Assédio sexual - Assédio moral - Prova indiciária - Prova testemunhal

AutorJuiz Renato da Fonseca Janon
Ocupação do Autor15ª Região - SP
Páginas91-107

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RELATÓRIO

Alega a reclamante que prestou serviços à reclamada no período de 21.6.2008 a 1.2.2012, na função de Repositora. Relaciona seus pedidos na exordial de fls. 15/16, postulando: declaração de rescisão indireta do contrato de trabalho; verbas rescisórias; FGTS; multas dos art. 477, § 8º e art. 467, ambos da CLT; indenização por dano moral; benefícios da justiça gratuita e honorários advocatícios. Atribuiu à causa o valor de R$ 30.000,00.

Defesa escrita às fls. 57/70, contestando os pedidos da autora.

Prova oral produzida às fls. 47/52.

Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual (fls. 51 ).

Razões finais às fls. 90/92 e fls. 93/98.

Inconciliados.

É o breve relatório.

Passo a decidir:

DECIDO

DAS PRELIMINARES

Rejeito a preliminar porque a petição inicial atende tanto aos requisitos do art. 840/CLT como aqueles erigidos no art. 282/CPC, permitindo o exercício da ampla defesa.

Da mesma forma, não há que se falar em "carência de ação" porque as partes são legítimas, o pedido é juridicamente possível e está presente o interesse de agir em virtude do conflito de interesses. Logo, todos os pressupostos e condições da ação estão presentes, a saber:

Primeiro, não há que se falar em ilegitimidade de parte, porque, em tese, a reclamada detém pertinência subjetiva com o direito material abstratamente considerado.

Segundo, também não se verifica a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não há, no ordenamento normativo, qualquer veto expresso à pretensão deduzida pelo autor.

Terceiro, o autor tem interesse de agir, porque o provimento jurisdicional por ele invocado é necessário e útil para dirimir o conflito de interesses instalado entre as partes.

Outrossim, o reclamante não deixou de juntar nenhum documento indispensável à propositura da ação, sendo que o valor da causa, em tese, observa o art. 259, II, CPC.

Rejeito as preliminares.

DO ASSÉDIO SEXUAL

Estamos diante de um típico caso de constrangimento psicológico decorrente de assédio sexual, uma das espécies mais graves do gênero assédio moral.

Primeiro, vamos diretamente aos fatos.

A testemunha Arthur confirmou que a reclamante costumava se queixar de que o Sr. Claudinei, proprietário da reclamada, a assediava constantemente, inclusive tendo visto várias vezes a autora sair chorando do escritório que ele mantinha dentro do laboratório. Disse, ainda, que o Sr. Claudinei costumava "brincar" com outras funcionárias e afirmou que:

"... 6) várias vezes, quando a reclamante ia conversar com o senhor Claudinei no laboratório, ela saía chorando e ia pro ‘quartinho’, local onde trocam de roupa; 7) a reclamante falava para o depoente que o senhor Claudinei ‘dava em cima dela’;... 10) o depoente ouviu a reclamante ‘Tati’ falando para a senhora Elaine que o senhor Claudinei estava dando em cima dela;... 17) o depoente ouviu o senhor Claudinei falar para a reclamante e para as outras funcionárias que elas eram bonitas;... 19) a reclamante lhe disse que o senhor Claudinei fazia comentários sobre o corpo dela; 20) a reclamante disse ao depoente que o senhor Claudinei disse que a reclamante ‘tinha a bunda bonita’;..." - Fls. 49/50.

A propósito, o próprio Sr. Claudinei, em seu depoimento pessoal, admitiu que já teve um problema com outra mulher casada para quem mandou um buquê de flores, segundo ele, "a pedido de um amigo", o que provocou a ira do marido que foi tirar satisfações na Ótica, fato presenciado pelas funcionárias e que, por certo, gerou constrangimento para os envolvidos.

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Sem querer entrar no mérito dos valores pessoais do Sr. Claudinei, que só interessam a ele e a sua família, esse precedente, no mínimo, revela um padrão de comportamento impróprio, o que torna ainda mais verossímil as declarações prestadas pela reclamante e corroboradas pela testemunha Arthur. Digo impróprio porque, independentemente da intenção do Sr. Claudinei (que não cabe julgar aqui), em se tratando de uma mulher casada, o envio de um buquê de flores instiga a desconfiança do marido, equivalendo ao lenço de yago a semear a discórdia entre Desdêmona e Othelo, na tragédia homônima de Shakespeare. E todos nós sabemos o triste fim dessa história. Portanto, embora não tenha relação direta com o caso concreto, esse precedente é assaz revelador e deve ser considerado no exame do conjunto probatório.

A respeito da verossimilhança, ressalto que que foi este magistrado quem presidiu a audiência de instrução, na qual pôde constar que a linguagem gestual da reclamante revelou um depoimento mais seguro e convicto do que aquele prestado pelo reclamado, de modo que, embora cada um tenha sustentado a sua versão da forma que lhe convinha, a autora foi mais convincente.

Segundo o mestre Francisco Morato, um clássico do direito processual brasileiro, "a linguagem gestual, por vezes, é mais eloquente do que a verbalizada, pois, como adverte Platão, "a escrita é morta e não transmite pensamento senão na significação descolorida e imperfeita dos signaes, ao passo que na viva voz fallam a physionomia, os olhos, a côr, o movimento, o tom, o modo de dizer e tantas outras diversas circunstâncias, que modificam e desenvolvem o sentido das palavras, facilitando- -lhes a inteira e exacta comprehensão" (Francisco Morato, "A oralidade", 1ª Série, Rio de Janeiro, Ed. Forense, p. 3).

Não é por outra razão que, no processo do trabalho (e mesmo na concepção mais moderna do processo civil), viceja o princípio da oralidade, de modo que a prova oral tem especial relevância para a busca da verdade real, máxime quando corroborada por circunstâncias que a revestem de verossimilhança (Cappelletti, Mauro, La Oralidade y las pruebas em el processo civil, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1972, p.17).

As testemunhas da reclamada carecem de maior isenção, pois a primeira (Nathália) teve a contradita acolhida porque demonstrou falta de isenção de ânimo ao confirmar antagonismo com a reclamante, com quem teve um desentendimento a ponto de ter se "exaltado". Já a segunda testemunha, Sra. Cristiane, limitou-se a dizer que não presenciou nenhum incidente e que nada sabe sobre os fatos controvertidos na presente lide, de modo que pouco - ou nada - contribuiu para o deslinde da controvérsia. A propósito, as duas testemunhas ainda trabalham na reclamada, de quem recebem ordens (subordinação jurídica) e o salário indispensável à sua sobrevivência (dependência econômica), de modo que não iriam contrariar o seu empregador até pelo receio de perderem o emprego. Em outro clássico do direito brasileiro, Moacir Amaral Santos pondera que as testemunhas, quando são empregadas da parte a favor da qual depõem, ante à relação de subordinação e de dependência financeira com o patrão, temendo perseguição e a própria perda do emprego, por vezes, omitem a verdade ("Prova no Cível e Comercial", vol. III, p. 197/198).

No mesmo diapasão merece destaque o apontamento de Luiz guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhat, verbis: "não é raro o empregado ser intimidado pelo patrão para depor em determinado sentido. Portanto, é de estranhar que o Código de Processo Civil não tenha atentado para esse dado. De qualquer forma, o juiz deve valorar se o empregado não está sendo intimidado ao depor em certa direção, ou se não está alterando a ‘verdade’ apenas para agradar ao patrão ou não perder o emprego" ("Prova", RT, 2009, p. 738).

E, no dizer do Desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto giordani, "ouso acrescentar que essa intimidação não precisa sequer ser verbalizada, a própria ideia de desagradar o dador de serviço e perder o emprego (rectius: meio de sobrevivência próprio e da família) pode ser suficiente, embora, também aqui, tudo depende do homem em si e não do fato de ser empregado." (fundamentação do acórdão proferido no processo no. 0103700-06.2009.5.15.0043, TRT 15ª Região, 3ª TURMA - 6ª CÂMARA).

Assim, o depoimento da testemunha da reclamante, Sr. Arthur, reveste-se de maior consistência, sendo o único que soube esclarecer, com detalhes, o incidente envolvendo a reclamante e o Sr. Claudinei, sendo que o fato dele não ter presenciado os gracejos e convites ou o assédio propriamente dito, não invalida suas declarações, uma vez que era um trabalhador que estava presente no estabelecimento (ficava no laboratório, mas, segundo a própria testemunha da reclamada ,também atendia clientes na área da frente), observava o comportamento dos envolvidos e conversava constantemente com a obreira apôs vê-la sair chorando da sala do Sr. Claudinei.

A propósito, ensina Cândido Rangel Dinamarco:

"Testemunha é, em sentido muito amplo e vago, quem pelos sentidos tomou conhecimento de algum fato, não importando se o faz pelo sentido da visão, audição, paladar, olfato ou tato, ou mesmo por informação de outrem. Em direito processual, é a pessoa física chamada a cooperar

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com a Justiça, informando ao juiz os fatos e circunstâncias de interesse para a causa, dos quais tenha conhecimento". Instituições de Direito Processual Civil, Volume III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 603.

A propósito, relembro que a prova oral não é avaliada apenas pelo número de testemunhas que cada parte trouxe a Juízo, mas também e, sobretudo, pela segurança e consistência dos depoimentos, pela verossimilhança dos relatos, pela proximidade com os fatos controvertidos e pela isenção de ânimo dos depoentes, atributos que são aferidos em um exame sistêmico do conjunto probatório, e não de declarações esparsas e isoladas.

Na clássica lição do mestre Carlos Maximiliano:

"Os Juízes pesam os depoimentos; não os contam. A credibilidade de uma prova testemunhal não depende do número dos que são chamados a esclarecer a justiça; avalia-se pelos seguintes elementos: verossimilhança dos dizeres; probidade do depoente; seu conhecido amor ou desamor, à verdade; latitude e segurança de conhecimento, que manifesta; razões de convicção que declara e se lhe devem perguntar; confiança que inspira, pelo seu passado, pela sua profissão e pelo grau...

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