O Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Um Estudo à Luz do Direito Luso-Brasileiro

AutorFabio Goulart Villela
Páginas15-26
O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO.
UM ESTUDO À LUZ DO DIREITO LUSO-BRASILEIRO
Fabio Goulart Villela(1)
(1) Procurador do Ministério Público do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro (Brasil), Professor de Pós-Graduação em Direito do Trabalho
da Universidade Cândido Mendes - UCAM, Coordenador Pedagógico e Professor de Direito do Trabalho do Curso Toga Estudos Jurídicos,
Orientador Pedagógico da Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade
Autónoma de Lisboa – UAL.
(2) CÓDIGO do Trabalho: Lei n. 7/2009, de 12 de fevereiro. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6136-8. p. 29.
(3) AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. ISBN 978-972-32-2215-9. p. 233.
(4) DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. ISBN 978-85-361-3218-1.p. 709.
(5) MARTINEZ, Pedro Romano Martinez – Direito do Trabalho. 7. edição. Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-5908-2. p. 365.
(6) CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 1988 [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
1. Introdução
Contrato de trabalho, à luz do artigo 11º do Código
do Trabalho de Portugal, é aquele pelo qual uma pessoa
singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua
atividade a uma ou mais pessoas, no âmbito da organiza-
ção e sob a sua autoridade(2).
Deste modo, pode-se afirmar que o contrato de traba-
lho surge marcado pelos atributos da inserção organiza-
cional e da subordinação jurídica do trabalhador.
Trata-se de um contrato que se cumpre e se executa,
tipicamente, num quadro empresarial, sendo que a empre-
sa traduz-se num espaço de autoridade e de convivência.
Além de um espaço hierarquizado, em que se desenvol-
vem relações de poder, a empresa também consiste num
espaço relacional, no qual a intersubjetividade das pessoas
se vai forjando no quotidiano(3).
Este espaço simultâneo de autoridade e de convivên-
cia é o palco privilegiado para os múltiplos fenômenos que
integram o assédio moral ou mobbing.
Por ser o empregador o titular da atividade econômica
e dotado de alteridade (assunção dos riscos do negócio), a
ordem jurídica lhe confere um complexo de poderes para
que possa empreender a organização e a fiscalização da
dinâmica empresarial. São os chamados poderes empre-
gatícios ou poderes do empregador.
Em suas diversas dimensões – diretiva, regulamentar,
fiscalizatória e disciplinar –, esse poder concentra um con-
junto de prerrogativas de grande relevo socioeconômico,
que favorecem, regra geral, a figura do empregador, asse-
gurando-lhe enorme influência no âmbito do contrato de
trabalho e da própria sociedade(4).
Entre os poderes do empregador, destaca-se o poder
diretivo ou de comando, assimétrico à subordinação jurí-
dica inerente à figura do empregado. O poder diretivo do
empregador diz respeito não apenas à organização téc-
nica, mas também à boa ordem na empresa, buscando
assegurar um padrão mínimo de moralidade e de garantia
pessoal. É dever do empregador a manutenção da higidez
material e moral do meio ambiente laboral, velando pela
tutela da integridade física e psíquica de seus emprega-
dos. O respeito ao direito à inviolabilidade da dignidade,
da intimidade, da vida privada e da honra dos emprega-
dos é um desdobramento desta garantia pessoal.
Desta forma, o exercício do poder diretivo encontra
limite nos fundamentos e princípios constitucionais, assim
como nos direitos fundamentais, com destaque para os
direitos da personalidade.
Os direitos da personalidade são direitos subjetivos
que projetam a personalidade humana, correspondendo a
direitos pessoais, tais como o direito à vida, à integridade
física ou ao nome(5).
No Brasil, o artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição
da República de 1988(6) estabelece que a República Fe-
derativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito, tendo entre seus fundamentos a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
O conceito de Estado Democrático de Direito funda-se
em um inovador tripé conceitual: pessoa humana, com sua
dignidade; sociedade política, concebida como democrática
e inclusiva; sociedade civil, também concebida como demo-
crática e inclusiva. Assim, a pessoa humana, com sua digni-
dade, constitui o ponto central do Estado Democrático de
Direito, o que justifica a adoção do princípio da dignidade
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da pessoa humana como diretriz cardeal de toda a ordem
jurídica, com firme assento constitucional(7).
A promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação é objetivo fundamental traçado no arti-
go 3º, inciso IV, da Constituição da República de 1988. O
direito à igualdade resta enunciado no artigo 5º, caput,
sendo assegurado em seu inciso III que ninguém será sub-
metido a tortura nem a tratamento desumano ou degra-
dante. O inciso X enuncia a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, ca-
bendo ao inciso XXIII afirmar que a propriedade atenderá
a sua função social.
O trabalho é direito social previsto no artigo 6º, o qual
deve ser interpretado de forma sistêmica com o artigo 1º,
inciso III, em busca da unidade constitucional. Logo, todo
o cidadão tem direito a um trabalho digno ou decente,
que seja instrumento de concretização de sua dignidade
e cidadania.
Preconiza ainda o artigo 170, caput, que a ordem eco-
nômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados,
entre outros, os princípios da função social da propriedade
(inciso III), da defesa do meio ambiente (inciso VI) e da
busca do pleno emprego (inciso VIII).
Na Constituição da República Portuguesa, a centralida-
de da dignidade da pessoa humana encontra assento na
norma do artigo 1º(8), sendo assegurada nos artigos 24º e
25º a inviolabilidade da vida e da integridade moral e física
das pessoas. Diversos outros direitos pessoais são reconhe-
cidos no artigo 26º, como os direitos à identidade pessoal,
ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à
cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra,
à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à prote-
ção legal contra quaisquer formas de discriminação(9).
Como se não bastasse, o Código do Trabalho de Por-
tugal(10), em seu artigo 15º, dispõe que o empregador,
incluindo as pessoas singulares que o representam, e o
trabalhador gozam do direito à respectiva integridade físi-
ca e moral. O artigo 24º garante o direito à igualdade no
(7) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves – Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da Pessoa
Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015. ISBN 978-85-361-8380-0. p. 43.
(8) Constituição da República Portuguesa – art. 1º: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na
vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
(9) CONSTITUIÇÃO da República Portuguesa. 18ª ed. Lisboa: Quid Juris, 2014. ISBN 978-972-724-690-8. p. 34.
(10) CÓDIGO do Trabalho: Lei n. 7/2009, de 12 de fevereiro. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6136-8. p. 30-35.
(11) DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. ISBN 978-85-361-3218-1.p. 690.
(12) BELMONTE, Alexandre Agra – Curso de Responsabilidade Trabalhista: Danos Morais e Patrimoniais nas Relações de Trabalho. São
Paulo: LTr, 2008. ISBN 978-85-3611062-2. p. 88.
(13) PINTO, José Augusto Rodrigues – O Assédio Moral nas Relações de Trabalho [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
.
acesso a emprego e no trabalho, proibindo-se a discri-
minação direta ou indireta no artigo 25º, além da previsão
no artigo 28º de pagamento de indenização por danos
patrimoniais e não patrimoniais.
Todos estes fundamentos, objetivos e direitos funda-
mentais impõem limites ao exercício do poder diretivo do
empregador, evitando-se o abuso de direito.
O status de regramento de direitos humanos constitu-
cionais fundamentais que tem os princípios, regras e insti-
tutos que regulam os direitos da personalidade aplicáveis
às relações de trabalho confere-lhes nova e irreprimível
força normativa(11).
É direito da personalidade o respeito à condição
pessoal e profissional do trabalhador, constituindo
constrangimento moral o comportamento patronal
indigno, decorrente do exercício abusivo do poder de
comando no tratamento pessoal do empregado(12).
Por outro lado, num mundo globalizado e competitivo,
torna-se cada vez mais incessante a busca pelo aprimora-
mento da produção, pelo aumento da produtividade e pela
ampliação das fontes de consumo. Neste contexto socioe-
conômico, não é rara a adoção de métodos de trabalho
que implicam dissimulada violência à dignidade da pessoa
humana do trabalhador, cujos prejuízos decorrentes não se
limitam à individualidade atingida.
O presente estudo tem por escopo a abordagem do
assédio moral no trabalho, como comportamento arbitrá-
rio que acarreta dano à personalidade, à dignidade e à
integridade psíquica do trabalhador, ocasionando a degra-
dação do meio ambiente laboral.
2. Denominações
“Assédio”, no significado mais simples e substanti-
vo, é “cerco”, visando à conquista física, por pressão, de
um objetivo determinado. Sua ilustração mais clara era
a clássica estratégia militar de assediar (cercar) fortifica-
ções ou cidades para dominá-las, antes que a arte da
guerra passasse a ser um confronto de botões em lugar
de um confronto de homens(13).
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O Assédio Moral nas Relações de Trabalho17
As observações proporcionadas pelo conceito formu-
lado mostram que a origem do assédio está na essência
do homem, pois sua primeira manifestação respondeu ao
impulso de defesa e sobrevivência na hostil criação que
cercou os seres vivos, racionais ou não.
Entretanto, acompanhando a evolução da nossa espé-
cie, aquela remota configuração rompeu a fronteira física
do simples impulso para invadir o território psíquico da ati-
tude racional, alimentada por elementos negativos de sua
natureza, tais como a ambição do domínio, a obsessão
possessiva e a aversão à partilha.
Desses elementos se irradia o desejo humano irrepri-
mível de intimidar e tiranizar (“to mob” e “to bully” dos
ingleses), de sufocar (“harceler” dos franceses) ou de acos-
sar (“acossar” dos espanhóis).
Outros fatores negativos de formação do caráter do
homem somaram-se, com certeza, senão para dar origem,
ao menos para robustecer a prática do assédio moral até
oincorporá-lo firmemente ao fenômeno social. Estão entre
eles a competição, a inveja, a emulação, a ambição de
poder e riqueza.
O qualificativo “moral”, aposto pelo direito, ao se
preocupar com as consequências do assédio nas relações
humanas, trouxe o substantivo para os domínios da men-
te, onde representa a sufocação da vontade individual
com o fim de subjugar a personalidade aos desígnios do
assediador pelo esgotamento da capacidade de resistir,
demolindo as defesas da autoestima.
Dentro desta mesma ideia de sufocação opressiva,
o assédio moral também é conhecido como mobbing
(“ato de cercar” - Itália, Alemanha e países escandinavos),
bullying (“ato de intimidar” - Inglaterra), harassment (“ato
de provocar” - Estados Unidos), harcèlement moral (Fran-
ça), ijime (Japão), psicoterror laboral ou acoso moral (“ato
de acossar” - em países de língua espanhola), terror psico-
lógico, coação moral, tortura psicológica ou humilhações
no trabalho (em países de língua portuguesa).
O assédio moral está diretamente vinculado à nossa
estrutura emocional e sentimental conhecida popularmen-
te como caráter. Trata-se, a rigor, de um atentado contra
a dignidade humana. E é exatamente a necessidade de
proteção à dignidade do empregado que justifica a puni-
ção do assédio moral. Este é o seu fundamento(14).
(14) BARROS, Alice Monteiro de – Proteção à Intimidade do Empregado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. ISBN 978-85-361-1264-0. p. 183.
(15) HIRIGOYEN, Marie-France – Assédio Moral: A Violência Perversa no Cotidiano. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 65.
(16) NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro – Assédio Moral no Ambiente do Trabalho. Revista LTr. São Paulo. Vol. 68, n. 8 (Ago.
2004), p. 922-930.
(17) DEBOUT, Michel – Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001. p. 59.
(18) ALKIMIN, Maria Aparecida – Assédio Moral na Relação de Emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 37.
3. Conceito de Assédio Moral
Assédio consiste no termo utilizado para designar
toda conduta que cause constrangimento psicológico à
pessoa. Entre as espécies, destaca-se o assédio moral.
O assédio moral no trabalho pode ser conceituado
como toda e qualquer conduta abusiva, manifestada por
comportamento, palavras, atos, gestos, escritos que pos-
sam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integri-
dade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu
emprego ou degradar o ambiente de trabalho(15).
Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de na-
tureza psicológica, que atenta contra a dignidade psí-
quica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o
trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras,
capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade
ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir
a posição do empregado no emprego ou deteriorar o
ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e
no exercício de suas funções(16).
A prática do assédio moral no trabalho compreende
atitudes repetidas, cuja finalidade é a degradação das con-
dições humanas, sociais, materiais de trabalho de uma ou
mais vítimas, de modo a violar seus direitos e sua dignida-
de, podendo alterar gravemente seu estado de saúde e
podendo comprometer seu futuro profissional(17).
Em resumo, é uma forma de violência psíquica pratica-
da no local de trabalho e que consiste na prática de atos,
gestos, palavras e comportamentos vexatórios, humilhan-
tes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática
e prolongada, cuja prática assediante pode ter como su-
jeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio
vertical), um colega de serviço (assédio horizontal), ou um
subordinado (assédio descendente), com clara intenção
discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima
da organização do trabalho(18).
A sociologia, a medicina e psicologia o definem como
terror psicológico gerado por atitudes constantes do
agressor à vítima, muitas vezes de forma velada, destina-
das a destruir sua autoestima.
O assédio moral atinge a honra subjetiva da vítima,
pois ela mesma, diante do processo desencadeado por
esta conduta abusiva, acaba dando início a um processo
de autodestruição, perdendo seu próprio sentimento de
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autoestima, de dignidade, bem como sua capacidade físi-
ca e intelectual.
Embora o assédio moral atente de forma imediata
contra a honra subjetiva da vítima (autoestima), seus
efeitos podem também terminar por atingir a sua honra
objetiva (reputação).
Por outro lado, o assédio moral atenta contra o direito
à igualdade, pois o agressor confere à vítima um trata-
mento desigual e desproporcional no contexto do meio
ambiente laboral. Revela-se, assim, como uma prática dis-
criminatória, sendo também comum que o assédio moral
se baseie num fator discriminatório.
Nesta perspectiva, destaca-se o conceito de assédio
previsto no artigo 29º, n. 1, do Código do Trabalho de
Portugal, como “o comportamento indesejado, nomeada-
mente o baseado em fator de discriminação, praticado
quando do acesso ao emprego ou no próprio emprego,
trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o
efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua
dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hos-
til, degradante, humilhante ou desestabilizador(19).
Registre-se que o assédio pode ter, ou não, caráter
discriminatório, apesar de, em regra, traduzir-se numa
conduta discriminatória, que envolve um tratamento di-
ferenciado para um dado trabalhador; “mas não tem, for-
çosamente, de ser discriminatório (o empregador pode,
desde logo, assediar todos os trabalhadores da empresa,
sem distinção...)(20)”.
Desta forma, a doutrina portuguesa(21) distingue o
assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente,
em fatores discriminatórios, do assédio moral não discri-
minatório, quando o comportamento indesejado não se
baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas,
pelo seu caráter continuado e insidioso, tem os mesmos
efeitos hostis.
Pode-se dizer que o assédio moral implica comporta-
mentos (em regra oriundos do empregador ou de superio-
res hierárquicos da vítima) real e manifestamente humilhan-
tes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador,
aos quais estão em regra associados mais dois elementos:
certa duração e determinadas consequências.
A propósito do elemento volitivo, o artigo 29º, n. 1 do
Código do Trabalho de Portugal estipula que no assédio
não tem de estar presente o objetivo de afetar a vítima,
(19) CÓDIGO do Trabalho: Lei n. 7/2009, de 12 de fevereiro. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6136-8. p. 35.
(20) AMADO, João Leal. Contrato de Trabalho. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. ISBN 978-972-32-2215-9. p. 234.
(21) RAMALHO, Maria do Rosário Palma Ramalho. Tratado de Direito do Trabalho, Parte II. 4. ed. Coimbra: Almedina. p. 152 e 161 – 162.
(22) AMADO, João Leal. Contrato de Trabalho. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. ISBN 978-972-32-2215-9. p. 234.
(23) VILLELA, Fabio Goulart. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. ISBN 978-85-352-5665-9. p. 153.
bastando que este resultado seja efeito do comportamento
adotado pelo agente.
No entanto, uma vez que a esfera de proteção da
norma se circunscreve a comportamentos que intensa
e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não
pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável
a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral
que, no plano da vontade do agente, não imponham con-
cluir que ele, pelo menos, representou as consequências
imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, a circunstância de o legislador ter pres-
cindido de um elemento volitivo dirigido às consequências
imediatas de determinado comportamento não obsta à
afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas
modalidades, tem em regra associado um objetivo final
ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.
Em resumo, o assédio pode ser ou não intencional,
consistindo em qualquer comportamento indesejado com
o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pes-
soa, afetar a sua dignidade, criar um ambiente laboral hos-
til ou humilhante.
Registre-se, ainda, que as condutas assediantes pos-
suem, em regra, um caráter duradouro, reiterado e persis-
tente, originando um conflito em escala entre os sujeitos
(muito embora este elemento de reiteração não seja exigido
expressamente na literalidade da norma)(22).
4. Caracterização do Assédio Moral no
Trabalho
Nas relações de trabalho, o assédio moral caracteriza-se
pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes,
vexatórias, constrangedoras, repetitivas e prolongadas du-
rante a jornada de trabalho.
As constantes humilhações, a exposição do trabalha-
dor ao ridículo, a supervisão excessiva, as críticas cegas,
o empobrecimento das tarefas, a sonegação de informa-
ções indispensáveis à realização do trabalho, a exigência
de prazos exíguos e insuficientes ao cumprimento de tare-
fas, as repetidas perseguições são notas características do
assédio moral, estando, na maioria das vezes, sua prática
vinculada a uma relação de poder(23).
Desta forma, lideranças autoritárias, exposição públi-
ca de deficiências no desempenho profissional, trabalho
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O Assédio Moral nas Relações de Trabalho19
incompatível com a competência do funcionário, ameaças
e humilhações constantes, dificuldade na comunicação,
brincadeiras de mau gosto, apelidos e xingamentos, am-
bientes hostis, funcionários isolados e ignorados, avaliação
errônea do trabalho realizado, desvalorização de resulta-
dos, dramatização de erros e ameaças de transferência
ou demissão são algumas das situações que caracterizam
o assédio moral, ou seja, agressões psicológicas bastan-
te comuns que causam constrangimentos, humilhações,
agressões verbais, ameaças, ostracismo e isolamento. São
atitudes que abalam o psicológico da vítima(24).
José Augusto Rodrigues Pinto(25) exemplifica alguns
mecanismos utilizados na prática do assédio moral no
trabalho, como: a atribuição de tarefas complexas com
prazos de cumprimento incompatíveis, a ocultação delibe-
rada de informações essenciais ao bom cumprimento das
tarefas, as críticas insistentes e públicas ao desempenho
sem apuração das razões possíveis para o fato, a segrega-
ção de trato do empregado mediante contato por meio de
terceiros, a humilhação pública (confinamento do ambien-
te de trabalho, revistas pessoais e de mesa de trabalho,
inadequação do ambiente de trabalho), as ameaças cons-
tantes de despedida individual, ou coletiva, o tratamento
rude ou irônico com realce de dotes individuais negativos
(feiura, estatura, raça, falta de instrução), as insinuações
de desvios de conduta sexual ou social, a ociosidade deli-
berada, o rebaixamento funcional e a propalação aberta
ou velada de problemas familiares
Alice Monteiro de Barros(26) indica comportamentos
que consistiriam em técnicas destinadas a desestabilizar
a vítima.
Nas técnicas de relacionamento, o assediado é
tratado por meios que sublinham sua inferioridade (o
assediador não dirige o olhar nem a palavra à vítima;
comunica-se com ela por bilhetes, impedindo-a de se ex-
pressar; ela é interrompida, frequentemente pelo supe-
rior hierárquico ou por colegas, muitas vezes com gritos
e recriminações; não a encaram, ignoram sua presença,
dirigindo-se, exclusivamente, a outros).
(24) Idem.
(25) PINTO, José Augusto Rodrigues. O Assédio Moral nas Relações de Trabalho [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
.
(26) BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à Intimidade do Empregado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. ISBN 978-85-361-1264-0. p. 184-185.
(27) “ASSÉDIO MORAL. CONTRATO DE INAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A tortura psicológica, destinada a golpear a autoes-
tima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empre-
gado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização
por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua autoestima. No
caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o
caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por consequência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer
trabalho, fonte de dignidade do empregado” (TRT 17ª R., RO n. 1315.2000.00.17.00.1, Ac. n. 2.276/2001, Rel. Juíza Sônia das Dores
Dionízio, DJ de 20.08.2002, publicado na Revista LTr 66-10/1237).
(28) LOBREGAT, Marcus Vinícios. Dano Moral nas Relações Individuais de Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 93.
Nas técnicas de isolamento, o assediado é segrega-
do do ambiente em que estiver inserido (são atribuídas
à vítima funções que a isolam ou a deixam sem qualquer
atividade, exatamente para evitar que mantenha contato
com colegas de trabalho e lhes obtenha a solidariedade
como manifestação de apoio).
Nas técnicas de ataque, o assediado é submetido a me-
didas que o desacreditem e/ou o desqualifiquem no seu
círculo de convivência, diante dos colegas e/ou clientes da
empresa (são conferidas à vítima tarefas de grande comple-
xidade para serem executadas em curto lapso de tempo,
com o fim de demonstrar a sua incompetência, ou exigidas
tarefas absolutamente incompatíveis com a sua qualifica-
ção funcional e fora das atribuições do seu cargo).
Submeter o trabalhador ao ostracismo (“não dar tra-
balho”), como forma de atentar contra a sua dignidade
psíquica (autoestima) também configura poderoso meca-
nismo de assédio moral(27).
O trabalho não se resume a uma obrigação do empre-
gado no contexto da vinculação empregatícia. Trata-se tam-
bém de um direito social constitucionalmente assegurado
(CRFB/88, art. 6º), como instrumento de concretização da
dignidade da pessoa humana.
Ao empregador incumbe a obrigação de distribuir o
trabalho que deva ser desenvolvido por seus empregados,
não podendo impor a ociosidade forçada, ainda que sob o
pagamento de salários; caso contrário, coloca-se o obreiro
em situação vexatória e submetida ao crivo de comentá-
rios maldosos, além de lesivos ao seu patrimônio moral(28).
5. Espécies de Assédio Moral
O assédio moral se caracteriza pela subjetividade bipo-
lar (assediador e assediado), em face da impossibilidade
lógica de alguém o impor sem que alguém o sofra.
O assédio moral interpessoal é o praticado no âmbito
das relações intersubjetivas. A vítima pode ser assediada
pelo empregador (pessoa física) ou por superior hierárquico
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(assédio moral vertical descendente), por subalterno (as-
sédio moral vertical ascendente), ou mesmo por colega de
trabalho (assédio moral horizontal)(29). Em alguns casos a
vítima é assediada tanto de forma vertical como horizontal
(quando, por exemplo, o assédio é praticado por superior
hierárquico e por colegas de trabalho), configurando o as-
sédio moral misto ou cruzado.
O assédio moral vertical é aquele praticado entre su-
jeitos de distintos níveis hierárquicos, envolvidos em uma
relação jurídica de subordinação. Trata-se da modalidade
mais usualmente admitida de assédio moral, em razão da
desigualdade entre os sujeitos envolvidos. Quando pratica-
do pelo hierarquicamente superior, com intuito de atingir
o seu subordinado, denomina-se vertical descendente, em
razão do sentido adotado pela conduta. Por sua vez, ver-
tical ascendente será, quando o hierarquicamente inferior
agir com intuito de assediar o seu superior. Já o assédio
horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estejam
no mesmo nível hierárquico, sem nenhuma relação de su-
bordinação entre si. Por fim, o assédio moral misto exige
a presença de pelo menos três sujeitos: o assediador ver-
tical, o assediador horizontal e a vítima. Pode-se dizer que
o assediado é atingido por “todos os lados”, situação esta
que, por certo, em condições normais, se torna insusten-
tável em tempo reduzido(30).
A prática do assédio moral também pode ser adotada
como uma “estratégia de gestão empresarial”, afetando
a coletividade de empregados. Trata-se, nesta hipótese
da manifestação coletiva do assédio moral (assédio moral
coletivo), também conhecido como assédio moral organi-
zacional (“straining”).
(29) “DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO. O assédio caracteriza-se pela relação vertical descen-
dente (quando praticado por um superior hierárquico), vertical ascendente (quando surge de um grupo de subordinados em
relação ao seu superior direto) e também pode surgir de uma relação horizontal (quando ocorre entre colegas de igual hie-
rarquia). Pode ser constatado, ainda, pela animosidade pessoal do agressor, com o fim de desestabilizar um empregado ou um grupo
de empregados sujeitos as mesmas condições no ambiente de trabalho. No caso dos autos restou comprovado que a vítima passou por
situações humilhantes e vexatórias, em razão de sua orientação sexual, teve violadas sua honra e intimidade, sendo-lhe assegurada uma
indenização por dano moral”(TRT-1 - RO: 12937120115010032 RJ, Relator: Valmir De Araujo Carvalho, Data de Julgamento: 11.12.2012,
Segunda Turma, Data de Publicação: 2013-01-22).
(30) PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções Conceituais sobre o Assédio Moral na Relação de Emprego [Em linha]. Jus Navigandi. Ago.
2006. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
-emprego>.
(31) “ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. GESTÃO POR ESTRESSE. STRAINING. PRÁTICA CONSISTENTE NO INCENTIVO AOS EMPREGADOS
DE ELEVAREM SUA PRODUTIVIDADE, POR MEIO DE MÉTODOS CONDENÁVEIS, COMO AMEAÇAS DE HUMILHAÇÕES E RIDICULARIZAÇÕES.
DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO PELA INSTÂNCIA A QUO. A gestão por estresse,
também conhecida como assédio moral organizacional ou straining consiste em uma “técnica gerencial” por meio da qual os empregados são
levados ao limite de sua produtividade em razão de ameaças que vão desde a humilhação e ridicularização em público até a demissão, sendo
consideravelmente mais grave que o assédio moral interpessoal (tradicional) por se tratar de uma prática institucionalizada pela empresa, no
sentido de incrementar seus lucros às custas da dignidade humana dos trabalhadores. Caracterizada tal situação, é devida indenização pelo
dano moral coletivo causado, que deve ser suficiente, sobretudo, para punir a conduta (função punitiva) e para desincentivar os infratores
(função pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) a incorrerem em tal prática, mas também para proporcionar, na
medida do possível, a reparação dos bens lesados, como preceitua o art. 13 da Lei 7.347/85. Assim, tendo em vista a amplitude das lesões e
suas repercussões, razoável a redução do quantum indenizatório para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Recurso ordinário do Sr. Alessandro
Martins não admitido, por deserto. Recurso ordinário da Euromar conhecido e, no mérito, parcialmente provido (TRT-16 772200801616005
MA 00772-2008-016-16-00-5, Relator: JOSÉ EVANDRO DE SOUZA, Data de Julgamento: 13.04.2011, Data de Publicação: 26.04.2011).
Infelizmente a gestão pelo estresse ocupacional pre-
pondera hoje em dia na vida de muitas empresas, que,
visando o sucesso e o lucro, não medem esforços, não
respeitam seus funcionários, não percebem que naquela
coletividade de trabalhadores há individualidades sendo
massacradas por um sistema que lhe impõe um estresse
diário, com desafios utópicos de vendas, sem espaço para
repouso, estimulando a concorrência desleal dentro do
ambiente de trabalho entre seus empregados, colocando
a vida familiar do trabalhador como algo secundário ou
um obstáculo para seu crescimento na empresa, mostran-
do que empregado que não aceita ir muito além é atraso
social e sinônimo de fraqueza etc.
Empresas que ignoram ou toleram que o estresse se
dissemine no ambiente laboral em prol de lucro imedia-
to, geralmente, trazem histórico de assédio moral, inclu-
sive do assédio moral organizacional. Em um mercado
competitivo só se mantêm aquelas empresas mais ativas,
atualizadas, estratégicas e de rápida resposta aos con-
sumidores, porém, como qualquer máquina, para estar
em bom funcionamento, é preciso que haja manutenção
periódica em suas peças, que desgastadas levam todo o
maquinário, em algum momento, a parar com a atividade.
O assédio moral organizacional representa a manifes-
tação coletiva do assédio, que é utilizado como estratégia
de gestão. Também conhecido como straining (“tensão”).
Trata-se de uma “técnica gerencial” por meio da qual os
empregados são levados ao limite de sua produtividade,
em virtude de ameaças, que vão desde a humilhação e
ridicularização em público até sua demissão(31).
Livro Paulo Renato.indb 20 10/10/2018 11:02:48
O Assédio Moral nas Relações de Trabalho21
O straining é um assédio mais grave do que o assédio
moral interpessoal, pois se trata de prática institucionalizada
pela empresa no sentido de incrementar seus lucros às
custas do atentado à dignidade psíquica dos trabalhadores.
Configura o assédio moral organizacional o conjunto
de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de
forma sistemática durante certo tempo, em decorrência
de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame,
humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas
com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de
todo o grupo às políticas e metas da administração, por
meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo re-
sultar em danos morais, físicos e psíquicos(32).
No assédio moral organizacional prepondera a utiliza-
ção de maus-tratos e/ou métodos vexatórios ou constran-
gedores no ambiente de trabalho sob a égide das políticas
empresariais adotadas na administração de metas. É a
gestão por injúria, por estresse ou por medo, sendo ali-
nhada pela captura da subjetividade do trabalhador, con-
dicionando sua permanência no emprego sob constante
coação e pressão para produzir(33).
Quando os aparatos e a estrutura organizacional
empresarial são articulados de maneira a construir uma
política de violência pode-se falar em assédio moral orga-
nizacional, que tem como uma das principais expressões
as formas abusivas de gestão como, por exemplo: (i) a
gestão por injúria; (ii) a gestão por estresse; e (iii) a gestão
por medo(34).
A gestão por injúria supõe o uso de humilhações e
constrangimentos, permeado de autoritarismo e de falta
de respeito, como meio de conseguir obediência e submis-
são. Este mecanismo se apresenta na forma de exposições
que depreciam as pessoas, tanto pelo conteúdo do que se
fala ou divulga como pela forma como o tratamento se
efetiva. Exposições desnecessárias, o uso de palavras que
rebaixam e os ataques à pessoa na frente de outros ou
em particular e as premiações negativas são formas como
(32) ARAÚJO, Adriana Reis. O Assédio Moral Organizacional. São Paulo: LTr, 2012. ISBN 978-85-361-1977-9. p. 76.
(33) “STRAINING - ADMINISTRAÇÃO POR ESTRESSE - AUMENTO DA PRODUÇÃO - PRESSÃO PSICOLÓGICA - DANOS MORAIS - Dos au-
tos, verifica-se a estratégia da empregadora de aumento de produção e cumprimento de metas de produtividade assentadas na pressão
psicológica e exploração intensiva do trabalho, combinada com condutas que expõem o empregado à humilhação e outras situações
constrangedoras. A conduta da reclamada revela uma gestão (ou administração) por estresse, conhecida como straining. O referido termo
deriva da língua inglesa (strain) que significa tensionar, puxar ou esticar. Assim, o straining pode ser definido como a tensão decorrente
do estresse pelo excesso do trabalho. É o que se verifica no presente caso em que prepostos da empregadora ofendiam verbalmente os
empregados (chamando-os de incompetentes), em caso de não atingimento de metas, e “premiando” com “troféu soneca” (“tipo um
conezinho de burro”) aquele que tivesse o pior desempenho nas vendas, o que chegou a ocorrer com a autora. As hostilidades perpetra-
das pelos supervisores da reclamada causaram constrangimento moral à autora, pois ofenderam sua dignidade e honra, protegidas por
princípios fundamentais. Assim, não merece reparo a decisão de primeiro grau que, com base nos artigos 186, 927 e 932, III, do Código
Civil, condenou a parte reclamada a pagar indenização por danos morais” (TRT-9 357692008652903 PR 35769-2008-652-9-0-3, Relator:
LUIZ EDUARDO GUNTHER, 1A. TURMA, Data de Publicação: 29.11.2011).
(34) SOBOLL, Lis Andréa. Assédio Moral: A Violência “Justificada” na Lógica Econômica. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL
E TRABALHO [Em linha]. São Paulo (Nov. 2008). [Consult. 7 Set. 2015]. Disponível em:
EventoPortal/AnexoPalestraEvento/Oficina%203%20-%20Lis%20Soboll.pdf>.
se concretizam estas práticas. O alvo das agressões não é
definido, ou seja, todos os participantes do grupo/equipe
são maltratados indistintamente.
A gestão por estresse tem o objetivo de melhorar o
desempenho, a eficiência ou a rapidez no trabalho e não
pretende destruir o trabalhador, embora as consequências
na saúde possam ser desastrosas e são devidas aos exage-
ros da pressão imposta, com dosagens erradas. Cobranças
constantes, supervisão exagerada, comparações do desem-
penho dos trabalhadores, ranking de produtividade, me-
tas exigentes de produtividade, e-mails de comparação de
resultados, prazos inadequados às exigências das tarefas
são situações comuns quando há predomínio de estraté-
gias de gestão por estresse.
A gestão por medo é estruturada no mecanismo que
tem a ameaça, implícita ou explícita, como estímulo prin-
cipal para gerar adesão do trabalhador aos objetivos orga-
nizacionais. Ser ameaçado de perder o cargo, o emprego
ou de ser exposto a constrangimentos favorece condutas
de obediência e de submissão, mas também condutas
agressivas. Por medo de ser incompetente, de perder o
cargo, de não conseguir progredir na carreira, de perder o
emprego e tornar-se excluído da sociedade o trabalhador
ataca antes de ser atacado e acaba por adotar comporta-
mentos hostis e antiéticos, deteriorando as relações e o
clima de trabalho.
Estas situações são muito comuns em atividades inte-
lectuais, o chamado trabalho imaterial, de natureza não
descritível, ou seja, sem controle sistemático em função
da variação individual, o que leva à adoção do assédio
moral nos locais de trabalho como a ferramenta adequada
para assegurar alta produtividade e excelentes resultados,
como ocorre com os operadores de telemarketing, bancá-
rios e vendedores de produtos.
Percebe-se que a prática de assédio moral de forma
coletiva tem ocorrido em várias ocasiões, principalmente
nos casos envolvendo política “motivacional” de vendas
Livro Paulo Renato.indb 21 10/10/2018 11:02:48
22A Reforma Trabalhista
ou de produção, nas quais os empregados que não atin-
gem as metas determinadas são submetidos às mais di-
versas situações de psicoterror, cuja submissão a “castigos
e prendas” envolvem práticas de fazer flexões, vestir saia
de baiana, passar batom, usar capacete com chifres de boi,
usar perucas coloridas, vestir camisetas com escritos depre-
ciativos, dançar músicas de cunho erótico, dentre outras.
O assédio moral organizacional não se restringe à mo-
dalidade do assédio moral vertical descendente, podendo
se expressar também sob a roupagem do assédio moral
horizontal e vertical ascendente.
Esta situação decorre da pulverização do exercício do
poder em todos os níveis da empresa. Os colaboradores, se
colocados diante de um membro da equipe improdutivo ou
de baixa produtividade, podem assumir condutas abusivas
com a finalidade de pressionar o dissidente a atingir os ní-
veis de produção e qualidades exigidos pela administração.
O grupo de trabalhadores é levado a se colocar na po-
sição de verdadeiro empreendedor, crendo-se realmente
participante das decisões da empresa.
Pelo mesmo motivo, pode-se originar um assédio moral
vertical ascendente, em que a empresa omissa em relação
ao problema nada faz que se aliar aos subordinados agres-
sores e pressionar o chefe imediato para que assuma o
comprometimento por ela exigido, demonstrando lideran-
ça (mesmo que não tenha recebido qualquer treinamento
para este fim) e atingindo as metas da administração.
Registre-se, por fim, a existência de doutrina espe-
cífica(35) que classifica o assédio moral laboral em três
(35) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho: Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
(36) “ASSÉDIO MORAL ESTRATÉGICO. CARACTERIZAÇÃO. O assédio moral caracteriza-se pela prática constante de atos que visem atingir
a psique do trabalhador. A doutrina classifica o assédio moral sob diversos critérios. Quanto à origem, como vertical, descendente ou ascen-
dente; horizontal ou misto, a depender da posição hierárquica do agressor. Quanto à motivação de conduta, a doutrina enumera a existên-
cia do assédio moral emocional, assédio moral estratégico e assédio moral institucional. Segundo essa classificação, o assédio moral estra-
tégico, apontado pela autora como o praticado pela reclamada, seria aquele que visa constranger o empregado a desligar-se da
empresa através da utilização de práticas vexatórias, discriminatórias e humilhantes como modelo de gestão. Não comprovadas
as alegações da petição inicial no sentido de que o tratamento dispensado à autora por parte de seus superiores hierárquicos representava
abuso do poder diretivo, não há como reconhecer a prática de assédio moral” (TRT-2 - RO: 21599820105020 SP 00021599820105020028
A28, Relator: ÁLVARO ALVES NÔGA, Data de Julgamento: 29.10.2013, 17ª TURMA, Data de Publicação: 08.11.2013).
(37) “RECURSO DA RECLAMADA. ASSÉDIO MORAL INSTITUCIONAL E ASSÉDIO MORAL EMPRESARIAL. O despertar jurisprudencial para
a problemática do assédio moral no âmbito das relações de trabalho levou à evolução doutrinária, surgindo novos parâmetros de análise
no interior destas relações, configurando-se, hoje, novas espécies desta conduta. O assédio moral institucional subdivide-se em orga-
nizacional e empresarial. O primeiro, engloba manifestações abusivas do poder diretivo no âmbito de relações de trabalho de
natureza pública, estatutária ou celetista. O assédio moral empresarial se verifica no seio de relações de emprego ou a relações
de trabalho equiparado àquelas e está voltado para o aumento da produtividade e da lucratividade das empresas que por
suas características e por sua reiteração potencialmente causam danos à saúde física ou mental dos empregados. Caracterizado
fortemente pela adoção do princípio da polivalência dos empregados, em regra, não especializados, firma-se pela adoção de mecanismos
diversos de coação, como o aumento da intensidade de trabalho e tecnologias de controle difusas, provocando ansiedade e danos pela pos-
sibilidade de perda dos empregos caso as expectativas dos empregadores não sejam atingidas. Sendo esta a hipótese dos autos, estando
devidamente comprovada a submissão da coletividade dos trabalhadores da reclamada às condições de trabalho aviltantes e inadequadas,
caracteriza-se o assédio moral, porquanto atingidos os valores da dignidade da pessoa humana e do trabalhador, constitucionalmente
assegurados” (TRT-10 - RO: 1126201181210003 DF 01126-2011-812-10-00-3 RO, Relator: Desembargador Dorival Borges de Souza Neto,
Data de Julgamento: 18.02.2013, 1ª Turma, Data de Publicação: 08.03.2013 no DEJT).
grandes e spécies. A primeira, chamada de assédio moral
estratégico(36), seria aquele praticado no âmbito de relação
de emprego visando constranger o empregado a desligar-
-se da empresa. A segunda, geralmente denominada como
assédio moral perverso, seria aquele praticado como mani-
festação doentia, visando destruir psicologicamente um ou
vários de seus colegas de trabalho, geralmente subordi-
nados. A terceira, o assédio moral institucional, engloba
dois tipos de manifestações abusivas do poder diretivo:
a primeira, por ocorrer no âmbito de relações de trabalho
de natureza pública, estatutária ou celetista, é denominada
como assédio moral organizacional; a segunda, por ocorrer
no âmbito de relações de emprego ou a relações de traba-
lho equiparado àquelas, é denominada como assédio moral
empresarial(37).
6. A Responsabilidade Empresarial pela
Prática do Assédio Laboral
As empresas que permitem e viabilizam que processos
de violência e destruição ocorram dentro de suas insta-
lações e estrutura são minimamente coniventes com tais
atos, especialmente quando estes são instrumentos para
que os objetivos organizacionais sejam alcançados.
A forma de gerenciar pode ser mais democrática ou
autoritária conforme as características individuais dos ges-
tores, mas o limite da prática autoritária ou democrática
é dado pela estrutura institucional e pela forma na qual o
trabalho está organizado.
Livro Paulo Renato.indb 22 10/10/2018 11:02:49
O Assédio Moral nas Relações de Trabalho23
A adoção de estilos gerenciais fundados na agressão,
nas ameaças, nas humilhações evidencia uma cumplicida-
de da organização com seus representantes, de forma que
o assédio moral e o assédio organizacional passam então
a ser incorporados como mais um dispositivo de gestão.
Discutir assédio moral apenas como conflito interpes-
soal é um processo que oculta a violência na sua dimensão
política-social, das relações de poder e da incorporação
destas práticas como dispositivos de controle nas relações
de trabalho. Por vezes o discurso e a ética economicista
acabam por tentar justificar tais práticas como necessá-
rias, na tentativa de legitimar este abuso.
O assédio moral interpessoal e o assédio moral or-
ganizacional atingem a dignidade, a autossegurança e a
identidade das pessoas, que passam a questionar sua ca-
pacidade e competência, podendo causar danos graves
na saúde e na vida social e familiar.
Sabemos que atos de violência isolados são passíveis
de existir em qualquer relação no trabalho sem que se
possa ter um controle absoluto sobre sua ocorrência.
(38) Dispõe o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho: “O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a de-
vida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou
alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo
manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus
prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no
fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou
tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários” (DECRETO-Lei n. 5.452/43, de 1 de maio [Em linha]. [Consult. 31 Ago.
2015]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm).
(39) “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa
tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.
(CÓDIGO Civil: Lei n. 10.406/2002, 10 de janeiro [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/2002/L10406.htm).
(40) “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
“Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos
praticados pelos terceiros ali referidos”.
(CÓDIGO Civil: Lei n. 10.406/2002, 10 de janeiro [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/2002/L10406.htm).
(41) Súmula n. 341 do Supremo Tribunal Federal: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou
preposto” [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
mula&pagina=sumula_301_400>.
(42) “RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - DANOS MORAIS - ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO – OFENSA À HONRA, À IMAGEM
E À DIGNIDADE DO TRABALHADOR. O assédio moral no trabalho, segundo Marie-France Hirigoeyen, é “toda e qualquer conduta abusiva
manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou
à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”. (A violência perversa
do cotidiano, p.22). O fenômeno recebe denominações diversas no direito comparado: mobbing (Itália, Alemanha e países escandinavos),
bullying (Inglaterra), harassment (Estados Unidos), harcèlement moral (França), ijime (Japão), psicoterror laboral ou acoso moral (em
Entretanto, repetições destes atos só se efetivam
diante de uma empresa/organização que responde com
cumplicidade ou negligência diante da violência.
Sob a ótica da teoria da responsabilidade civil subje-
tiva, esta cumplicidade ou negligência justificam perfeita-
mente a configuração da culpa empresarial, de modo a
respaldar não somente a rescisão indireta do contrato de
trabalho da vítima (artigo 483 da CLT(38)), mas também
a responsabilidade solidária do empregador (juntamente
com o assediador) quanto ao pagamento de indenizações
pelos danos morais e materiais decorrentes desta prática
abusiva (ato ilícito), nos termos dos artigos 186, 187 e
927, caput, e 942, caput, e parágrafo único, do Código
Civil Brasileiro(39).
Ressalte-se, ainda, que, por força dos artigos 932, in-
ciso III, e 933 do mesmo diploma(40), a responsabilidade
civil do empregador por ato causado por empregados ou
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou
em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabi-
lidade civil subjetiva com presunção de culpa (Súmula 341
do STF(41)), para se transformar em uma hipótese legal de
responsabilidade civil objetiva(42).
Livro Paulo Renato.indb 23 10/10/2018 11:02:49
24A Reforma Trabalhista
Desta forma, a mera alegação da empresa de que
desconhecia a prática do assédio moral dentro de seu
estabelecimento não a isenta de responsabilidade, já que
responde objetivamente (independente de culpa) pelos
atos de seus prepostos ou empregados.
Neste mesmo sentido, José Augusto Rodrigues Pinto(43):
“O empregador, obviamente, tem responsabilida-
de trabalhista pelo dano moral, inclusive psíquico
(e também pelo dano material, se, cumulativamen-
te, existir) descendente, isto é, causado a qualquer
subordinado, independentemente da posição que
ocupe na escala hierárquica da empresa. Mais im-
portante do que isso, porém, é que a responsa-
bilidade patronal ‘pela reparação civil (rectius,
trabalhista), por seus empregados, serviçais e pre-
postos’ (Cód. Civ./2002) leva a que todo dano pro-
duzido por assédio moral vertical (descendente ou
ascendente) e horizontal é, hoje, de responsabilida-
de objetiva e solidária do empregador (art. 932), de
nada lhe servindo, diante do assediado, o direito de
regresso contra o praticante do assédio horizontal”.
Logo, a despeito da rescisão indireta do contrato de
trabalho e da dispensa por justa causa do agressor (quan-
do for o caso), o empregador responde solidariamente
pelo pagamento de indenizações por danos morais e ma-
teriais sofridos pela vítima em razão da prática do abuso.
Por sua vez, na doutrina trabalhista portuguesa, João
Leal Amado(44) também enumera os efeitos jurídicos da
prática do assédio moral no trabalho:
Quanto às possíveis consequências jurídicas do
assédio laboral (moral e sexual), cumpre notar
que:
i) A prática de assédio confere ao trabalhador le-
sado o direito a ser indenizado pelos danos patri-
moniais e não patrimoniais sofridos, nos termos
gerais de direito (art. 29º, n. 3, do CT);
países de língua espanhola), terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho (em países de língua portuguesa). A doutri-
na destaca que o assédio moral como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo,
de forma reiterada, possui quatro elementos, a saber: “a) Conduta abusiva; b) Natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do
indivíduo; c) Reiteração da Conduta; d) Finalidade de exclusão” (Rodolfo Pamplona Filho). No caso, em face da conduta da empresa, é de
todo possível se concluir que houve aviltamento às integridades morais dos reclamantes, aí incluídos aspectos íntimos da personalidade hu-
mana, sua honra e imagem, haja vista que a reclamada, por seus prepostos, excedeu seus poderes de mando e direção por ocasião do trei-
namento dos guarás municipais. É evidente que tal conduta do empregador não pode ser suportada, devendo a municipalidade reclamada
arcar com a indenização por dano moral, com supedâneo no Código Civil, artigos 186, 187 e 932, III, em função de odioso assédio moral
no trabalho. Recurso do município de Amparo que se nega provimento” (TRT-15 - REEX: 1807120125150060 SP 048213/2013-PATR, Re-
lator: FABIO ALLEGRETTI COOPER, Data de Publicação: 14.06.2013).
(43) PINTO, José Augusto Rodrigues. O Assédio Moral nas Relações de Trabalho [Em linha]. [Consult. 31 Ago. 2015]. Disponível em:
.
(44) AMADO, João Leal. Contrato de Trabalho. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. ISBN 978-972-32-2215-9. p. 236-237.
(45) BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, Saúde e Trabalho: Uma Jornada de Humilhações. São Paulo: EDUC, 2003. p. 29-32.
(46) ARAÚJO, Adriana Reis. O Assédio Moral Organizacional. São Paulo: LTr, 2012. ISBN 978-85-361-1977-9. p. 58.
ii) A prática de assédio constitui contra-ordenação
muito grave (art. 29º, n. 4, do CT), pela qual res-
ponde o empregador (art. 551º);
iii) A prática de assédio por parte de um trabalhador
legitima a utilização do poder disciplinar patronal,
podendo dar azo ao despedimento com justa cau-
sa do autor do assédio, nos casos mais graves;
iv) A prática de assédio pelo empregador cons-
tituirá justa causa de resolução do contrato por
iniciativa do trabalhador, o mesmo sucedendo na
hipótese de o empregador vir a revelar-se coniven-
te com o assédio promovido por um trabalhador
em relação a outro (pense-se, desde logo, na hi-
pótese de o empregador tomar conhecimento do
assédio e nada fazer para pôr cobro ao mesmo)”.
7. Conclusão
Muito embora o assédio moral seja tão antigo quanto
o trabalho, o assunto passou a ser objeto de estudo e re-
flexão, em momento muito atual.
No Brasil, a médica do trabalho Margarida Barreto(45)
estima a ocorrência de assédio moral em 36% da popula-
ção ativa. Em pesquisa realizada junto à indústria química,
plástica, farmacêutica, de cosméticos e similares de São
Paulo, em 1997, o percentual encontrado alcançou 42%
dos trabalhadores, o qual estava dividido na proporção de
51% para mulheres e 49% para homens. A faixa etária
variava em média entre 30 e 50 anos e quase a metade
dos trabalhadores sequer completara o primeiro grau(46).
Pode-se dizer que somente muito recentemente a
questão passou a ser objeto de controvérsias no Judiciário,
talvez em razão de se tratar de efeitos de ordem psíquica
e emocional.
A sua atuação, ligada diretamente a uma relação de
poder, deteriora o ambiente profissional, com repercussão
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O Assédio Moral nas Relações de Trabalho25
na produtividade e na ocorrência de acidentes. É fruto
de abuso de poder e da manipulação perversa de fatos
e informações.
Os danos emocionais e as doenças psicossomáticas
causadas pelo psicoterror, levam à necessidade premen-
te da sociedade discutir o problema e buscar soluções
que visem a proteger a saúde e dignidade do trabalhador
brasileiro.
O assédio moral se caracteriza pela exposição dos
trabalhadores a situações humilhantes, vexatórias, cons-
trangedoras, de forma repetitiva e prolongada durante a
jornada de trabalho.
Diante desses atos do agressor, a dignidade psíquica
do indivíduo torna-se comprometida, gerando o distúrbio
do sono, palpitações, tremores, hipertensão, depressão e
podendo levar, até mesmo, ao pensamento ou tentativa
de suicídio.
Logo, as condições de trabalho são afetadas, com a
queda da produtividade, as frequentes ausências do em-
pregado para tratamento de saúde e até a aposentadoria
precoce. Isto, sem considerar que, muitas das vezes, o de-
sequilíbrio emocional e a falta de resistência para o con-
fronto com o agressor, leva a vítima a decidir pela ruptura
do contrato de trabalho. Com esta atitude, a consequên-
cia ainda é mais grave, pois o dano psíquico-emocional é
agravado pelo desemprego.
É certo que o agressor somente desencadeia seus atos
de violência quando encontra terreno sólido para semear
sua conduta abusiva.
Significa dizer se tratar daquele indivíduo que tem a
estruturação do ego formada pelos mecanismos de desva-
lorização e de culpa.
A vítima ideal é aquela que tem propensão natural a
culpar-se e relevante medo de falhar. Essa vulnerabilidade
à culpa constitui uma fragilidade diante da depressão e
um alvo fácil para o agressor.
Entretanto, esse latente sentimento de culpa, leva a
pessoa a tornar-se hiperativa e com excessivo apego à or-
dem e ao trabalho. E justamente essa vitalidade, o perfec-
cionismo e as valiosas qualidades profissionais e morais
que despertam no agressor a necessidade do ataque.
Diante desse paralelo, vítima/agressor, é evidente que,
uma vez constatados os repetidos ataques de violência,
as doenças apresentadas pelo empregado decorrem do
ambiente de trabalho, no qual desenvolve suas atividades.
É claro que para se concluir pela existência do
assédio moral, devemos estar atentos às causas e efeitos.
Consequentemente, necessário que o assunto seja mais
propagado e objeto de estudo e análise dos empresários,
organizações sindicais e dos operadores de direito.
Ninguém está livre de lidar com a crueldade, ativa
ou passivamente, sobretudo na vida profissional. Esse
tipo de problema atinge milhares de trabalhadores no
mundo inteiro.
Para muitas situações relatadas já existem remédios
jurídicos fortes. Outras situações necessitam de regula-
mentação por parte das autoridades, para configuração
do assédio e posterior punição. Caso contrário, esta guer-
ra invisível será perpetuada. É preciso, portanto, tirar esse
debate dos consultórios psicológicos e ampliá-los para
toda a sociedade.
No que diz respeito ao mundo empresarial, algumas
empresas já começam a enfrentar o problema, aceitando
esse tipo de reclamação e apresentando programas de
prevenção ao assédio moral. Portanto, cabe ao emprega-
dor averiguar o abuso de poder nas relações de trabalho
e adotar medidas capazes de coibir estas práticas, assegu-
rando relações de trabalho onde predominem a dignidade
e o respeito aos direitos do cidadão.
Ao empregado, vítima do assédio moral, necessário
buscar a ajuda dos colegas de trabalho, principalmente
aqueles que testemunharam o fato ou que já tenham sofri-
do humilhações do agressor. Procurar o Ministério Público
do Trabalho, o Ministério do Trabalho, o sindicato de classe
ou médico do trabalho e relatar os fatos ocorridos, além
de dar ciência, quando possível, aos diretores da empresa.
Necessário ainda que colham provas concretas, anotando
com detalhes todas as humilhações sofridas e as possíveis
testemunhas que sejam capazes de corroborar os fatos.
Em suma, o assunto é relevante e dependente de in-
formação, organização e mobilização da sociedade para
que os trabalhadores conquistem um ambiente de traba-
lho saudável, onde se assegure o respeito ao cidadão.
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