A atenuação do movimento separatista escocês como paralelo à segregação entre Reino Unido e União Europeia: uma questão de cidadania ou nacionalismo?

AutorClemir José Kades Junior - Reginaldo Pereira - Marcelo Markus Teixeira
CargoMestre em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Graduado em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Assessor Jurídico da Terceira Turma de Recursos de Chapecó (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina). Conciliador Judicial voluntário e Juiz Leigo voluntário no 2° ...
Páginas691-720
REVISTA QUADRIMESTRAL DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA DA
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N.3 - SET-DEZ 2019
R
Valdir Cechinel Filho
C  G  G I

José Roberto Provesi
D  I
Paulo Márcio da Cruz
D  A I
Telmo José Mezadri
V-R  G  D-
 I
Carlos Alberto Tomelin
V-R  P, P-G
 I
Rogério Corrêa
V-R  E  A
C
José Carlos Machado
S E
Luciana Merlin Bervian
P G
Rodrigo de Carvalho
A      
    

E C
Dr. Paulo Márcio Cruz, Universidade do
Vale do Itajaí - Univali, Itajaí, SC, Brasil
E E
Alexandre Zarske de Mello, Universidade
do Vale do Itajaí - UNIVALI - Itajaí/SC,
Brasil
A E
Matheus Jose Vequi, Universidade do Vale
do Itajaí - UNIVALI - Itajaí/SC, Brasil
C C
Dr. Paulo Márcio Cruz - Univali, Brasil
Dr. Cesar Luiz Pasold - Univali, Brasil
Dra. Cláudia Rosane Roesler - UNB, Brasil
C E  R
Dr. Paulo Márcio Cruz, Universidade do Vale
do Itajaí - Univali, Itajaí, SC, Brasil
Dr. Cesar Luiz Pasold, Universidade do Vale
do Itajaí - Univali, Itajaí, SC, Brasil
Dr. José Francisco Siqueira Neto,
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Brasil
Dr. Clóvis Demarchi, Universidade do Vale
do Itajaí - UNIVALI - Itajaí/SC, Brasil
Dra. Cláudia Rosane Roesler, Universidade
de Brasilia - UNB, Brasil
Dr. Valcir Gassen, Universidade de Brasilia
- UNB, Brasil
Dr. Antonio Gomes Moreira Maués,
Universidade Federal do Pará - UFPA, Brasil
Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas,
Universidade do Estado do Amazonas -
UEA, Brasil
Dr. Martônio Mont´Alverne Barreto Lima,
Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Brasil
Dra. Joyceane Bezerra Menezes,
Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Brasil
Dr. Saulo José Casali Bahia, Universidade
Federal da Bahia - UFBA, Brasil
Dr. Cláudio Alberto Gabriel Guimarães,
Universidade Federal do Maranhão-UFMA,
Brasil
Dr. Marcos Antônio Rios Nóbrega,
Universidade Federal de Pernambuco -
UFPE, Brasil
Dr. Vicente de Paulo Barreto, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Brasil
Dr. Antonio Graça Neto, Universidade
Federal da Grande Dourados - UFGD, Brasil
Dr. Welber de Oliveira Barral, Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil
Dr. Lenio Luiz Streck, Universidade do Vale
do Rio dos Sinos - Unisinos, Brasil
Dr. Everton das Neves Gonçalves,
Universidade Federal de Santa Catarina -
UFSC, Brasil
Dr. Gilmar Antônio Bedin, Universidade
Regional de Ijuí - UNIJUI, Brasil
Dr. Wagner Menezes, Universidade de São
Paulo - USP, Brasil
Dr. Adrian Sgarbi, Pontifícia Universidade
Católica - PUC-RJ, Brasil

São Paulo - USP, Brasil
Dr. Cristiano Otavio Paixão Araujo Pinto,
Universidade de Brasilia - UNB, Brasil
Dr. José Luiz Serrano Moreno, Universidad
de Granada - UGR, Espanha

Universidade do Minho - UMINHO, Portugal
Dr. Mario João Ferreira Monte, Universidade
do Minho - UMINHO, Portugal
Dra. Alessandra A. Silveira, Universidade do
Minho - UMINHO, Portugal
Dr. Josep Aguiló Regla, Universidad de
Alicante - UA, Espanha

Universidad Javeriana de Bogotá, Colômbia
Dr. José Noronha Rodrigues, Universidade
dos Açores - UAC, Portugal
Dr. José Chofre Sirvent, Universidad de
Alicante - UA, Espanha
Dr. Gabriel Real Ferrer, Universidade de
Alicante – UA – Alicante, Espanha
Dr. Maurizio Oliviero, Universidade de
Perugia - UNIPG – Perugia, Itália
Dra. Dora Garcia Fernandez, Universidad
Anáhuac México Norte, México
E P
Rua Uruguai, nº 458 - Centro
CEP: 88302-202, Itajaí - SC - Brasil
Bloco D1 - 4º piso - Sala 419
www.univali.br/periodicos
www.univali.br/editora
www.univali.br/NEJ
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
A ATENUAÇÃO DO MOVIMENTO
SEPARATISTA ESCOCÊS COMO PARALELO
À SEGREGAÇÃO ENTRE REINO UNIDO
E UNIÃO EUROPEIA: UMA QUESTÃO DE
CIDADANIA OU NACIONALISMO?
THE INCREASING OF THE SCOTTISH SEPARATIST MOVEMENT AS A PARALLEL TO THE
SEGREGATION BETWEEN THE UNITED KINGDOM AND THE EUROPEAN UNION: A
QUESTION OF CITIZENSHIP OR NATIONALISM?
LA ATENUACIÓN DEL MOVIMIENTO SEPARATISTA ESCOCÉS COMO PARALELO A
LA SEGREGACIÓN ENTRE REINO UNIDO Y UNIÓN EUROPEA: ¿UNA CUESTIÓN DE
CIUDADANÍA O NACIONALISMO?
Clemir José Kades Junior1
Marcelo Markus Teixeira2
Reginaldo Pereira3
1 Mestre em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Graduado em Direito
pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Assessor Jurídico da Terceira Turma de
Recursos de Chapecó (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina). Conciliador Judicial voluntário e Juiz
Leigo voluntário no 2° Juizado Especial Cível da Comarca de Chapecó (Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina). E-mail: .
2 Doutor em Direito Internacional Privado pela Universität zu Köln (Alemanha). Mestre em Direito Internacional
Privado pela Universität zu Köln (Alemanha), Mestre em Direito e Política da União Europeia pela Università
degli Studi di Padova (Itália). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Advogado e Árbitro. E-mail:
unochapeco.edu.br>.
3 Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Ciências Ambientais pela
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Professor permanente do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Líder
do Grupo de Pesquisa Direito, Democracia e Participação Cidadã. (Unochapecó). Membro da Rede de Pesquisa
Nanotecnologia, Sociedade e Ambiente (Renanosoma). Advogado. E-mail: .
691
Resumo:       
países membros do Reino Unido e deste com os demais países da Europa

e constante por direitos de cidadania. O tema é delimitado e problematizado a
        
inglês e sua necessária atenuação.
Licença CC BY:
Artigo distribuído sob
os termos Creative
Commons, permite
uso e distribuição
irrestrita em qualquer
meio desde que o
autor credite a fonte
original.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 692
Para tanto, o trabalho é divido em três partes partes: na primeira, trata-se da convivência entre

tais movimentos ideológicos. Em um segundo momento, delineia-se um estudo quanto ao movimento
   
 
 
por meio de uma perspectiva analítico-dedutiva, por meio da obtenção e da análise de trabalhos

Palavras-chave:       
Independência.
Abstract: 
       
whether they constitute a real and constant struggle for the rights of citizenship. The subject is


  
current scenario in which these ideological movements are inserted. The second outlines a study
      
third gives an analysis of the institutes of citizenship and nationalism, to see how they apply to the
recent phenomena. The data are appropriated through an analytical-deductive perspective, through
.
Keywords: Nationalism. Separatism and Independence.
Resumen: 

o si constituyen una lucha real y constante por derechos de ciudadanía. El tema es delimitado y

inglés y la necesaria atenuación. Para tanto, el trabajo es divido en tres partes: en la primera, se
   
y, el actual escenario en que se insertan tales movimientos ideológicos. En un segundo momento,
se delinea un estudio cuanto al movimiento separatista de Escocia y las actuales implicaciones del


recientes. La apropiación de los datos se da por medio de una perspectiva analítico-deductiva, por

las lenguas portuguesa e inglesa.
Palabras clave:       
Independencia.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
693
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Não constitui qualquer segredo que o relacionamento externo do Reino
Unido com os demais países da Europa (com destaque à União Europeia) e
interno com seus próprios países membros (com destaque à Escócia e ao País
de Gales) perpassa já há longos séculos por problemas de interação. E isso hoje
se acentua ainda mais com o duplo fenômeno proporcionado pela (re)discussão
quanto à sua separação da União Europeia por meio do movimento intitulado
Brexit, por um lado, e pela retomada de fôlego e de novos rumos ao movimento
de segregação da Escócia de seu corpo de países membros, de outro.
Por se tratar de um Estado Multinacional, nesse ínterim, o Reino Unido, em
especial a partir do século XX, vem enfrentando ondas ideológicas que possuem
         
cidadania, principalmente tendo em conta as crises identitárias e nacionais que
assolam o Estado atualmente, as quais evidenciam um conjunto de batalhas

poderão surgir do âmago dessa discussão.
          
relevância para o contexto jurídico-político-social hodierno, qual seja, o de saber

por outro lado, uma luta real e constante por direitos de cidadania. E, ainda
            
relevância quando pensados os impactos já reportados quanto à resposta a tais
       
demais movimentos originados no seio de demais sociedades.
Desse modo, com o objetivo de traçar esse estudo, assim como delimitando-
          
  
momento, faz-se uma breve abordagem quanto a um contexto relacionado à
         
as origens e o atual cenário em que se inserem tais movimentos ideológicos.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 694
Já em um segundo momento, por outro lado, delineia-se um estudo quanto ao
    
  

tais institutos e suas aplicabilidades aos fenômenos recentes.
Para tanto, o presente trabalho se utiliza de uma pesquisa de caráter
eminentemente teórico. A apropriação dos dados se dá por meio de uma
perspectiva analítico-dedutiva, através da obtenção e da análise de trabalhos
       
inglesa. Sua análise não busca esgotar materiais, até mesmo em virtude da
        

movimento relativo ao chamado Brexit.
Dito isso, necessário a um primeiro momento dar-se espaço a uma abordagem

que motivam os movimentos nacionalista e separatista escoceses. É o que se
passa a realizar a partir desse momento.
1 UM CONTEXTO ACERCA DA CONVIVÊNCIA ENTRE REINO UNIDO E
ESCÓCIA
O relacionamento do Reino Unido com a Europa é hoje seguramente um
dos mais complexos casos existentes do ponto de vista sociopolítico. Isso porque
         
formada por parte do Reino Unido, o que, nas palavras de Sam Wilson4, “tem
         
britânica”5.
Tanto assim é que, mesmo tendo sido o Primeiro-Ministro britânico, Winston
Churchill, um dos precursores da formação da hoje reconhecida União Europeia,
             
4 WILSON, Sam. Britain and the EU: a long and rocky relationship. BBC, abr. 2014. Disponível em:
com/news/uk-politics-26515129>. Acesso em: 20 jul. 2018. n.p.
5 Tradução própria de: “The United Kingdom’s relationship with the EU - or, in political parlance, “Europe” - has long
been one of the most divisive, emotive issues in British politics”.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
695
(1950), vindo a integrá-lo tão somente em 1973, após (segundo) requerimento
motivado pela percepção de que a integração econômica europeia estaria
incidindo no desenvolvimento de países europeus, com destaques para a França
e a Alemanha6. Integração essa que, assim não bastasse, já ao ano de 1975 fora
pela primeira vez questionada por meio de referendo popular, oportunidade

essa que agora se repete por meio do movimento intitulado Brexit – ou “Britain
Exit”, no neologismo britânico –, pelo qual em 2016 fora novamente posta
            
nesta oportunidade, com 72% de participação dos eleitores e 51,9% dos votos,
optou-se então pela separação7.
De qualquer forma, muito embora tal decisão tenha constituído maioria
perante o Reino Unido, esta não fora unânime. O Reino Unido – que se trata de um
Estado Multi(Pluri)Nacional composto por Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e
País de Gales – na verdade apresentou uma votação acirrada e regionalizada, cuja
fragilidade restou demonstrada por meio da apuração dos índices percentuais
de aprovação ao Brexit de 53,4% na Inglaterra, 38% na Escócia, 44,2% na Irlanda
do Norte e 52,5% no País de Gales8.
Dissenso que se acentua quando encarado do ponto de vista da Escócia,
posto que, além de ter encontrado na mesma o menor índice de aprovação ao
Brexit, hoje culmina na renovação e na ascensão de um novo movimento pela

6 WILSON, Sam. Britain and the EU: a long and rocky relationship. n.p.; FELD, Werner. Legal dimensions of British
entry into the European Community. Law and Contemporary Problems, v. 37, n. 02, p. 247-264, 1972, p. 249.
7 Após intensas campanhas, o Referendo de 23 de junho de 2016 encerrou-se com um percentual de 51,9%
(53,4% na Inglaterra, 44,2% na Irlanda do Norte, 38% na Escócia e 52,5% no País de Gales) a favor, contra
48,1% (46,6% na Inglaterra, 55,8% na Irlanda do Norte, 62% na Escócia e 47,5% no País de Gales) em objeção à

era do comunitarismo e da globalização. In: Anais do XXV CONPEDI, Curitiba, p. 202-221, 2016, p. 211.; REINO
UNIDO. The Electoral Commission. EU Referendum Result. Disponível em: .electoralcommission.

referendum-result-visualisations>. Acesso em: 25 mar. 2019, n.p.; BBC. EU Referendum Results. Disponível em:
. Acesso em: 25 mar. 2019, n.p.
             
comunitarismo e da globalização. p. 211.; REINO UNIDO. The Electoral Commission. n.p.; BBC. EU Referendum
Results. n.p.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 696
Movimento que vai de encontro ao Estado de Bem-Estar (Welfare State)
          
alteração considerável em suas ideologias subnacionais, como há que se
concordar com Stéphane Paquin9 e melhor se vislumbrará adiante.
         
histórico do relacionamento entre a Escócia e o Reino Unido – vale dizer, a
Inglaterra. Conforme consignado por Paquin10, muito embora recentemente, boa
        
para os Estados Territoriais, como o Reino Unido. Isso sob o argumento de que
 não somente o começo da era do Estado Territorial, mas
também sugeriu que somente a justaposição de comunidades políticas soberanas
eram viáveis e sozinhas garantiam ordem e segurança”11.
          
do advento da globalização, principalmente por meio do protagonismo dos
movimentos subnacionais através da paradiplomacia a nível internacional e do
declínio dos benefícios de pertencimento a um Estado Territorial em virtude da
força desempenhada pelos laços culturais. Ainda mais em territórios como a

       
passa então a ter cada vez mais espaço em relação a uma identidade britânica.

se tornem cada vez mais frágeis12. No entanto, independentemente de tais
consensos, a constituição e a manutenção de um Estado Multinacional

Reino Unido e Escócia ou Espanha e Catalunha, por
via de exemplo. E no caso da Escócia, seus laços de união com o Reino Unido
     
não mais ocorra.
9 PAQUIN, Stéphane. Globalization, European Integration and the Rise of Neo-Nationalism in Scotland. Nationalism
and Ethnic Politics, v. 8, n. 1, p. 55-80, 2002, p. 55-59.
10 PAQUIN, Stéphane. Globalization, European Integration and the Rise of Neo-Nationalism in Scotland. p. 56.
11 Tradução própria de: “This system meant not only the start of the territorial state era, it also suggested that only the
juxtaposition of sovereign political communities was viable and alone it ensured order and security”.
12 PAQUIN, Stéphane. Globalization, European Integration and the Rise of Neo-Nationalism in Scotland. p. 56-57.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
697
Diferentemente do processo histórico que permeia o caso da Catalunha –
o qual se resume em medidas com escopo de taxação oriundas de sua derrota
contra a Espanha, o que acabou com um governo e uma língua catalã, assim
       
–, o caso da Escócia envolve nada mais do que uma imposição gerada pela sua
incapacidade de derrotar os grandes poderes dos séculos XVII e XVIII13.
Embora sendo considerada aos limiares do século XVII como um Estado
pequeno e relativamente consolidado, a Escócia era uma personagem frágil
perante o cenário geopolítico contencioso que caracterizava o início da Europa
moderna. Seu comércio era fraco e destituído de um império que o enriquecesse.
E sua condição de Estado autônomo em aliança com a França e a Espanha – rivais
católicos declarados da Inglaterra – em nada agradava a coroa inglesa, posto
que representava uma ameaça veemente à monarquia protestante14.
A partir disso, a coroa inglesa, mesmo tendo conseguido formar a partir
de 1603 uma união com a coroa escocesa – união que considerava instável –,
motivou-se na busca de medidas mais efetivas: o que veio a se concretizar em
1707, com o pacto formado por meio do Ato de União (Act of Union). Tratado

coroa inglesa à falha escocesa com o Projeto Darien15, a qual teria condicionado
sua prestação à aplicação de uma roupagem política à união iniciada em 1603 e
à consequente criação do Reino da Grã-Bretanha16.
13 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. New

14 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 16-
20.
15 O Projeto Darien foi um projeto empreendido pelos escoceses pela criação de uma nova rota alternativa para o
   
independente, ao feroz mercantilismo europeu. A partir disso, muito embora não tenham obtido apoio de outros
      
 
 
comerciais, a manutenção da colônia se tornou insustentável. O mercado escocês sofreu um forte impacto. E o
         

ou Tratado de União. Vide: HARVIE, Christopher. Scotland:
p. 110-113.
16 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 16-
20.; HARVIE, Christopher. Scotland: a short history. p. 110-113.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 698

representou um benefício para a mesma no âmbito econômico. Tanto assim é
que a Escócia se tornou um Estado com uma base industrial forte e transatlântica,
tendo a circulação de pessoas por entre toda a Grã-Bretanha proporcionado
uma nova abertura de horizontes, principalmente aos mais jovens, possibilitando
o surgimento de grandes nomes intelectuais a partir do chamado “Iluminismo
17.

como demais parceiros, perdido campo para a expansão da Cidade de Londres.

partir da visão de um novo caminho para uma Escócia independente em virtude
do petróleo como um potencial substituto para o produto comercial do império.
18,
é um caso hoje continuamente estudado, mas difícil de visualizar.
Seja como for, todo esse percurso histórico revela uma questão elementar
          
a questão de que, assim como ocorrera com a Catalunha, a Escócia e demais
integrantes do Reino Unido hoje possuem o diferencial de ainda terem em seu
    

no caso da Espanha e sua tentativa de extinção da nação catalã – ou nem mesmo
enfrentaram tentativas de abolição – como no caso do Reino Unido19
17 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 19.
18 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 19.
19 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 20.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
699

possuem um histórico de presença forte na região. A história desde há muito
      
contra a Lei Negra, ilustrada detalhadamente na obra “Senhores e Caçadores”,
de E. P. Thompson20pelo autor
na sua noção quanto ao “domínio da lei”, pela qual manifesta – não obstante à
profundidade de seu conceito – que a lei, principalmente durante o século XVIII,
        
ideologicamente uma forma de legitimar esse controle. Mas não somente isso.
Para Thompson, a lei não era simplesmente uma forma de poder de classes,
mas também um fenômeno complexo e contraditório, pelo qual a própria classe
dominante também passava a ser limitada pelos ditames da lei21.

nomenclatura “Tratado de União” (Treaty of Union) em lugar de “Ato de União”
(Act of Union), para ilustrar sua junção aos ingleses aos idos de 1707. Atitude
22, do que o entendimento de que, ao
contrário do que pensam os ingleses, o acordo é na verdade a concretização de
uma parceria – e não uma união – entre os Estados. Pelo motivo, portanto, de
que, como anteriormente já levantado, o acordo é o produto de uma imposição
realizada pela Inglaterra e não um ato aceito por espontânea vontade. A união é

sobre a soberania independente de seu Estado.
20 No tocante à Lei Negra, muito embora contemporaneamente seu nome assim o sugira, esta não possui qualquer

Lei Negra se trata de um estatuto decretado na Inglaterra aos idos de maio de 1723, objetivando a instituição de
diversos delitos contra movimentos populacionais que, geralmente armados e com os rostos pintados com tinta

delitos, aos quais, em sua grande maioria, era aplicada a pena capital. E como bem destaca Fortes a partir da

dos direitos de propriedade”, resgatando “os Negros de Whaltam da condição de quadrilha de criminosos (a
            
Vide:
THOMPSON, Edward Palmer. Senhores & Caçadores: a origem da Lei Negra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
História Social, Campinas, n. 2, p.
89-111, 1995, p. 91.
21 THOMPSON, Edward Palmer. Senhores & Caçadores: a origem da Lei Negra. p. 297-384.
22 GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland and Catalonia. p. 18-
19.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 700
      
bem estudados no próximo tópico deste trabalho. No entanto, é possível desde
         
     são exemplos. Muito embora, como já
ressaltado a partir de uma visão própria em trabalhos anteriores23, a soberania
  
seus pressupostos básicos24 –, é inegável que, mesmo sendo simbólico, seu
poder é respeitado no nível internacional e tido como um dos fundadores do
Estado-Nação. Isso além de ainda, certamente, representar algo importante
também para o nível interno, posto que por muitas vezes é no nacional que se
25.

presença importante na história e no contexto político-social. Como bem destaca
26

secularização da lei a partir da colocação do homem como sua fonte, além da
colocação de tais direitos como inalienáveis, irredutíveis e indeduzíveis de outras
leis e direitos. Não geraria dúvidas, dessa forma, que a questão nacionalista
invocasse pelos mais diversos motivos à aplicação desses direitos. Ainda mais
como discussão que trata precipuamente de grupos humanos.
23 Cf. KADES JUNIOR, Clemir José. 
diante de colisões jurisdicionais entre os Estados Brasileiro e Inglês     

24 É consenso que a formação dos Estados Modernos, dotados de soberania, se deu a partir do acordo de paz de
Westfália de 1648. Entretanto, o conceito hoje quase unanimemente utilizado para a conceituação de soberania
prové
como “o mais alto, absoluto, e perpétuo poder sobre os cidadãos e sujeitos em uma Comunidade [República]”, ou
seja, que um ente soberano é aquele que não se submete a uma lei superior à sua, somente possuindo limites na
lei natural ou de deus (absoluto) e não se encontra centrado nas mãos de um príncipe, jamais sendo transitório,
mas atemporal (perpétuo). Vê-se, portanto, que, para que um ente seja soberano, na visão de Bodin, este deve

limitados por normas de Direito Internacional que limitam seu campo de liberdade e atuação, tais como tratados
internacionais e diretrizes de Direitos Humanos. Com isso, percebe-se que a soberania nada mais é do que uma

demais personagens internacionais. Ficção que pode vir a mudar acaso um novo conceito de soberania seja
Vide: BODIN, Jean. The six bookes of a Commonwale. Londres:
Adam Islip, 1606, p. 84.
25   Novos Estudos, n.
49, p. 33-46, 1997, p. 33ss.
26 ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução de
Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 324-336.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
701

de indiferença com o Reino Unido, em especial com a Inglaterra. Cohen27
pertinentemente destaca que seria razoável ao observador arguir que a

         
União em 1707. No entanto, seria possível ir além, rememorando inclusive as
batalhas enfrentadas já aos idos dos séculos XIII e XIV por William Wallace na

ao entendimento de tal fenômeno é justamente a análise quanto à natureza

dos impactos que o Brexit oferece e ainda poderá oferecer à expansão desse
        
junto ao âmbito e ao ponto de vista da Escócia.
2 O MOVIMENTO SEPARATISTA ESCOCÊS E A COLABORAÇÃO DO
BREXIT PARA A SUA EXPANSÃO
Como já se pôde perceber, o Reino Unido é reconhecido pela presença em
seu âmago de uma gama de movimentos ideológicos: a Inglaterra com a sua
destituição de identidade pela Europa; a Escócia com seu nacionalismo e luta por
sedimentação como Estado forte e independente; e até mesmo movimentos sociais
     ânica como movimentadores de debates

marcam presença nesse viés regional aqui discutido.
O que ressalta à visão, porém, – de mesmo modo que perfaz o tema central
         

escopo de manifesto contra o interesse do Reino Unido na sua retirada da União

de, é há anos posta
em pauta pela Escócia e gera curiosidade quanto aos seus verdadeiros objetivos.
27 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. American Ethnologist,
v. 23, n. 04, p. 802-815, 1996, p. 802ss.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 702
Nesse sentido, conforme destaca Waele28, “ao redor do mundo, movimentos
independentistas e separatistas estiveram presentes por quase tanto tempo
quanto políticas desenvolvidas se tornaram um fato da vida [...]. Na era moderna,
o seu surgimento e crescimento é intimamente conectado com o declínio dos
poderes coloniais”29. De fato. E pode-se dizer que a Escócia, como já dito e visto,
constitui um bom exemplo de perseverança e de renovação de seus movimentos
independentistas e separatistas.
Conforme já salientado, movimentos escoceses patriotas e de oposição à
Inglaterra já há muito são registrados. Tem-se aqui o patriotismo de William
Wallace aos idos dos século
    


   
imposição ao Ato de União em 1707 e a consequente extinção do parlamento
da Escócia, o que motivou novos movimentos de restituição (devolução)
parlamentar e sua concretização em 199930. Mas o que motiva esse novo

Se analisados com profundidade os estudos referentes ao nacionalismo
            
fenômeno ímpar. Isso porque já da análise de alguns nacionalistas escoceses
          
nacionalismo se distanciam de outras geralmente expostas. Conforme destaca
Cohen31, nesse ínterim:
28 WAELE, Henri de. Disintegration from within: independence and separatist movements, the EU response and
the role of solidarity. InSolidarity in the European Union: a
fundamental value in crisis. Suíça: Springer, 2017. p. 119-129, p. 120.
29 Tradução de: “Across the world, independence and separatist movements have been around for almost as long as
developed polities became a fact of life […]. In the modern era, their rise and growth is intimately connected with
the decline of colonial powers”.
30 HARVIE, Christopher. Scotland: a short history. p. 07-10.; ABELL, Jackie; CONDOR, Susan; STEVENSON,
    
Scotland and in England. Political Psychology, v. 27, n. 02, p. 207-226, 2006, p. 208-209.
31 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. p. 804.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
703
O trabalho publicado de alguns proeminentes nacionalistas escoceses
claramente distancia sua própria concepção de nacionalismo de outras
formas nas quais o mesmo termo foi e é aplicado. Por exemplo, um autor


legal e político Neil MacCormick, argumenta que, enquanto expressão
política da identidade nacional, a nacionalidade é uma questão básica e

de nacionalidade é para muitas pessoas em parte constitutivo de seu senso de
identidade e até mesmo de individualidade, então o respeito por esse aspecto
de sua individualidade é tão incumbente quanto o respeito por qualquer
outro” [...]. Em meus termos, ele argumenta que o direito à nacionalidade é
entalhado no direito de identidade própria32.
Mas se prima facie Cohen33      
forma rasa assim se apresenta, vinculando o indivíduo com sua nação – essa
comunidade cultural com relevância política, dotada de um poderoso senso de
herança compartilhada entre os seus nacionais – e se sustentando na base da
identidade nacional; na realidade, na Escócia isso se dá de maneira mais profunda,
revelando duas vertentes de fundamental relevância, quais sejam: o nacionalismo
individual (pessoal e personalizado) e o nacionalismo político. Duas vertentes
          

Enquanto o nacionalismo pessoal se trata de uma construção personalizada
da nação por cada indivíduo, o nacionalismo político de caracteriza como uma
construção de ordem genérica formulada por políticos que buscam alcançar o
maior número possível de indivíduos – ainda mais na Escócia, que se trata de um
32 Tradução de: “The published work of some prominent Scottish nationalists clearly distances their own conception of
nationalism from other forms to which the same term has been and is applied. For example, one such writer makes
the interesting, if familiar, argument that nationalism provides the necessary precondition for internationalism […].
Another, the eminent legal and political philosopher Neil MacCormick, argues that, as the political expression
national identity, nationhood is a basic and fundamental a matter as the right to self-determination: ‘if, as I claim,
a sense of nationality is for many people constitutive in part of their sense of identity and even of selfhood, then
respect for this aspect of their selfhood is as incumbent as respect for any other’ […]. In my terms, he argues that
the right to nationhood is entailed in the right to self-identity”.
33 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. p. 804-806.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 704
país de enorme heterogeneidade e pluralidade tanto étnica quanto linguística e
religiosa. O grande problema é que, ao passo em que o nacionalismo individual
personalizado passa por despercebido até mesmo aos indivíduos, o nacionalismo
político trabalha por meio de uma negação a esse primeiro34.
Ou seja, ao turno em que o nacionalismo pessoal tende a se tornar
cada vez mais local e deslocado internamente, primando por laços culturais;
o nacionalismo político tende a tornar-se cada vez mais geral e centralizado
             

oposição historicamente construída entre Escócia e Inglaterra. Oposição que é
fundamento expressamente refutado pelos nacionalistas políticos escoceses
  
(SNP, na sigla original35) –, que sustentam seu discurso não nessa aversão, mas
sim no argumento de identidade36.
Mas, se dessa maneira o nacionalismo, para além do político, se trata de
        
    
realizada por Condor e Abell37, que, por meio de pesquisa empírica concretizada

como os sujeitos interpretam sua história nacional e constroem seu nacionalismo.
Uma pesquisa que vai para além do senso comum teórico e trabalha com o
ideário pós-devolutivo de uma diferenciação mais sensível entre indivíduos
ingleses, escoceses, galeses e britânicos.
Segundo se extrai, muito embora baseados em uma mesma história, ingleses

           
estudo demonstra de maneira extremamente adequada essa realidade já em
seu título, ao qual pertinentemente dá nome a uma Escócia romântica, uma
34 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. p. 804-806.
35 Sigla de “Scottish National Party”.
36 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. p. 804-806.
37 CONDOR, Susan; ABELL, Jackie. Romantic Scotland, tragic England, ambiguous Britain: constructions of ‘the
Empire’ in post-devolution national accounting. Nations and Nationalism, v. 12, n. 03, p. 453-472, 2006, p. 453ss.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
705
Inglaterra trágica e uma ambígua Grã-Bretanha. Isso porque já ao recolhimento
dos dados da pesquisa se pôde de plano perceber uma variedade de discursos
variavelmente destoantes38.
Enquanto na Escócia ainda existem grandes clamores pessoais a um orgulho

           
britânico, mas sempre de forma a ressaltar o papel fundamental da Escócia,
em especial na evolução desse sistema –, na Inglaterra se extrai o oposto. Ao
contrário da primeira, com os ingleses se assume uma interpretação de arquétipo
trágico quanto a sua história, em especial no tocante ao império britânico, ao
qual não atribui qualquer papel à Escócia – com exceção de vítima passiva do

xenofobia e os diferenciar do nacionalismo, como os escoceses seguidamente o
fazem, os ingleses simplesmente ilustram o imperialismo como o produto de um
nacionalismo incontrolado39.
Ainda mais, percebe-se da leitura desta pesquisa o quão inegável é a oposição

que o auge desse percebimento se dá na leitura das entrevistas de diferentes
nacionais escoceses e ingleses, pelas quais, enquanto alguns desses primeiros
   

grupo ressaltavam a irrelevância da Escócia e de uma identidade local, assim
como a grandeza da Grã-Bretanha e do Reino Unido. Inclusive em alguns pontos
ressaltava-se a ousadia da Inglaterra em assumir a liderança britânica e auferir
comandos em diferentes países aos quais não pertencia40.
De um modo ou de outro, muito embora já passado pouco mais de uma
década a partir da realização dessa pesquisa, todo o exposto ilustra que o
nacionalismo na Escócia é algo muito forte seja em qualquer época em que for
38 CONDOR, Susan; ABELL, Jackie. Romantic Scotland, tragic England, ambiguous Britain: constructions of ‘the
Empire’ in post-devolution national accounting. p. 453ss.
39 CONDOR, Susan; ABELL, Jackie. Romantic Scotland, tragic England, ambiguous Britain: constructions of ‘the
Empire’ in post-devolution national accounting. p. 453-465.
40 CONDOR, Susan; ABELL, Jackie. Romantic Scotland, tragic England, ambiguous Britain: constructions of ‘the
Empire’ in post-devolution national accounting. p. 453-465.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 706
analisado. Na realidade, o nacionalismo em si é uma força com representatividade

mesmo possui suas particularidades.
Como Waele41 interessantemente pontua, “na virada do último século,
a ameaça representada pelos movimentos independentistas e separatistas
pareciam mais imaginários do que reais”42. Não é para menos que se tenha
essa opinião. Além de esses movimentos não possuírem muita efetividade
   
autor, é certo que o nacionalismo, nas palavras de Appadurai43 e Cohen44,
se trata de um elemento diretamente coligado ao conceito de nação e
identidade territorial. Conceito que, por sua vez, de nada mais se trata do
que de uma comunidade política imaginada45. Ou seja, algo que permanece
nos imaginários de seus conterrâneos46.
Tanto assim é que a própria Escócia possui em sua história contextos muito
claros de uma nação tradicional imaginada, a exemplo do clássico caso da
          
em sua cultura tradicional e identitária o Kilt e a Gaita de Foles. Símbolos que
são a herança de “montanheses de má índole” e eram há até não muito tempo
combatidos pela própria nação es
barbarismo e um inconveniente para uma Escócia histórica e civilizada47. Seja
como for, os movimentos nacionalistas (separatistas e independentistas) estão
tomando, principalmente durante as últimas décadas, uma grande presença no
ambiente global. E, ainda mais, suas estruturas ideológicas e de atuação estão
41 WAELE, Henri de. Disintegration from within: independence and separatist movements, the EU response and the
role of solidarity. p. 119.
42 Tradução de: “At the turn of the last century, the threat posed by independence and separatist movements seemed
more imaginary than real”.
43 
44 COHEN, Anthony P. Personal nationalism: a Scottish view of some rites, rights and wrongs. p. 804.
45 Imaginada, por que sua noção de comunidade permanece no intelecto dos mais diversos indivíduos que jamais se
conhecerão. Limitada, porque se encontra obstada por fronteiras territoriais a partir das quais tomam forma outras
nações. Soberana, porque é secular, porque emerge como uma revolução iluminada pautada por um poder livre
de uma estrutura hierárquica religiosa. Uma comunidade, porque, a despeito das desigualdades que surgem em
seu âmago, é concebida como uma estrutura profunda e horizontal, aonde todos são considerados membros de
igual identidade. Vide: ANDERSON, Benedict. Imagined Communities:   
nationalism. 3. ed. Londres: Verso, 2006, p. 05-07.
46 ANDERSON, Benedict. Imagined Communities:
47 TREVOR-ROPER, Hugh. A invenção das tradições: a tradição das Terras Altas (Highlands) da Escócia. In:
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. 6. ed. Tradução de Celina Cardim
Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. p. 25-52, p. 25-52.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
707
         
movimentos representativos de um Estado-Nação, esses passam agora a enfrentar

a União Europeia) e dos Estados Multi(Pluri)nacionais (como o Reino Unido),
em que passam a não mais simplesmente ocuparem o status de Estado-Nação,
mas de Estado-Membro48. E até mesmo o Estado de Bem-Estar Social (Welfare

hoje em uma fase de ruptura.
Muito embora se diga que o Welfare State tenha exercido um papel
importante de criação nacional a partir da promoção de uma solidariedade e
de um senso de pertencimento a uma nação britânica, em especial durante o
pós-guerra de 1945 adiante, o mesmo atualmente se encontra comprometido
em virtude dos vários clamores políticos por identidade nacional – muitos dos
quais surgidos após o início dessa ruptura49. A
contribuiu fortemente para esse declínio. A “saída do Estado Keynesiano de
       


a identidade escocesa e as prioridades políticas escocesas”50. E em se tratando de

o Reino Unido hoje guarda em seu âmago um Estado de Bem-Estar complexo e
dotado de múltiplas ideologias51.
E agora, com o resultado do Referendo de junho de 2016 e a comunicação de
março de 2017 pelo Reino Unido à União Europeia quanto a sua retirada do bloco
  

48 PAQUIN, Stéphane. Globalization, European Integration and the Rise of Neo-Nationalism in Scotland, p. 55ss.;

citizenship, civil society, and national identity in Scotland and in England. p. 209.
49 MCEWEN, Nicola. State Welfare Nationalism: the territorial impact of Welfare State development in Scotland.
Regional & Federal Studies, v. 12, n. 01, p. 66-90, 2002, p. 86-87.
50 Tradução de: “             

”.
51 MCEWEN, Nicola. State Welfare Nationalism: the territorial impact of Welfare State development in Scotland. p.
86-87.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 708
52 – encontra novos

uma nova oportunidade a partir do Brexit53. Não muitos dias após a divulgação
do resultado positivo ao referendo relativo ao Brexit, a Primeira Ministra
escocesa, Nicola Sturgeon, manifestou interesse expresso na realização de um

inaceitável que a Escócia, que manifestou voto negativo ao Brexit, seja obrigada
a se retirar da União Europeia. 

novo pedido pela realização de um plebiscito, o qual atualmente se encontra
     

   
hora de nos aproximarmos como um Reino Unido”54.
De um modo ou de outro, mesmo tendo sido ressaltado ainda ao movimento
de 2014 que a saída da Escócia também representa sua separação da União
Europeia, necessitando receber o aval de todos os membros dessa última por
meio do procedimento do artigo 49 do Tratado da União Europeia para que possa

conta com o apoio de ao menos 58% de sua população.
52          
retirada do Reino Unido, oportunidade em que sofrera uma derrota de 55% de seus eleitores. Vide: SILVA,
          Revista Jurídica da
Presidência, Brasília, v. 19, n. 117, p. 98-124, 2017, p. 117-118.; BERCITO, Diogo. Escócia solicita formalmente
novo plebiscito de independência. Folha de São Paulo, mar. 2017. Disponível em:
mundo/2017/03/1871484-escocia-solicita-formalmente-novo-plebiscito-de-independencia.shtml>. Acesso em: 25
set. 2018, n.p.
53             
BERCITO, Diogo. Escócia solicita formalmente novo plebiscito de independência. n.p.
54             
BERCITO, Diogo. Escócia solicita formalmente novo plebiscito de independência. n.p.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
709
A despeito das críticas e das tentativas frustradas de impedimento ao
Brexit – como a tentativa falha de inserção ao referendo de uma cláusula pela
necessidade de aprovação por cada país em vez de um voto uno –, o movimento
separatista atual continua se sustentando. Inclusive no cenário atual, ao qual
Sturgeon já demonstrou a busca por uma interação conjunta entre partidos55.
 
Renova-se e desperta certa curiosidade quanto ao seu índice de sucesso, sua
repercussão e seus impactos. Além, é claro, da questão de se esse movimento
desperta em seu âmago uma luta por direitos vinculados à sua cidadania ou tão
somente uma batalha em prol de seu nacionalismo – o que é objeto deste trabalho.
Dessa maneira, para que seja possibilitada uma correta análise desse problema,
fundamental uma sucinta abordagem quanto à natureza e à

concretizar uma tentativa de saneamento desse quesito.
3 CIDADANIA E NACIONALISMO
Cidadania e nacionalismo, ou mesmo cidadania e nacionalidade, são
institutos que, ao decorrer dos tempos, são constantemente confundidos, por
vezes até mesmo tratados como casos sinônimos ou análogos. No entanto,
não obstante às suas particularidades, suas diferenças por vezes os aproximam

em um mesmo Estado Multinacional e Multicultural se encontram diferentes
vertentes de identidade nacional, de identidade étnica e até mesmo de

Como pertinentemente destacam McCrone e Kiely56, no caso do Reino
Unido, quando questionados quanto às suas nacionalidades ou mesmo
suas cidadanias, muitos iriam se identificar como britânicos ou mesmo
europeus – dado ao pertencimento ainda vigente do Reino Unido à União
Europeia. Os não ingleses, porém, tendem a se identificar com suas próprias
55             
BERCITO, Diogo. Escócia solicita formalmente novo plebiscito de independência. n.p.; CARRELL, Severin.
   The Guardian, set. 2017. Disponível em:

independence-vote>. Acesso em: 25 set. 2018, n.p.
56 Sociology, v. 34, n. 01, p. 19-34, 2000, p. 19-21.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 710
nacionalidades, como os escoceses e os galeses, em particular. Alguns ainda
poderiam responder de forma diferente ao variar de suas idades. Outros,


57s
  
constantes mudanças ao longo dos anos e que, além disso, foram interpretadas
e aplicadas de diferentes formas. Enquanto a nação repousa em um sentimento
          
e linguagens comuns, implicando em uma soberania de seus integrantes; o

se baseia no reconhecimento do indivíduo e, atualmente, na ideia de separação
entre Estado e nação.
De um modo ou de outro, o próprio Touraine58, já na introdução de seu
escrito, reconhece a vinculação histórica entre esses institutos. Em especial
       
Estados Unidos e na França, como uma comunidade de cidadãos, como uma
sociedade política que confere uma expressão prática aos direitos universais
ao transformar liberdade, igualdade e justiça, em leis e reformas”59. E como
se pode perceber, essa ideia é ainda sustentada pelas palavras de McEwen60,
 públicas no

o que a nação representa, o sentimento de pertencimento a um Estado Nacional
pode ser reforçado pelo reconhecimento substantivo dos direitos da cidadania
que adereçam as necessidades social e econômica”61.
57 TOURAINE, Alain. Nation, nationalism and citizenship. European Review, v. 03, n. 04, p. 273-286, 1995, p. 273ss.
58 TOURAINE, Alain. Nation, nationalism and citizenship. p. 273.
59 Tradução de: “The idea of nation has been created in Holland and Britain, in the United States and France, as a
community of citizens, as a political society which gives a practical expression to universal rights by transforming
freedom, equality and justice, into laws and reforms”.
60 MCEWEN, Nicola. State Welfare Nationalism: the territorial impact of Welfare State development in Scotland. p.
67.
61 Tradução de: “while justifying public policy in the name of ‘the nation’ presupposes a shared national understanding
of who and what the nation represents, the sense of belonging to a national state can be reinforced by the substantive
recognition of citizenship rights which address social and economic need”.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
711


Grego antigo, por intermédio do conceito de virtude cívica. Isso perpassando
pela civis (status civitatis) no Direito Romano; pela Respublica Christiana na Idade
Média; pela abordagem de grandes pensadores durante o Renascimento e o
Iluminismo; pela tomada de novas medidas por meio da Revolução Francesa;
pela implicação de fortes abalos ao instituto a partir de seu esvaziamento pelo
Code Napoleón; pela retomada de fundamentos durante a transição entre a
Revolução Americana e o Estado Liberal; e, atualmente, pela idealização de

Immanuel Kant – com o que Adela Cortina62
do mundo63. Mas o instituto da cidadania passa a realmente tomar seus atuais

séculos atrás que passa a transcorrer uma evolução acentuada da cidadania

aos Direitos Civis no século XVIII (direitos necessários à liberdade individual),
aos Direitos Políticos no século XIX (direito de participar no exercício do poder
político) e aos Direitos Sociais no século XX (direitos mínimos de bem-estar e
participação na herança social). No entanto, pode-se dizer que o verdadeiro

    
dos Direitos Civis do indivíduo – se deu a partir do século XVII, com a chamada
Revolução Inglesa (ou Revolução Gloriosa), evento de ordem puramente
64.
Nesse contexto, muito embora a Revolução Gloriosa tenha se caracterizado
por uma luta por uma cidadania excludente – levando em consideração somente
os proprietários de terras –,     e foi um primeiro e

somente o dever de prestar. Os fundamentos universais da cidadania liberal
62 CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005.
63 DAL RI JÚNIOR, Arno. História do Direito Internacional: comércio e moeda; cidadania e nacionalidade.

64 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. InHistória
da Cidadania            
Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 63-75; ODALIA, Nilo. A liberdade como meta
coletiva. InHistória da Cidadania
p. 158-169, p. 159ss.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 712
(igualdade perante a lei) constituíram os imperativos para as lutas seguintes.
Isso posto que, trazendo a necessidade de inclusão histórica dos despossuídos
e o tratamento igualitário aos iguais e não igualitário aos desiguais, os mesmos
fundamentaram as lutas por igualdades políticas e sociais arguidas durante os
séculos até então vindouros65. Seja como for, o processo histórico que permeou
a construção dos direitos da cidadania durante os séculos XVIII a XX – não
obstante à profundidade com que o autor o trabalha, mas considerando a
limitação do presente estudo – é pertinentemente resumido por Marshall66 da
seguinte forma:
Até o momento, meu objetivo se resumiu em traçar, de modo resum-

 
político e social. Tentei demonstrar que os direitos civis surgiram em
primeiro lugar e se estabeleceram de um modo um tanto semelhante
à forma moderna que assumiram antes da entrada em vigor da primei-
ra Lei de Reforma, em 1832. Os direitos políticos se seguiram aos civis,
e a ampliação deles foi uma das principais características do século
XIX, embora o princípio da cidadania política universal não tenha sido
reconhecido senão em 1918. Os direitos sociais, por outro lado, quase
que desapareceram no século XVIII e princípio do século XIX. O res-
surgimento destes começou com o desenvolvimento da educação
primária pública, mas não foi senão no século XX que eles atingiram
um plano de igualdade com os outros dois elementos da cidadania.
A grande questão que ressalta à visão, porém, é a explicação que o autor
dá para o termo cidadania e sua aplicabilidade. Segundo explica, a cidadania
se trata de um “status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade”. Uma condição que confere a todos os seus possuidores uma


em que esse status se aplique, podendo ser baseada em um conjunto de ideias,

as semelhanças de constituição de ambos os institutos67.
65 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. p. 130-131.
66 MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. p. 75.
67 MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. p. 75-76.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
713
Já no tocante aos campos da nação e do nacionalismo, o próprio
68, em trabalho dedicado à matéria, indica que várias foram as
tentativas ao longo dos anos de se conferir um conceito para a nação. No
entanto, os elementos objetivos que a ela eram atribuídos – como língua,
etnicidades ou qualquer outro – sempre foram ambíguos, mutáveis, opacos
e inúteis em si mesmos. E nem mesmo a aplicação de elementos subjetivos
funcionaria, posto que isso a elevaria ao caso de um voluntarismo extremo

pelos quais não há como reduzir a nação a uma dimensão única ou uma
 a priori, mas somente a posteriori. De um modo ou de outro, as
           
nacionalismo – ou princípio que sustenta que a unidade política e nacional deve
ser congruente – construído no âmbito de um Estado. São, digam-se, fenômenos
considerados duais, “construídos essencialmente pelo alto, mas que não podem
ser entendidos a não ser que analisados por baixo, ou seja, em termos de

que não são necessariamente nacionais e ainda menos nacionalistas”69.
Assim como a nação, nesse ínterim, o nacionalismo também se trata
       a priori. Entretanto, hoje
se vislumbra que o nacionalismo tem se tornado, principalmente a partir
do século XX, cada vez mais presente no cenário global. Isso ainda mais
   
crescimento de movimentos separatistas com o poder de colapsar Estados-
   
      
XX mera especulação, agora demonstram uma força com potencial alto de
concretização (uma possibilidade realista)70.
68 HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality. 2. ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 2013, p. 01-03.
69 Tradução de: “constructed essentially from above, but which cannot be understood unless also analysed from
below, that is in terms of the assumptions, hopes, needs, longings and interests of ordinary people, which are not
necessarily national and still less nationalist”. Vide: HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780:
programme, myth, reality, p. 01-03.
70 HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality. p. 163-192.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 714
E isso de nada mais se trata do que uma angústia e uma desorientação
que encontram uma expressão na busca por pertencimento e identidade política
     
em análise, na verdade, trata-se da força criadora de uma ilusão de uma nação e
um nacionalismo “como uma força emergente irresistível pronta para o terceiro

princípios de criação estatal se desvincularam de uma autodeterminação nacional
      
uma revolução e uma intervenção de poderes exteriores71.
     
baseado nas ideias de Appadurai7273, o nacionalismo hoje,

    
      
ideologia territorial e internacionalista. É, a bem da verdade, o caso da Escócia e
do Reino Unido; caso no qual este primeiro – não obstante aos seus sentimentos


Seja como for, esse fenômeno que circunda o caso da Escócia com o Reino
Unido revela algumas particularidades interessantes. Muito embora o conceito

serem proporcionadas e cumpridas pelo Estado de Bem-Estar (Welfare State)74,
até mesmo esse último, que possui aplicabilidade no Reino Unido, hoje se
encontra em colapso. Ruptura provocada especialmente pelo crescimento de
um nacionalismo que, no caso da Escócia, é histórico, mas que constantemente
75.
71 HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality. p. 163-192.
72 
73 HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality. p. 179.
74 Nesse sentido, conferir o trabalho de Adela Cortina no tocante à cidadania social, Estado de Bem-Estar e Estado
de Justiça, o qual se encontra consignado ao terceiro capítulo de seu livro “Cidadãos do Mundo: para uma teoria
da cidadania”.
75 CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. p. 51-76.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
715

     status legal, moral e identitário
        
serem implementados em sociedades nas quais haja certa quantia de injustiça
e desigualdades. Acentua-se ainda mais em sociedades multiculturais, nas quais
76.
Como já vem sendo ressaltado ao longo dessa análise, o Reino Unido
em si possui suas particularidades identitárias e ideológicas reconhecidas
          

movimentos nacionalistas na busca por tanto um Reino Unido como uma Escócia
independentes. Os motivos que fomentam tais movimentos são diversos, a
variar conforme o ponto de vista e do discurso. Mas fato é que, hodiernamente,
sejam quais forem os motivos ou as batalhas enfrentadas por tais movimentos,
          
fronteiras nacionais de tais sociedades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: CIDADANIA OU NACIONALISMO?
J     
entre Reino Unido e Escócia – assim como o relacionamento entre Reino Unido
e Europa – constitui um dos casos mais complexos perante os pontos de vista
jurídico, político e sociológico. O próprio Reino Unido é reconhecido pela
sustentação de vários movimentos ideológicos em seu bojo. E a questão que
mais envolve tais dissonâncias existentes nesse aspecto regional tem vinculação

É de fato curioso o caso que permeia tal relacionamento. E o histórico
relacional entre o Reino Unido e a Escócia é claro ao demonstrar os motivos
  

mesma aos idos do século XVIII, mais precisamente ao ano de 1707, compelida a
76 CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. p. 139-170.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 716
se unir com a Inglaterra como forma de percebimento de um auxílio econômico.
União que representou para a Escócia uma derrota no quesito autonomia e
acabou por culminar na extinção de seu próprio Parlamento.
    
movimentos – o que aqui não se discute –, é possível hodiernamente perceber que
são vários os discursos que os permeiam. Discursos inclusive estratégicos, como
a latente divisão de discursos nacionalistas pessoais e políticos amalgamados
na sociedade e  
          
ideologia não necessariamente honesta, mas voltada ao maior número de
eleitores possíveis. Ainda mais em um país multicultural como é a Escócia.
   

            
sentimento de pertencimento. Elementos objetivos que, além de se revelarem


nação e muito menos uma cidadania. Elemento este último que, vale dizer, muito

como os discutidos.
E nesse sentido há que aqui novamente prestar destaque ao fato de que,
muito embora o conceito de cidadania social, histórica e sociologicamente

a capacidade de serem proporcionadas pelo Estado de Bem-Estar (Welfare
State) que se instaura na estrutura organizacional britânica, até mesmo esse

de um nacionalismo forte e uma força motivadora a movimentos separatistas
e independentistas que se instalam nesse ambiente, revelando a fragilidade
soberana dos Estados.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
717
De qualquer forma, apesar de se vislumbrar perante o Reino Unido uma
         
   
– agora procurando dar resposta ao problema que circunda esse estudo – que
essa não é necessariamente a luta que se instala perante a discussão separatista
entre Reino Unido e Escócia. Na realidade, o que se vislumbra ao momento é
uma mera questão nacionalista.
Já há anos a Escócia tem colocado em sua agenda uma luta por

 
   
          
uma nova oportunidade conjuntamente ao resultado popular positivo ao Brexit,
            

político dado à identidade escocesa. Uma identidade que também pode ser
questionada como uma mera questão discursiva imaginada, a exemplo de seu

Mas seja como for, há ainda que se consignar que, muito embora ao
momento seja uma questão nacionalista que ressalte à visão do observador, nada
impede que futuramente uma discussão por cidadania se instaure. Na realidade,


fragilidade, seja pelos recentes efeitos do Brexit. Como visto, o Reino Unido em si
sofre com abalos a sua cidadania multicultural. Nada obsta a probabilidade de,

e políticos.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 718
REFERÊNCIAS

in accounts of citizenship, civil society, and national identity in Scotland and in England.
Political Psychology, v. 27, n. 02, p. 207-226, 2006.
ANDERSON, Benedict. Imagined Communities:       
nationalism. 3 ed. Londres: Verso, 2006.
 
Novos Estudos, n. 49, p. 33-46, 1997.
As Origens do Totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo.
Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BBC. EU Referendum Results    

         Folha
de São Paulo     

Acesso em: 25 set. 2018.
BODIN, Jean. The six bookes of a Commonwale. Londres: Adam Islip, 1606.
CARRELL, Severin. Sturgeon in Brexit clash with opposition over independence vote plan. The
Guardian 
 
25 set. 2018.
   
American Ethnologist, v. 23, n. 04, p. 802-815, 1996.
CONDOR, Susan; ABELL, Jackie. Romantic Scotland, tragic England, ambiguous Britain:
constructions of ‘the Empire’ in post-devolution national accounting. Nations and
Nationalism, v. 12, n. 03, p. 453-472, 2006.
CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola,
2005.
DAL RI JÚNIOR, Arno. História do Direito Internacional: comércio e moeda; cidadania e
nacionalidade. Florianópolis: Boiteux, 2004.
FELD, Werner. Legal dimensions of British entry into the European Community. Law and
Contemporary Problems, v. 37, n. 02, p. 247-264, 1972.
FORTES, Alexandre. O Direito na obra de E. P. Thompson. História Social, Campinas, n. 2, p.
89-111, 1995.
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
719
GREER, Scott L. Nationalism and Self-Government: the politics of autonomy in Scotland
and Catalonia. New York: State University of New York Press, 2007.
Scotland: a short history. Oxford: Oxford University Press, 2014.
Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality. 2. ed.
Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
KADES JUNIOR, Clemir José. A situação do estrangeiro frente a conlitos de ordem
internacional privada diante de colisões jurisdicionais entre os Estados Brasileiro e
Inglês
Chapecó, Chapecó, 2016.
  Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,
1967.
MCEWEN, Nicola. State Welfare Nationalism: the territorial impact of Welfare State development
in Scotland. Regional & Federal Studies, v. 12, n. 01, p. 66-90, 2002.
MCCRONE, David; KIELY, Richard. Nationalism and citizenship. Sociology, v. 34, n. 01, p. 19-
34, 2000.
MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla
Bassanezi. História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 114-133.
ODALIA, Nilo. A liberdade como meta coletiva. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi.
História da Cidadania. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 158-169.
PAQUIN, Stéphane. Globalization, European Integration and the Rise of Neo-Nationalism in
Scotland. Nationalism and Ethnic Politics, v. 8, n. 1, p. 55-80, 2002.
REINO UNIDO. The Electoral Commission. 


Acesso em: 25 mar. 2019.

Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 19, n. 117, p. 98-124, 2017.
Senhores & Caçadores: a origem da Lei Negra. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
TOURAINE, Alain. Nation, nationalism and citizenship. European Review, v. 03, n. 04, p. 273-
286, 1995.
DOI: 10.14210/nej.v24n3.p691-720
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 24 - N. 3 - SET-DEZ 2019 720
           
da Escócia. In A invenção das tradições. 6. ed.
Tradução de Celina Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. p. 25-52.
 
EU response and the role of solidarity. In: GRIMMEL, Andreas; MY GIANG, Susanne (Org.).
Solidarity in the European Union: a fundamental value in crisis. Suíça: Springer, 2017. p.
119-129.
WILSON, Sam. Britain and the EU: a long and rocky relationship. BBC, abr. 2014. Disponível

XAVIER, Laércio Noronha. Euroceticismo e Brexit: anti-política, nacionalismo e desigualdade
na era do comunitarismo e da globalização. In: Anais do XXV CONPEDI, Curitiba, p. 202-221,
2016.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT