Associativismo no Brasil contemporâneo: dimensões institucionais e individuais

AutorLígia Helena Hahn Lüchmann, Carla Almeida, Luana do Rocio Taborda
CargoProfessora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina/Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá e pesquisadora do NUPPOL/UEM (Núcleo de Pesquisas em Participação Política)/Doutoranda em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, e...
Páginas307-341
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p307/
307307 – 341
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Associativismo no Brasil
contemporâneo: dimensões
institucionais e individuais1
Lígia Helena Hahn Lüchmann2
Carla Almeida3
Luana do Rocio Taborda4
Resumo
O trabalho analisa permanências e mudanças nos padrões de participação associativa no Brasil a
partir de duas unidades de análise: a dimensão referente ao volume e às características do tecido
associativo, e a dimensão do engajamento dos indivíduos em associações. A primeira explora a
evolução recente do associativismo no país, que é medido pelo número, pelo perl e pela área
de atuação das associações. A segunda considera essa evolução da participação no âmbito do
engajamento individual, tomando-se o número de pessoas que alega participar de associações.
Para tanto, o trabalho está embasado em dados de pesquisas de opinião pública do projeto World
Values Survey e nos estudos sobre Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil
(FASFIL)/Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE) e sobre o Perl das Organizações da
1 Este trabalho desenvolveu-se no âmbito do projeto de pesquisa “Mudanças e permanências nos padrões de
participação política no Brasil: análise longitudinal do envolvimento político dos brasileiros (1988-2013)”,
apoiado pelo Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES, edital nº 071 /2013).
2 Lígia Lüchmann – Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal
de Santa Catarina e pesquisadora do NPMS/UFSC vinculado à Linha de Pesquisa “Movimentos sociais,
participação e democracia”. Desenvolve pesquisas sobre os temas: associativismo, interfaces socioestatais,
instituições participativas e teoria democrática.
3 Carla Almeida - Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá e
pesquisadora do NUPPOL/UEM (Núcleo de Pesquisas em Participação Política). Desenvolve pesquisas sobre
os temas: instituições participativas, democracia e participação; gênero e política.
4 Luana do Rocio Taborda - Doutoranda em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, e
bolsista do CNPQ. É integrante do NPMS/UFSC (Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais). Desenvolve pesquisas
sobre os temas: associativismo, organizações da sociedade civil, interações sociedade civil - Estado e democracia.
Associativismo no Brasil contemporâneo: dimensões institucionais e individuais) | Lígia Helena Hahn Lüchmann;
Carla Almeida; Luana do Rocio Taborda
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Sociedade civil do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Os dados mostram que, nas
últimas décadas, o Brasil testemunhou um importante crescimento na criação de associações – e
que se reetiu na maior diversicação interna desse universo – embora o número de indivíduos
engajados não tenha acompanhado esse crescimento. Sugerimos que a ampliação do associativis-
mo se reetiu apenas seletivamente no plano do engajamento individual, e que o perl especíco
de associações que encontrou terreno favorável ao crescimento no período, de caráter mais pros-
sionalizado, ajuda a compreender a diferença apontada nas duas dimensões.
Palavras-chave: Associativismo. Sociedade Civil. Participação Política. Engajamento Associativo.
Democracia.
1 Introdução
De acordo com os estudos promovidos pelo Johns Hopkins Center for
Civil Society Studies5, tem ocorrido nas últimas décadas uma expansão das
organizações da sociedade civil nas sociedades contemporâneas. O cenário
mais geral que opera, de diferentes formas, na promoção dessa expansão
parece estar relacionado, entre outros fatores, à ampliação das oportunida-
des de participação em face de processos de abertura política e às diculda-
des por parte dos Estados nacionais e do conjunto das instituições típicas
da democracia representativa em lidar com os desaos amplicados pelos
fenômenos da globalização, pluralização e complexicação da sociedade.
A crescente interdependência entre os Estados-Nação, o desenvolvimen-
to dos mercados globais, as questões ambientais que atravessam fronteiras
nacionais, as novas tecnologias e meios de comunicação são, entre tantos
outros, aspectos da globalização que se desenvolvem vis-à-vis à propagação
de novas instituições políticas e de organizações sociais. Assim, a crescente
articulação de demandas locais, nacionais e transnacionais provoca mu-
danças sociais e políticas que desaam a capacidade de os Estados coorde-
narem e mediarem os problemas e conitos sociais.
Nesse contexto, em várias regiões do globo, os governos têm promovi-
do incentivos à expansão das organizações da sociedade civil, seja por meio
de programas que ampliam suas responsabilidades na execução de serviços
públicos, seja por meio da criação de novos canais de comunicação entre
sistema político e sociedade, procurando tornar o primeiro mais poroso e
5 Disponíveis em: http://ccss.jhu.edu.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018
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sensível às demandas sociais. Em determinados casos, como foi o do Brasil,
as demandas por maior participação também partiram de organizações da
sociedade civil no bojo da transição de regime, que foi marcado, como vere-
mos, por um processo de ampliação e pluralização do associativismo no país.
Pelo fato de se apresentarem, em muitos casos, como portadoras de
propósitos públicos6, possuírem maior exibilidade e conexão com os cida-
dãos, essas organizações estão sendo cada vez mais reconhecidas e deman-
dadas para exercer funções de responsabilidade social, como a prestação de
serviços sociais, a capacitação de grupos que se encontram em situações de
vulnerabilidade, a problematização de temas e problemas sociais, a pro-
moção de laços de conança e integração social e a representação de inte-
resses de diferentes grupos e classes sociais (WARREN, 2001; COHEN J;
ROGERS, 1995; SALAMON; SOKOLOWSKI; HADDOCK, 2017).7
Como analisado por Salamon (2010), o repertório de termos utiliza-
dos para nominar esse campo associativo é bastante variado na literatura:
organizações não lucrativas, associações voluntárias, sociedade civil, tercei-
ro setor, economia social, organizações não governamentais, capital social,
movimentos sociais, dentre outros. Esses termos vinculam-se a diferentes
teorias normativas que expressam também distintas possibilidades de con-
ceber o papel desse campo em uma democracia. Algumas enfatizam sua
importância para as relações cooperativas que seriam necessárias a uma
ordem democrática; outras chamam a atenção para seu papel disruptivo,
no sentido de questionar os limites da ordem e promover a ampliação da
democracia (LÜCHMANN, 2012).
Os termos assinalados podem abrigar também diferentes e variadas
organizações e instituições. Alguns deles incluem hospitais, escolas, uni-
versidades, clubes, organizações prossionais; outros se referem às asso-
ciações comunitárias, grupos ambientalistas, organizações de defesa de
direitos, grupos religiosos e de ajuda mútua. Enm, esse mosaico coloca
6 Vários estudos analisam o associativismo relacionado a valores antidemocráticos como os grupos nazistas,
de extrema direita, e outros grupos extremistas, como é o caso do artigo “Bad Civil Society” de Chambers e
Kopstein (2001).
7 Cumpre notar que o crescente deslocamento de responsabilidades sociais para organizações da sociedade
civil também tem sido analisado como um elemento integrante da desresponsabilização do Estado frente
a direitos sociais no contexto de implementação, em diferentes realidades, das reformas orientadas para o
mercado (ALMEIDA, 2006).

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