Assédio moral - Dano moral - Estágio - Rigor excessivo

AutorJuiz Ben-Hur Silveira Claus
Ocupação do Autor4ª Região - RS
Páginas11-25

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VARA DO TRABALHO DE CARAZINHO Processo n. 00948-2005-561-04-00-7 - Procedimento Ordinário

Aos dezesseis dias do mês de novembro do ano de dois mil e seis, às 11h30min, na sala de audiências da Vara do Trabalho de Carazinho, foi proferida a seguinte sentença da lavra do Exmo. Juiz do Trabalho Ben-Hur Silveira Claus:

Vistos etc.

Renata Kochenborger, qualificada na inicial, ajuíza ação contra Banco Santander Banespa S.A., postulando declaração de nulidade do contrato de estágio, com reconhecimento do vínculo de emprego a partir de 1.10.2000 e o pagamento de diferenças de férias e terço, de 13º salário, de FGTS e acréscimo de 40%, de gratificações semestrais e de contribuições previdenciárias, relativamente ao período em que não teve a CTPS anotada; horas extras e reflexos; integração das parcelas variáveis recebidas (comissões e prêmios); diferenças salariais por substituição; diferenças salariais por acúmulo de função; adicional de transferência; adicional de risco; ressarcimento do combustível gasto a serviço e nos deslocamentos da residência ao trabalho; indenização pelo desgaste de veículo; ressarcimento de valores gastos com estacionamento; FGTS sobre os pedidos e acréscimo de 40%; aplicação do artigo 467 da CLT; juros; correção monetária; justiça gratuita e honorários de assistência judiciária ou honorários advocatícios. Atribui à causa o valor de R$300.000,00.

O reclamado contesta a ação pelas razões de defesa de fls. 462/512, impugnando as pretensões deduzidas.

São juntados documentos.

Manifesta-se a reclamante às fls. 666/678.

Realiza-se perícia contábil (laudo às fls. 706/716, complementado à fl. 742).

Três testemunhas arroladas pela reclamante são ouvidas através da cartas precatórias (fls. 781/783 e 804/805).

No prosseguimento da audiência, a reclamante e o preposto do reclamado são interrogados e uma testemunha é ouvida (ata de fls. 809/811).

As razões finais são remissivas.

A conciliação é rejeitada.

É O RELATÓRIO.

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FUNDAMENTOS DA DECISÃO:

I - PRELIMINARMENTE.

  1. ARGUIÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA

O reclamado argúi incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria para apreciar o pedido de recolhimento de contribuições previdenciárias do período em que a reclamante foi estagiária.

Razão não assiste ao reclamado.

Nos termos do art. 114 da Constituição Federal de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

Rejeita-se a argüição.

2. ARGUIÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

O reclamado argúi inépcia da petição inicial, relativamente ao pedido de horas extras excedentes da sexta e da oitava hora diária sem a delimitação dos períodos, alegando que os pedidos cumulativos são incompatíveis.

Razão não assiste ao reclamado.

A petição inicial atende aos requisitos básicos previstos na legislação consolidada, tendo ensejado adequado e amplo exercício do direito de defesa ao reclamado. Sobreleva, aqui, a norma do art. 794 da CLT, segundo a qual só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes. No caso em exame, o exercício do pleno direito de defesa revela que não ocorreu qualquer prejuízo ao reclamado, não se registrando quaisquer das hipóteses que caracterizam a inépcia da petição inicial.

Rejeita-se a arguição.

3. ARGUIÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA

O reclamado argúi ilegitimidade passiva, sustentando que a reclamante não foi sua empregada no período de 1.10.2000 a 30.7.2001, uma vez que vigorou, nesse período, contrato de estágio.

Razão não assiste ao reclamado.

Legitimidade para a causa, segundo preleciona Manoel Antônio Teixeira Filho na obra "As Ações Cautelares no Processo do Trabalho" (2. ed., São Paulo: LTR, 1992, p. 75), "...consiste na individualização daquele a quem pertence o interesse de agir e daquele perante o qual se formula a pretensão."

Não ocorre ilegitimidade passiva.

A verificação das condições da ação - no caso, a legitimidade passiva -, é aferida no plano do direito processual, tendo em conta o afirmado na petição inicial. Dessa forma, a legitimidade estará presente sempre que, em tese e em abstrato, coincidirem os titulares ativo e passivo da relação jurídica de direito material afirmada, mesmo que após a regular instrução do feito tal afirmativa não reste confirmada.

Ora, no caso concreto, da análise da petição inicial exsurge a conclusão de que o reclamado é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda.

Entretanto, decidir concretamente acerca da procedência das afirmações vertidas na inicial importa a aná-lise do conjunto probatório existente nos autos, com o julgamento do mérito da ação, o que é objeto de análise no item seguinte.

Rejeita-se a argüição.

II - NO MÉRITO.

1. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE ESTÁGIO E DE EXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO DESDE 1.10.2000. RETIFICAÇÃO DA CTPS. DIFERENÇAS DE FÉRIAS E TERÇOS, DE 13os

SALÁRIOS, DE GRATIFICAÇÕES SEMESTRAIS, DE FGTS E ACRÉSCIMO DE 40% SOBRE O FGTS APURADO

A reclamante postula declaração de nulidade do contrato de estágio e de existência de vínculo de emprego desde 1.10.2000, com a respectiva retificação da CTPS e o pagamento de diferenças de férias e terços, de 13os salários, de gratificações semestrais, de FGTS e acréscimo de 40% sobre o FGTS apurado, alegando que foi contratada em 1.10.2000, mas somente teve a CTPS anotada em 30.7.2001; que houve a celebração de um contrato de estágio, no entanto, era empregada do reclamado, a ele prestando serviços com pessoalidade e subordinação, mediante salário.

O reclamado contesta. Sustenta que as partes firmaram contrato de estágio em 1.10.2000, que vigorou até 30.7.2001; que a reclamante foi admitida em 31.7.2000 [2001] para exercer a função de assistente de atendimento. Transcreve dispositivos legais relativos ao estágio e diz que firmou Termo de Compromisso para Estágio de Complementação Educacional com a entidade de ensino da reclamante, no qual constam expressamente as atividades que ela desenvolveria, em razão do que, na sua assinatura, ela ficou ciente de suas atividades. Argumenta que as atribuições da reclamante eram relativas a sua condição de estagiária e que não há, na inicial, maiores especificações a respeito, o que prejudica a ampla defesa e o contraditório. Alega que não existiram os requisitos caracterizadores de relação de emprego entre as partes; que a reclamante não realizou atividades

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típicas de bancários ou iguais às dos demais empregados do banco - abertura de contas correntes, contratos de financiamento, compensação de cheques, pagamentos; mas apenas as inerentes ao contrato de estágio firmado - funções que conferissem aprendizado ou enriquecimento cultural (estudos). Pondera que jamais houve intenção de fraudar, simular, infringir ou burlar a lei, inclusive trabalhista e relativa aos contratos de estágio; que, nos termos do art. 794 da CLT, as nulidades somente são declaradas se houver manifesto prejuízo às partes, o que não ocorre no caso dos autos, uma vez que a reclamante não sofreu manifesto prejuízo patrimonial. Aduz que há expressa previsão contratual no sentido da não existência de vínculo de emprego. Argumenta que as empresas somente têm admitido profissionais com experiência, o que dificulta, de um modo geral, o acesso dos recém formados ao mercado de trabalho, fato que justifica a oportunidade criada pela Lei n. 6.494/77 aos estudantes de 3º grau, de ter contato direto com atividades profissionais, como ocorreu com a reclamante. Em condenação, requer seja considerado apenas o período de efetiva prestação de serviços, considerado, para a base de cálculo de parcelas relativas a vínculo de emprego, o valor da bolsa de estudo.

Razão não assiste à reclamante.

O reclamado celebrou acordo de cooperação com a Universidade de Passo Fundo para a realização de estágio de estudantes (fl. 521).

A reclamante, que cursava Administração de Empresas, foi admitida, em razão desse acordo de cooperação, mediante contrato de estágio em 1.10.2000, com vigência até 31.3.2001, o qual foi prorrogado até 30.9.2001, para "auxiliar os serviços de apoio administrativos" e para prestar "informações a clientes" (cláusula 3.e do termo de compromisso de estágio entre as partes - fls. 522/523). Essas atividades poderiam "ser ampliadas, reduzidas, alteradas ou substituídas, de acordo com a progressividade do estágio e do currículo, sempre dentro do Contexto Básico da Profissão" (cláusula 3.f - fl. 522).

Inquiridas a respeito, a testemunha Alberino Antônio da Silva, que trabalhou para o reclamado de 1.8.2000 a 3.6.2004 na agência de Carazinho, na função de gerente de negócios, declara que "... a reclamante foi contratada como estagiária por intermédio [de] uma empresa, não se recordando o nome; que era a única estagiária; que ela estudava na época; que como estagiária atendia o público e auxiliava nos serviços administrativos; que depois que a reclamante passou a ser empregada, continuou a fazer os mesmos serviços;..." (fl. 804); e a testemunha Jones Mezzalira, que é gerente de operações e foi ouvido como informante em razão disso, declara que "... a reclamante, quando estagiária, prestava atendimento no auto-atendimento e funções de arquivo, atendimento ao público; que quando a reclamante passou a ser empregada, sua função mudou: passou a trabalhar na parte contábil e na tesouraria, continuava atendendo o público em geral; que a reclamante, quando estagiária, trabalhava das 09h30min às 17h30min, com 15 a 30 minutos de intervalo para almoço; que o horário da reclamante mudou na condição de empregada, das 08h30min às 18h30min/18h45min, com uma hora de intervalo, de segundas a sextas-feiras; que a reclamante raramente (uma a duas vezes a cada três meses) trabalhava em sábados, pela manhã;... que a...

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