Assistencia estudantil e acesso a educacao superior: um estudo na UECE/Student assistance and access to higher education: a study at the Ceara State University.

AutorSilva, Flavia Goncalves da

Introducao

O Brasil e um pais marcado por desigualdades sociais que se refletem na exclusao de grande parte da populacao do acesso as politicas publicas, dentre elas a educacao. Entretanto, houve avancos no que diz respeito a democratizacao do ingresso na educacao superior nos ultimos anos--tais como a ampliacao e interiorizacao das universidades e institutos federais; a implantacao de programas de financiamento estudantil e de oferta de bolsas em instituicoes de ensino privadas, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni); a diversificacao das formas de ingresso para alem do vestibular, como o Exame Nacional de Ensino Medio (Enem) e o Sistema de Selecao Unificado (Sisu); e a implantacao da politica de cotas sociais e para pessoas com deficiencia. Apesar disso, ainda ha muito a percorrer, visto que parcela numerosa da populacao se encontra alijada do acesso a esse nivel de ensino.

Segundo o Conselho de Desenvolvimento Economico e Social (CDES), comparando-se os dados dos anos de 2005 e 2012, relativos as pessoas de estratos de renda mais baixos ingressas no nivel superior, observase, ainda, uma realidade desoladora, pois o numero continua bastante restrito. Em 2005, 1,9% dos estudantes das instituicoes publicas de nivel superior estavam entre os 20% mais pobres; ja em 2012, o percentual chegou a 6,5% (CDES, 2014). Infere-se que o pequeno avanco no ingresso de pessoas nas instituicoes de ensino superior (IES) tem ampla relacao com o processo de expansao da educacao superior iniciado nos anos 2000. Entretanto, essa ampliacao nao e suficiente para que se possa dizer que esta sendo garantido o acesso da populacao a esse nivel de ensino, uma vez que, para alem do ingresso, o acesso tambem envolve a permanencia e a qualidade da formacao ofertada.

Trazendo a discussao para o contexto do estado do Ceara e, particularmente, para a Universidade Estadual do Ceara (UECE), observa-se que ha grande presenca de pessoas que antes nao adentravam a universidade publica, como aquelas de rendas mais baixas, oriundas de escolas publicas. De acordo com o Relatorio Geral do Censo Discente da UECE (2013), parte significativa dos estudantes e de classe mais pobre, sendo 48,02% oriundos de escola publica. Destaca-se, tambem, o fato de que 60,24% deles vivem em situacao de pobreza--44,33% com renda de um a tres salarios minimos --e de extrema pobreza--15,91% com renda de ate um salario minimo (UECE, 2015). Nesse sentido, a UECE se destaca no Ranking de Impacto das Universidades, lista de classificacao internacional do Times Higher Education (THE), como a 2a universidade brasileira e a 92a do mundo no indicador denominado "reducao da desigualdade" (RODRIGUES, 2019).

Os dados ressaltam que esta ocorrendo o ingresso de estudantes de estratos sociais mais baixos na universidade, mas e necessario haver mais investimento em politicas que tenham a finalidade de viabilizar a permanencia desses estudantes na instituicao. O relatorio identifica que as dificuldades de permanencia dos discentes no ensino superior levam-nos a realizarem a denominada matricula institucional, aquela em que o estudante, sem condicoes de permanecer no curso por motivos diversos, interrompe temporariamente seus estudos sem, no entanto, perder o vinculo com a universidade. Dentre tais motivos, grande parte dos estudantes (14,77%) aponta impedimento financeiro ou necessidade de trabalhar (UECE, 2015). Logo, a questao financeira permeia diretamente a qualidade da formacao e a permanencia do estudante no ensino superior.

Por ser uma universidade estadual, a UECE segue as orientacoes do Programa Nacional de Assistencia Estudantil para as instituicoes de educacao superior publicas estaduais (PNAEST) para estruturar as acoes nesse ambito. No documento, o ministro de Estado da educacao considera central "[...] a assistencia estudantil como estrategia de combate as desigualdades sociais e regionais e de inclusao social que promova a garantia do pleno acesso, permanencia e sucesso aos estudantes das universidades [...]" (BRASIL, 2010b, p. 1).

A assistencia estudantil na UECE e ainda mais recente do que nas Instituicoes Federais de Ensino Superior (Ifes). Desse modo, o presente artigo, cujo tema expressa atualidade e relevancia social no contexto nacional e regional, apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado finalizada no ano de 2018. O objetivo era realizar uma analise das acoes de assistencia estudantil na UECE a partir de estudo realizado com estudantes bolsistas de permanencia do curso de Servico Social, que apresenta um perfil de estudantes constituido majoritariamente por jovens do sexo feminino, pertencentes a familias de baixa renda. Desse modo, a referida pesquisa, fundamentada no materialismo historico-dialetico, utilizou estudos do tipo bibliografico, documental e de campo, em que foram realizadas entrevistas semiestruturadas e observacao simples da realidade vivenciada pelos interlocutores.

A formacao em Servico Social no contexto da contrarreforma da educacao superior e a demanda por assistencia estudantil

A decada de 1990 marca a implantacao das diretrizes neoliberais no Brasil, iniciando um estagio de contrarreforma do Estado que incide diretamente sobre as politicas publicas, promovendo a conversao de direitos sociais em bens de consumo, inclusive o direito a educacao. No que se refere especialmente a educacao superior, Lima (2012) afirma que sua expansao nas ultimas decadas esta relacionada ao nosso capitalismo dependente e a busca do capital por estrategias para enfrentar a propria crise que atravessa, tendo em vista elevar as taxas de produtividade e transformar todas as areas da vida social em esferas produtivas. A contrarreforma da educacao superior se estabelece com os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC--1995-2002), constituindo-se como potencial campo de exploracao do capital com o processo de privatizacao. Este processo, segundo Lima (2007, 2012), ocorre por meio da diversificacao das IES, dos cursos e de suas fontes de financiamento.

Com a aprovacao da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao (LDB), Lei no 9.394/1996, a educacao superior passa a ser ministrada em instituicoes de ensino superior, publicas ou privadas, com variados graus de abrangencia ou especializacao (BRASIL, 1996). Ocorre, portanto, a expansao desse nivel de ensino por meio de multiplas instituicoes, e nao somente nas universidades. Alem disso, o Governo FHC ratifica o processo de privatizacao, como tambem a diminuicao do investimento estatal nas IES publicas, levando a um processo de privatizacao interna das universidades publicas (LIMA, 2012). Esses fatores estao amplamente relacionados a diversificacao das fontes de financiamento.

No que remete ao curso de Servico Social, Lima e Pereira (2009) mostram que, a partir de 1995, ocorre uma ampliacao da privatizacao dos cursos de Servico Social no Brasil. Vale ressaltar que, em 1994, dos 74 cursos de Servico Social, 47 estavam inseridos em instituicoes privadas (63,5%) e 27 (36,5%) em instituicoes publicas, portanto, ja se percebia um processo de privatizacao anterior, que foi ampliado no Governo FHC. Nao so a privatizacao do curso entra em pauta, mas a propria questao da qualidade da formacao profissional, visto que essa ampliacao se da via instituicoes nao universitarias. Dessa maneira, a ampliacao do curso de Servico Social acontece prioritariamente no ambito das IES de natureza privada e nao universitarias, fazendo com que a formacao em Servico Social seja fragilizada. Isso porque, conforme salientam as autoras, nessas instituicoes, ocorre um processo de empobrecimento da formacao, que esta em dissonancia em relacao ao perfil profissional proposto pelas Diretrizes Curriculares da Associacao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servico Social (Abepss), colocando desafios a concretizacao do projeto etico-politico da profissao.

Durante os governos FHC, sao criados mais de 50 cursos de Servico Social, sendo 90% por meio da iniciativa privada. Alem disso, apenas quinze cursos (30%) estao inseridos em universidades, expressando claramente a politica de expansao do ensino superior via setor privado, sobretudo por meio da proliferacao de cursos de menor custo, principalmente nas areas de ciencias humanas e sociais. Estes sao ofertados em faculdades isoladas, em que nao se faz necessaria a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensao, exigencia estabelecida para as universidades, conforme o art. 207 da Constituicao de 1988 (LIMA; PEREIRA, 2009).

Com a chegada do Governo Lula (2003-2010), sao esperadas grandes mudancas em relacao aos direitos sociais, entretanto, assiste-se a continuidade das diretrizes neoliberais do governo anterior. No que diz respeito a educacao superior, o processo de privatizacao se amplia, contradizendo a nocao de direito e ratificando sua mercadorizacao. De acordo com Sguissardi (2009, p. 214-215), considerando a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT