O assédio moral no direito estrangeiro

AutorJorge Luiz de Oliveira da Silva
Ocupação do AutorMestre em Direito Público e Evolução Social (UNESA-2004)
Páginas103-169

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A importância da análise de qualquer fenômeno jurídico sob o prisma do Direito Estrangeiro reside na oportunidade única de cotejar diversos sistemas jurídicos e extrair deles suas peculiaridades e características marcantes, construindo uma ligação com o sistema jurídico nacional. Esse manejo possibilitará um melhor entendimento acerca da evolução de nosso sistema jurídico, ensejando uma visão sistemática das perspectivas e caminhos a serem seguidos pelo Direito Pátrio em relação ao fenômeno analisado. Atualmente, o Direito Estrangeiro passou a ser focalizado quase como uma exigência, ao se falar de fenômenos jurídicos comuns a diversos países, como o é o assédio moral. Isto decorre do incremento incessante do processo de globalização, que enseja a necessidade do conhecimento e compreensão dos fenômenos jurídicos sob a ótica dos mais diversos sistemas jurídicos.

O assédio moral nas relações de trabalho, conforme já demonstrado, não se trata de um fenômeno regional ou nacional, mas transcende às fronteiras e desponta como um mal universal, atingindo trabalhadores de todo o mundo e, por conseguinte, exigindo a pronta resposta dos sistemas jurídicos. Assim sendo, teremos a oportunidade de verificar como caminha a legislação de diversos países no tocante à prevenção e repressão do assédio moral e qual a posição do Poder Judiciário a respeito, principalmente no

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que tange à manipulação da responsabilidade civil como poderoso meio de desestímulo à prática do assédio moral.

4. 1 - Estados Unidos da América

Historicamente, os EUA é um país de conquistas trabalhistas. O respeito ao trabalhador e a destinação de diversos instrumentos de proteção à relação trabalhista são reconhecidos internacionalmente. No entanto, não obstante tais fatores, estranhamente o assédio moral tem recebido insuficiente tratativa em nível de legislação. Não existe nos EUA legislação específica que venha a fazer previsão de instrumentos preventivos e repressivos em relação ao assédio moral.

Tradicionalmente, os Estados norte-americanos desenvolvem políticas internas tendentes a combater diversos tipos de abusos e perseguições. Tais políticas direcionam-se à proteção dos estudantes em relação a abusos na área educacional, aos idosos, às mulheres, dentre outros. Em muitas hipóteses chegam a caracterizar uma proteção a uma modalidade de assédio moral lato senso, como na proteção destinada aos estudantes contra abusos de diretores, professores e outros funcionários da área educacional. Este modelo não deixa de constituir um assédio moral, mas fora dos parâmetros específicos que ora tratamos, ou seja, relacionado estritamente às relações de trabalho. Aliás, o ambiente de trabalho nos EUA também é foco de diversas proteções especiais tendentes a preservar a saúde física e mental do trabalhador. Porém, até mesmo em relação a essas políticas internas das Unidades da Federação norte-americanas as ações tendentes a reprimir o assédio moral especificamente são bastante tímidas. Encontramos poucos Estados que incluem em sua política especial de proteção ao ambiente de trabalho normas direcionadas a coibir e punir o assédio moral.

O Workplace Bullying Institute organizou em 2007 a pesquisa Zogby International, realizando o primeiro grande diagnóstico sobre o assédio moral no ambiente de trabalho nos Estados Unidos,

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ouvindo 7.730 trabalhadores. Os resultados foram assustadores, posto que indicaram cerca de 37% dos trabalhadores entrevistados afirmaram ter sido vítimas de assédio moral, sendo que 13% ainda integravam o processo de assédio moral por ocasião da entrevista. A grande maioria dos assediadores ocupava funções de chefia (72%). 60% das vítimas eram homens e 40% eram mulheres. Confirmou-se, ainda, uma tendência já detectada em outras pesquisas: 71% das mulheres que praticavam assédio moral tinham como alvo outras mulheres; enquanto que 54% dos homens assediadores morais praticavam as condutas em detrimento de outros homens. Revelou-se, ainda, que os casos de assédio moral no ambiente de trabalho são quatro vezes mais comuns que as ocorrências relacionadas à discriminação ilegal.1

Não obstante, as normas legais sobre assédio moral nos Estados Unidos da América, estão limitadas à proteção destinada genericamente pelo Ato dos Direitos Civis de 1964, especialmente às classes protegidas pelo Título VII. Tal dispositivo proíbe a discriminação de emprego em virtude de raça, cor, sexo e origem nacional.2

Normas complementares estendem a proteção às discriminações relacionadas a credos religiosos, condição marital, deficiências física e mental, orientação sexual e origem ancestral, tais como: o Ato contra Discriminação de idade no Trabalho, de 1967; o Ato de Reabilitação Vocacional, de 1973; o Americans Disabilities Act, de 1990, e o Ato dos Direitos Civis de 1991, que expandiu as leis federais já existentes, beneficiando diversas minorias que haviam sido excluídas, por precedentes da Suprema Corte, em relação aos direito civis, em especial em se tratando de discriminação no trabalho. Na prática, aproximadamente 2/3 das hipóteses envolvendo assédio moral não são englobadas nesta proteção.

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Muito embora exista forte campanha reivindicando uma legislação americana específica em busca da proteção contra o assédio moral no ambiente de trabalho, os parlamentares federais e estaduais ainda não se sensibilizaram a respeito. A consequência direta desta omissão legislativa tem sido a dificuldade do Judiciário americano vislumbrar a importância do fenômeno do assédio moral e conceder-lhe o grau de importância que merece. Registre-se que as sentenças favoráveis a trabalhadores vítimas de assédio moral nos Estados Unidos da América, mesmo quando pertencentes ao rol protegido pelo Título VII do Ato dos Direitos Civis, apresentam um percentual diminuto em relação à grandiosidade dos efeitos danosos causados pela prática e pela ampla disseminação de tal evento no mundo laboral. Em especial, nos Estados Unidos da América, pesquisa consolidada na Scientific Survey of Michigan Residents/2000, informa que um a cada cinco trabalhadores norte-americanos são vítimas de assédio moral no ambiente de trabalho.3A despeito de inúmeras campanhas objetivando a elaboração de lei protetora específica contra o assédio moral, o Legislativo americano, em geral, tem demonstrado lentidão ao tratar da temática. Assim, a responsabilização pelo assédio moral nos Estados Unidos recebe apenas um tratamento legal genérico. Por óbvio, a falta de norma específica determina diversas restrições ao reconhecimento e punição de eventos de assédio moral por parte do Judiciário americano, que tem apreciado a questão de forma rigorosa, evitando ao máximo flexibilizar entendimentos acerca da caracterização do mobbing.

A Suprema Corte dos Estados Unidos identificou os seguintes fatores que devem ser considerados para identificar um ambiente de trabalho hostil, suscetível de determinar o assédio moral:4

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  1. Frequência das agressões;
    2. Gravidade da conduta do assediador;
    3. Se as agressões são ameaças físicas ou humilhações ou são meras alusões ofensivas; e

  2. Se as agressões interferem no desempenho do empregado no trabalho.

Com base nestas quatro premissas a Suprema Corte entende que somente haverá assédio moral quando a conduta do assediador criar um ambiente de trabalho suficientemente severo e perverso, em que uma pessoa de raciocínio comum vislumbre a hostilidade e o abuso, além da vítima subjetivamente perceber o ambiente abusivo e hostil que foi implantado.

No mesmo contexto a Suprema Corte também firmou precedente, em Harris v. Forklift’s System, que não é necessário que a vítima comprove ter suportado danos psicológicos para que seja caracterizado o ambiente de trabalho hostil.

David C. Yamada, da Law Suffolk University Law School, de Boston, em artigo sobre as teorias de caracterização do assédio moral, revela que o Judiciário tem se valido de todas as teorias existentes, para fins de descaracterização do assédio moral5. No caso Holloman v. Keadle, ficou caracterizada a aplicação da Teoria “Intentional Infliction of Emotional Distress” (“Imposição Intencional de Transtorno Emocional”), na qual Holloman, como funcionária do consultório do médico Keadle, havia sido vítima de frequentes ofensas por parte de seu empregador, inclusive diante de outros empregados e de clientes. Tão insuportáveis tornaram-se tais ofensas, que resultaram no pedido de demissão de Holloman, depois de diversos problemas de saúde oriundos dessa situação, como dores de estômago, insônia, perda da autoestima e crises de ansiedade. Em sua decisão final, a Corte Suprema do Arkansas indeferiu o pe-dido de indenização formulado por Holloman, alegando que não

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foi demonstrado que a conduta de Keadle tenha se constituído em um abuso flagrante. A teoria utilizada pela Corte Suprema do Arkansas estabelece que somente estará caracterizado o assédio moral quando presentes os seguintes elementos: conduta do empregador intencional, flagrantemente abusiva e intolerável; severa aflição emocional por parte da vítima e conexão causal entre conduta do empregador e aflição emocional. Já no caso Harris v. Jones (General Motors), Harris era funcionário da General Motors e tinha histórico médico de ansiedade e distúrbios neurológicos, resultando na consolidação de alguns tiques nervosos. Seu supervisor, Jones, frequentemente imitava tais tiques, proporcionando um “grande show” para os demais funcionários. Com o passar do tempo, a situação ficou insuportável, provocando uma sensível piora no estado neurológico de Harris, que chegou a requerer aos superiores, por duas vezes, sua transferência de setor. Os pedidos foram indeferidos...

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