Astreintes: sua destinação final e o enriquecimento sem causa

AutorKarina Resende Miranda de Souza
CargoAdvogada, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Páginas500-538
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
500
ASTREINTES: SUA DESTINAÇÃO FINAL E O ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA
Karina Resende Miranda de Souza
Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
1. Introdução
Diante de grande insatisfação por parte dos credores, que muitas vezes tinham
seus interesses frustrados devido aos procedimentos que costumavam ser adotados no
âmbito processual, iniciou-se uma busca a uma tutela mais ágil e eficiente, que
permitisse trazer concretamente uma solução ao litígio e consagrasse o verdadeiro
significado do princípio da efetividade, princípio este previsto no art. 5º, inciso XXXV,
da Constituição de 19881. Na tentativa de adequar o processo ao direito material2 e
atentando-se para o aludido princípio, o legislador instituiu a chamada tutela específica,
junto com a qual foi implementada a astreinte, com o intuito de viabilizar seu efetivo
alcance.
As astreintes estão previstas no art. 461, §4º, do Código de Processo Civil3,
sendo, como já mencionado, um instituto utilizado na tutela específica. Está relacionado
às obrigações de fazer e não-fazer, hoje já estendida às obrigações de dar, traduzindo-se
na multa diária - também chamada por alguns de multa periódica que é imposta ao
devedor, com o objetivo de coagi-lo a realizar determinada prestação reconhecida como
de direito do credor.
Esta multa denominada astreintes não é uma punição, mas um meio de coerção
imposto com o intuito de obrigar o devedor a cumprir a decisão proferida pelo juiz.
Apesar da preocupação do legislador em prever o emprego das astreintes, ele não se
preocupou em regulamentá-las sistematicamente, o que acabou por gerar uma série de
discussões e debates sobre alguns pontos da matéria, encontrando-se hoje, no Código de
Processo Civil, contornos um pouco mais precisos do que inicialmente.
Atualmente, este valor oriundo da incidência das astreintes é revertido ao autor
da ação, sendo razoavelmente pacífico este entendimento na doutrina e na
1 ―Art. 5º. Omissis. XXXV - a lei não excluirá da ap reciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;‖
2 CARNEIRO, Leonardo José. Algumas questões sobre as astreintes ( multa cominatória), Revista
Dialética de direito processual, São Paulo, n. 15, p. 95-104, jun. 200 4. p. 95.
3 ―Art. 461. Omissis. § 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impo r multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.‖
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
501
jurisprudência. No contexto sócio-político-cultural que nos encontramos atualmente, as
astreintes, de certa forma, estimulam o autor a permanecer inerte quando do não-
cumprimento da decisão judicial, pois a quantia oriunda da multa que incidirá diante de
tal conduta lhe será revertida. Como conseqüência, tem-se uma demora ainda maior no
andamento do processo, uma vez que o maior interessado em seu fim, que deveria ser o
autor, não possui mais um interesse tão grande no cumprimento da obrigação, visto que
estará lucrando com o não cumprimento da mesma.
As astreintes devem ser apenas e tão somente um meio de coerção para obrigar o
devedor a cumprir a decisão judicial. O instituto não deve ser deturpado para gerar
lucros ao autor, em detrimento de persuadir o indivíduo a cumprir corretamente a
obrigação devida. Porém, caso a matéria receba um tratamento diferente, é possível que
a postura do autor se altere e ele passe a manter pleno interesse no cumprimento da
obrigação que ensejou o ajuizamento da ação.
Sem o intuito de esgotar o tema, este artigo tem como escopo apresentar a
questão do destinatário do montante arrecadado a título da multa pecuniária imposta
como medida coercitiva. Demonstrar-se-á, de forma sintética, esta problemática do
beneficiário da multa periódica ser o autor da demanda, assim como o enriquecimento
sem causa gerado em seu favor.
2. As Astreintes
2.1 Definição e natureza das astreintes
De acordo com Daniel Hertel, ―as astreintes constituem verdadeiro meio de
execução, que atua como mecanismo de coação ou de coerção. Trata-se de medida de
grande eficácia na praxe forense e de suma relevância para a efetividade dos
provimentos judiciais.‖4
A natureza deste instituto é processual e serve como meio de coerção para que o
demandado cumpra com a obrigação inadimplida. Embora seja especialmente útil nos
casos de obrigações infungíveis, seu uso não pode ser descartado nos casos de
obrigações fungíveis, uma vez que o que busca aprioristicamente é o cumprimento da
tutela específica, na forma requerida pelo autor da ação.
Enrico Tullio Liebman define a presente multa da seguinte forma:
Chama-se ‗astreinte‘ a condenação pecuniária proferida em
razão de tanto por dia de atraso (ou por qualquer unidade de
tempo, conforme as circunstâncias), destinada a obter do
4 HERTEL, Daniel Roberto. Curso de E xecução Civil. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008. p. 203.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
502
devedor o cumprimento de obrigação de fazer pela ameaça de
uma pena suscetível de aumentar indefinidamente.5
Ela independe de qualquer dano, afinal seu fundamento é o atraso da realização
da prestação, i.e., o não cumprimento da decisão judicial.
Segundo Guilherme Rizzo Amaral, o objetivo é pressionar o réu, por meio de
ameaça ao seu patrimônio, para que obedeça e faça cumprir a decisão judicial, valendo-
se da multa quando houver descumprimento.6 Conforme ensina Eduardo Talamini, ―as
medidas de pressão sobre o vencido não constituem castigo, nem visam à educação do
executado. (...) A execução é o terreno em que se buscam, sobretudo, resultados
práticos, não a emissão de um juízo ético ou pedagógico.‖7
Via de regra, as astreintes são fixadas por dia de atraso, porém nada impede que
seja utilizada outra medida de tempo. O que se deve ter em mente é a finalidade das
astreintes de atuar sobre a vontade do demandado, pressionando-o a realizar a
obrigação.
2.2 Cabimento da multa:
Atualmente, cabem as astreintes tanto na execução de obrigações de fazer e de
não fazer, como também na execução das obrigações de entrega de coisa.
O enunciado do caput do art. 461 do CPC8 traduz-se em verdadeira diretriz na
matéria, motivo pelo qual deve ser aplicado genericamente a qualquer modalidade de
execução.9 O campo de incidência das astreintes é principalmente os casos em que os
meios sub-rogatórios não são cabíveis, mas também servem para os casos em que,
apesar de cabíveis, não são efetivos. Ainda que em certas hipóteses se priorizem outros
meios, e se coloque a astreinte em uma função secundária, o emprego da mesma pode
ser útil, dependendo do caso concreto.10
Caso não cumpra sua função, de provocar o adimplemento da obrigação prevista
no título executivo, e tendo o Estado a possibilidade de atuar por meio de sub-rogação,
não há motivo para manutenção da multa, que acabará por se tornar inviável, ilógica e
mais gravosa e demorada.
5 Loc. cit.
6 Loc. cit.
7 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença . Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 229.
8 ―Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou nã o fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.‖
9 HERTEL, Daniel Roberto. Op. cit. p. 211.
10 ASSIS, Araken de. Op. cit. p. 233.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT