Assédio Moral nas Organizações Públicas

AutorLuiz Carlos da Cruz Iorio
CargoAdvogado e consultor jurídico. Graduado em Direito (Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas no RJ). Especialista em Direito Civil (Universidade Cândido Mendes/RJ)
Páginas18-23

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Excertos

"A escravidão terminou, mas o assédio moral continua sendo uma prática muito comum no funcionalismo público contemporâneo"

"O abuso do poder, de forma repetida e sistematizada durante um período longo de tempo, constitui a principal característica do assédio moral, configurando a prática da perversidade no local de trabalho"

"A não explicitação do confiito

é um elemento fundamental: se existe assédio moral é justamente porque nenhum confiito pôde ser explicitado"

"A competição sistemática entre os funcionários que desejam ocupações melhores provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro"

1. Introdução

A nalisando diversos assuntos, me despertou a atenção para a necessidade de um estudo mais aprofundado de forma a contribuir e tentar, mesmo que singelamente, desvendar o que ocorre hoje em relação ao que chamamos de assédio moral.

O assediador muda, mas os métodos são praticamente os mesmos com pouquíssimas variações, os quais estão mais associados à personalidade do meliante do que à forma de assediar propriamente dita. Contudo, apesar desses métodos serem, sempre, praticamente os mesmos, somente com os anos de experiência e observação é que podem ser bem acurados.

O assédio moral remete a práticas de humilhações, perseguição e ameaças nos locais de trabalho, componentes todos de um processo de violência psicológica que pode chegar até a arriscar a vida da vítima. As atitudes hostis como a deterioração proposital das condições de trabalho, o isolamento e recusa de comunicação, atentados contra a dignidade e o uso da violência verbal, física ou sexual - uma das modalidades do assédio moral que não será tratada aqui - constituem os meios pelos quais o agressor atinge as suas vítimas (Hirigoyen, 200l).

Os estudos iniciais sobre hostilidade no ambiente do trabalho, sob a ótica do funcionalismo público, são atribuídos a Heinz Leymann, responsável pela introdução do termo "mobbing" no universo trabalhista sueco na década de 80 do século passado. Outros termos usados: "bullying" e "harassment" nos EUA, "psico-terror ou acoso moral" na Espanha; "harcèlement moral" na Fran-ça e "Ijime" no Japão (Hirigoyen, 2002, Barreto, 2000).

O termo "assédio moral" é a nomenclatura adotada no Brasil e surge, oficialmente, no campo do direito administrativo municipal em 1999 através do Projeto de Lei sobre Assédio Moral, encaminhado para a Câmara Municipal de São Paulo, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento no funcionalismo da administração pública municipal direta, inspirado na pesquisa realizada na Fran-ça por Marie-France Hirigoyen e publicada com o título "Le harcèlment moral: la violence perverse au quotidien" (1998). A tradução da sua obra para o português, em 2000, e a defesa da dissertação de mestrado de Barreto sobre a jornada de humilhação dos empregados adoecidos no trabalho (2000) foram os responsáveis pela repercussão do tema no nosso país.

O objetivo deste estudo é aprofundar o entendimento do processo de assédio moral nas organizações públicas a partir dos estudos de Hirigoyen e Barreto, fundamentalmente, e da análise de relatos registrados em sites e livros, mesmo que não tenham desenca-deado litígios judiciais, à luz do contexto organizacional brasileiro, que, pelas suas características

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histórico-culturais, pode propiciar a crença de que muitas condutas de assédio moral obedecem a respostas "normais" que surgem na interação organizacional pública e nas relações de trabalho. A escravidão terminou, mas o assédio moral continua sendo uma prática muito comum no funcionalismo público contemporâneo, em que os funcionários em estágio probatório e mesmo os estatutários já estáveis estão sendo submetidos a um forte processo de vulnerabilização.

2. Assédio moral no funcionalismo público

O que é assédio moral?

Assediar moralmente, segundo Barreto (2002, p. 2), é uma "exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vai sendo degradado. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcada pelo abuso de poder e manipulações perversas".

O abuso do poder, de forma repetida e sistematizada durante um período longo de tempo, constitui a principal característica do assédio moral, configurando a prática da perversidade no local de trabalho (Hirigoyen, 2000; Barreto, 2002; Moura, 2002; Freitas, 2001). Mas no assédio moral o abuso de poder não se dá de uma forma explícita.

O perverso (o autor) do abuso do poder se estabelece sutilmente, através de estratagemas, por vezes até sob uma máscara de ternura ou bem-querer. O parceiro não tem consciência de estar havendo violência; pode até, não raro, ter a impressão de que é ele quem conduz o jogo. Nunca há confiito aberto. Se essa violência tem condições de se exercer de forma subterrânea é porque se dá a partir de uma verdadeira distorção da relação entre o perverso e seu parceiro (Barreto, 2000, p. 218).

A não explicitação do confiito é um elemento fundamental: se existe assédio moral é justamente porque nenhum confiito pôde ser explicitado. No confiito, as recri-minações são faladas, a guerra é aberta, enquanto que por trás de todo procedimento de assédio moral existe o não falado e o escon-dido: "Não são expressos em tom de cólera, e sim em tom glacial, de quem enuncia uma verdade ou uma evidência" (Hirigoyen, 2001, p. 135).

É necessário, portanto, distinguir a comunicação verdadeira e simétrica, mesmo que gerada na esfera de um confiito, daquela co-municação perversa, subliminar, sub-reptícia, composta de subterfúgios, porque esta é uma das armas usadas pelo agressor para atingir sua vítima: "junção de subentendidos e de não ditos, destinada a criar um mal-entendido, para em seguida explorá-lo em proveito próprio" (Hirigoyen, 2001, p. 117).

O agressor é frequentemente, mas não necessariamente, o chefe; segundo Hirigoyen (200l) o assédio moral pode provir...

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