geral; pode ser suficiente que sejam dirigidas somente a um ambiente restrito (desde que não familiar), ou até somente a um sujeito determinado (como uma atividade que se resuma em produtos reservados de forma exclusiva para um só adquirente), ou a um mercado predeterminado, como ocorre com uma cooperativa de consumo (expressamente definida como empresa no Código) que se dedique exclusivamente à aquisição de géneros paia os cooperados.

    A atividade do empresário é, além disso, sempre dirigida ao mercado, ainda quando - dada a pluralidade dos estabelecimentos que, veremos, podem pertencer a um mesmo empresário - , os produtos de um estabelecimento sejam exclusivamente destinados para outro estabelecimento do mesmo empresário que, em seguida, oí coloque no mercado, ou os transforme (ou utilize) para colocar no mercado os produtos assim obtidos. Ainda nesta hipótese, a ali-vidade do empresário é do mesmo modo de maneira definitiva dirigida ao mercado e não ao consumo pessoal. Por isso, esta hipótese não pode ser invocada para estender a noção de empresário também a quem produza para o próprio consumo pessoal.

    Pode ocorrer (e encontraremos um problema análogo tratando do intento lucrativo do empresário) que, na visão geral que presidiu o Código, a atividade de produção para o consumo do mesmo produtor...

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