O assédio moral e a sua lesividade à saúde mental do trabalhador

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas229-235

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Apresentação

Aliado ao desgaste emocional promovido pelo mercado de trabalho, surge a figura do assédio moral, prática realizada por superiores hierárquicos ou por colegas de trabalho no ambiente laboral, com propósitos destrutivos (BARROS, 2013, p. 950). É a humilhação, a perseguição, o deboche, que ao se prolongar no tempo gera consequências graves para o trabalhador, principalmente no âmbito da saúde (ALVARENGA, 2012). Por meio de uma abordagem exploratória, construída sob o método de levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em mate-riais já publicados (doutrina, legislação, jurisprudência, artigos científicos, entre outros), este artigo visa ao exame do fenômeno do assédio moral nas relações laborais e sua repercussão na saúde do trabalhador, sobretudo no desencadeamento/agravamento de doenças ocupacionais. Os transtornos mentais e de comportamento ocupam o terceiro lugar em número de auxílios-doença concedidos pela Previdência Social, sendo que 80% destes são casos de depressão (AMBROSIO, 2013, p. 203). Entretanto, há uma grande dificuldade em estabelecer o nexo causal entre o assédio moral e o transtorno mental desenvolvido, tendo em vista que doenças como a depressão e a síndrome de Burnout têm natureza multifatorial (DEJOURS, 1992). Sendo assim, conclui-se que apesar da dificuldade em estabelecer o nexo causal, o empregador ainda pode ser responsabilizado judicialmente pela doença desenvolvida (MELO, 2004, p. 424), visto que tal dificuldade não impede a aplicação da concausalidade (AMBROSIO, 2013, p. 200), conforme disposto na Lei n. 8.213/1991.

Introdução

O presente estudo tem como objetivo analisar o assédio moral no meio ambiente de trabalho, principalmente em seus efeitos na saúde mental do trabalhador, como o desenvolvimento de doenças ocupacionais como a depressão e a síndrome de Burnout. Considerado um risco psicossocial no meio ambiente de trabalho, o assédio moral é um fenômeno corrosivo, podendo causar o adoecimento mental dos trabalhadores.

Quanto aos métodos empregados, tem-se como método de procedimento o de levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados — tanto da seara jurídica como da área da saúde e como método de abordagem, será adotado o método dialético, a fim de se extrair conclusões a partir de reflexões acerca da realidade focalizada pelo objeto dessa investigação.

Um dos grandes problemas enfrentados atualmente no combate ao assédio moral é a deficiência da legislação brasileira, que não possui leis de âmbito federal destinadas ao combate de tal conduta. Se por um lado há uma lacuna, por outro há uma crescente exploração feita pelos empregadores: metas cada vez mais difícil de alcançar, novas formas de monitoramento do trabalhador além da contínua luta pela flexibilização dos direitos trabalhistas.

Em estudo realizado por Margarida Maria Silveira Barreto (2006, p. 27), utilizando uma amostragem de 2072 trabalhadores (761 mulheres e 1.311 homens) provenientes de 97 empresas na cidade de São Paulo e perdurou por 28 meses (a partir de março de 1996), 870 (42%) trabalhadores relataram experiências de humilhações e constrangimento no trabalho (494 mulheres — 56,78%; 376 homens — 43,22%). Apesar de levantados há vinte anos, tais dados já dão a necessária noção da gravidade do problema e do número de trabalhadores afetados.

Além da saúde do trabalhador, o assédio moral no trabalho gera consequências econômicas. Os transtornos mentais e de comportamento ocupam o terceiro lugar em

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número de auxílios-doença concedidos pela Previdência Social, sendo que 80% destes são casos de depressão (AMBROSIO, 2013, p. 203), demonstrando que o adoecimento do trabalhador também é um problema econômico, já que o afastamento do trabalhador causa um prejuízo aos cofres da Previdência Social.

Apesar de ser um tema crescente, pouco é discutido sobre os efeitos do assédio moral na saúde do trabalhador — existem inúmeras discussões sobre o assédio moral em si, mas poucas se direcionam ao adoecimento do trabalhador, de modo a não dar a atenção necessária ao estabelecimento do nexo causal com a doença ocupacional.

Dessa forma, além de uma breve conceituação sobre o assédio moral, o presente estudo passará pelas falhas da legislação brasileira e pelo nexo de causalidade entre o assédio moral e o transtorno mental desenvolvido pelo trabalhador.

1. Uma breve síntese sobre o assédio moral

Assédio moral, mobbing (Itália), bullying (Inglaterra), harassment (Estados Unidos), harcèlement moral (França), ijime (Japão), acoso moral (países de língua espanhola), tal conduta é difundida pelo mundo inteiro, entretanto, muito ainda se discute sobre a definição do assédio moral, principalmente a respeito dos seus elementos caracterizadores.

Marie-France Hirigoyen, vitimóloga e psicanalista francesa foi uma das pioneiras no estudo do assédio moral no trabalho, lançando seu livro “Harcèlement Moral” (Assédio Moral), impulsionando diversos estudos em tal área. Segundo tal autora, a definição de assédio moral é

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. (HIRIGOYEN, 2006, p. 65.)

Embora tal definição seja muito importante enquanto definição pioneira, ela foi aperfeiçoada com o tempo, trazendo novos elementos. No ordenamento jurídico brasileiro, diversos autores tratam sobre o assunto, não existindo um único e finalizado conceito de assédio moral. Sônia Mascaro Nascimento traz a seguinte definição:

O assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. (NASCIMENTO, 2004, p. 922.)

Nota-se a aparição de alguns novos elementos, como o prolongamento do tempo da conduta e a intenção de excluir o empregado de seu emprego. Apesar de não haver uma forma completa de definir o assédio moral, viso que muitos autores divergem, uma síntese da definição pode ser apresentada por Wyzykowski:

[...] um conjunto de condutas abusivas e intencionais, reiteradas e prolongadas no tempo, que visam a exclusão de um empregado específico, ou de um grupo determinado destes, do ambiente de trabalho por meio do ataque à sua dignidade, podendo ser comprometidos, em decorrência de seu caráter multiofensivo, outros direitos fundamentais, a saber: o direito à integridade física e moral, o direito à intimidade, o direito ao tratamento não discriminatório, dentre outros. (WYZYKOWSKI et al., 2014, p. 117.)

Dessa forma, temos como elementos caracterizadores: o abuso da conduta intencional, o dano e a repetição. Note que, apesar de alguns doutrinadores defenderem que a hierarquia é necessária como elemento caracterizador, tal pensamento é minoritário. São diversos os casos em que trabalhadores sofrem assédio moral de um colega de trabalho — conhecido como assédio moral horizontal.

2. Proteção jurídica ao meio ambiente de trabalho

Leciona Raimundo Simão de Melo que o meio ambiente de trabalho seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu), não sendo apenas um direito trabalhista com origem em um contrato de trabalho. Ao declarar no art. 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” e ao incluir a saúde no art. 6º, entre os...

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