Assédio sexual no serviço público

AutorMarco Aurélio Aguiar Barreto - Camila Pitanga Barreto
Páginas49-55

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Com a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, passando a ser competente para processar e julgar demandas oriundas não apenas da relação de emprego, mas da relação de trabalho, surgiram discussões e posicionamentos, notadamente, doutrinários, no sentido de entender-se que se englobava, inclusive, as relações de trabalho entre a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional e seus servidores estatutários, sob a alegação de que o inciso I do art. 114 da Constituição Federal de 1988, não faz qualquer ressalva nesse sentido. Algumas vozes surgiram nessa linha de raciocínio de que fortaleceria o importante ramo do Poder Judiciário que é a Justiça do Trabalho, até porque esse ramo tem natural vocação social, portanto, mais apta a apreciar com sensibilidade todas as questões afetas às relações de trabalho.

O fato é que, sobretudo, há a competência em razão da matéria e a competência funcional, além do que, a relação de trabalho reconhecida na esfera trabalhista é aquela onde tradicionalmente estão presentes as iguras de empregado e empregador, e não a relação institucional estabelecida a rigor entre o Estado e seus servidores, inseridos nas esferas de competências da Justiça Comum, seja Estadual ou Federal, porque envolvem pedidos de verbas estatutárias, porque trabalhadores esses não regidos, por óbvio, pela Consolidação das Leis do Trabalho, mas pelo Estatuto do Servidor Público, a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Eis opinião de Francisco Jorge Neto e Jouberto de Quadros Cavalcante42, quando comentam sobre quem são as pessoas destinatárias das normas trabalhistas:

(...) Como regra, o Direito do Trabalho é aplicável às relações jurídicas cujo objeto é a prestação de trabalho subordinado.

Encontram-se excluídos da proteção do Direito do Trabalho: a) o trabalhador autônomo (pela inexistência de subordinação); b) o trabalhador eventual (em face do fato de possuir vários tomadores quanto aos serviços prestados, sem se ixar, juridicamente, a nenhum deles); o servidor público estatutário (em face do regime jurídico, que é de cunho institucional, logo, regido pelo Direito Administrativo. (...)

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Quanto à competência, os autores destacam a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho decorrente da EC n. 45/04, porém, mencionam a liminar concedida pelo então Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que suspendeu, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, nos seguintes termos: “Não há que se entender que a justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas a servidores públicos. Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT”.

A liminar concedida pelo Ministro Nelson Jobim43, na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395-6 – DISTRITO FEDERAL, foi referendada pelo Tribunal Pleno do STF, em 5.4.2006, sob a relatoria do Ministro Cézar Peluso, com a seguinte ementa, por si esclarecedora:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inciso I, da CF, introduzido pela EC n. 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e o servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.

Desse julgamento merece ênfase os seguintes fundamentos do Voto do Ministro Cézar Peluso:

(...) Entendo presentes os requisitos para a concessão e manutenção da liminar.

A necessidade de se deinir a interpretação do art. 114, inc. I, acrescido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, conforme a Constituição da República, é consistente.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento da ADI n. 492 (Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 12.3.93), ser inconstitucional a inclusão, no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, das causas que envolvam o Poder Público e seus servidores estatutários. A razão é porque entendeu alheio ao conceito de “relação de trabalho” o vínculo jurídico de natureza estatutária, vigente entre servidores públicos e a Administração. (...)

A decisão foi que a Constituição da República não autoriza conferir à expressão relação de trabalho alcance capaz de abranger o liame de natureza estatutária que vincula o Poder Público e seus servidores. Daí, ter-se airmado a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar litígios entre ambos.

Ora, ao atribuir à Justiça do Trabalho competência para apreciar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes...

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