Aspectos Sociológicos da Atividade Judicial

AutorArnoldo Camanho de Assis
Páginas39-44

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I Introdução

Este estudo pretende examinar a utilidade das categorias e dos elementos de análise, estudados durante as aulas de Sociologia Jurídica ministradas pelo eminente Professor Doutor Enrique Del Percio - no primeiro módulo do Curso de Doutorado na Universidade de Buenos Aires, modalidade intensiva, em janeiro de 2014 -, para a investigação doutoral.

Aqui, buscar-se-á expor a finalidade do estudo doutoral que se pretende realizar e a importância das categorias sociológicas, bem como dos elementos de análise enfocados em sala de aula, fazendo a necessária correlação entre essas categorias, esses elementos e a proposta de investigação doutoral que se pretende levar a efeito.

II Uma dificuldade inicial

A realização de um curso de Doutorado pressupõe pesquisa em alto nível, leitura diária de vários autores, busca e análise de fontes de dados e muita reflexão. Como salienta BIAGI, "a pesquisa é um processo, porque implica tomar constantemente decisões de variado caráter, algumas mais técnicas e outras mais teóricas"1.

Tudo isso exige, por evidente, que haja um foco, um ponto a ser pesquisado. Sem isso, sem essa premissa de onde se possa partir, tudo parece bem mais difícil, em situação que parece sugerir que o aluno esteja verdadeiramente sem rumo e sem direção, como se não soubesse ao certo o que está fazendo ali.

No caso específico deste aluno - que ingressou na carreira da Magistratura como Juiz de Direito Substituto, por concurso público, em 1990 e, em seguida, haver galgado os degraus por várias promoções, chegou ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2008 -, sempre encantou o próprio exercício da atividade judicante. O modo de ser do juiz, a forma como ele analisa as questões que chegam à sua apreciação, a neutralidade judicial, a busca da verdade real, a realização do Direito, a necessária percepção da realidade social em que se encontra inserido, a sentença judi-

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cial como ato de positivação do poder - tudo isso, que faz parte do dia a dia da atividade judicial.

Por mais independente que seja o juiz, há de se ter em conta que, mesmo podendo tomar decisões que eventualmente contrariem o texto legal2, sua atividade há de se pautar pelos contornos do ordenamento constitucional. Pode, então, o juiz, até agir à margem da lei, mas, seguramente, não está auto-rizado a julgar em desacordo com a Constituição.

A preocupação, então, é, na busca da melhor atuação jurisdicional, fazer com que o juiz seja verdadeiro instrumento de realização da Constituição da República, situação que exige dele não só constante comprometimento com os postulados constitucionais, mas, especialmente, que sua atividade seja pautada por essa lógica.

Esse é o propósito inicial que anima este aluno a cursar o Doutorado: investigar a atividade judicial nesse nível, de modo a apontar o juiz como instrumento de realização concreta da Constituição.

É sob essa perspectiva, pois, que o presente trabalho será desenvolvido.

III Modernização da justiça e novas demandas judiciais

O ideal de uma "Justiça Moderna", hoje em dia, em pleno Século XXI, traduz-se, essencialmente, na reavaliação de ideias, na atualização de conceitos, na revisão de posturas e na adequação da função jurisdicional aos anseios da sociedade atual. Com base em tais premissas, pode-se sugerir que modernizar a Justiça é, sobretudo - e sem olvidar a questão tecnológica e de reestruturação administrativa -, voltar o centro das atenções para a figura do Magistrado, valorizando-o e o recolocando no lugar que deve ocupar no quadro das instituições democráticas do Estado de Direito.

Postas essas questões em caráter preambular, há de se afirmar que as novas questões levadas à apreciação do Poder Judiciário - sejam elas referentes a relações privadas, sejam elas vinculadas a modelos em que predominem os interesses difusos - exigem postura igualmente moderna do juiz a cargo de quem seja entregue a sua solução. Tais questões podem passar desde a nova definição do conceito de "família" - que, a rigor, pode ser o modelo da família chamada "tradicional", com pai, mãe e filhos, até a família monoparental (em que há um só do casal parental) ou homoparental (constituída por pessoas do mesmo sexo) - e pelas consequências daí advindas (a possibilidade ou não de penhora de bem de família; a possibilidade ou não de adoção por casais homoafetivos), chegando a graves questões de ordem mais ampla, tais como a incidência de determinada taxa em contratos de consumo; o atendimento de questões de saúde pública por entidades hospita-lares privadas; e outras que tais.

Isso tudo exige, do juiz, que esteja em permanente contato com a sociedade a que pertença3, não só para que possa servir de verdadeira "caixa de ressonância" das aspirações dessa sociedade, como, além disso, para que possa exercitar uma espécie de controle de suas decisões pelo resultado que elas alcançam no meio social. Afinal, não se pode olvidar que o juiz integra os estamentos sociais, ele mesmo tendo uma "história social"4 a legitimar o cargo que ocupa.

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IV Neutralidade do juiz: conceito clássico

Segundo antiga lição de LIEBMAN, "o único interesse do juiz no processo é sentir-se verdadeiramente desinteressado"5. Explica-se: já que um dos chamados "pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo" é o juiz imparcial - que não seja, só por isso, impedido ou suspeito -, isso quer significar, como resultado, que o juiz não pode ser movido por qualquer interesse ao conduzir e ao julgar a causa. Daí o chiste de LIEBMAN, ao proclamar qual deva ser o "único interesse do juiz no processo": "sentir-se verdadeiramente desinteressado".

O primeiro passo é rever esse conceito clássico da postura do juiz no exercício da atividade jurisdicional.

É de inteira aplicação, aqui, a oportuna lição de DINAMARCO, quando assevera que "imparcialidade não significa indiferença axiológica; isenção do magistrado não significa insensibilidade"6. O juiz que atue em descompasso com essa visão de conjunto pode até proferir decisões juridicamente corretas, o que não garante sejam necessariamente decisões justas. De notar-se que esse comprometimento do juiz com a busca pela justiça do caso concreto não o coloca na posição de "juiz legislador", na advertência ainda atual de Cappelletti7. Ao contrário, faz com que passe a atuar em harmonia com os chamados "processos informais de mudança da Constituição"8, atento aos novos movimentos sociais e à acessibilidade do Judiciário pelos novos atores do cenário sociopolítico9.

Por isso, o juiz deve se mostrar, sim - e ao contrário da velha ideia de LIEBMAN -, efetivamente interessado na solução justa do litígio, daí decorrendo, no plano instrumentário, uma comprometida atuação do julgador na condução do processo, o que o credencia, até mesmo, a tomar a iniciativa da produção da prova. E não se diga que tal modo de ser do juiz encontre possível óbice na legislação processual brasileira, que distribui a carga probatória às partes10, até porque o ordenamento processual civil permite, de forma expressa, que o juiz tome a iniciativa da produção da prova11.

Essa moderna visão da atuação proativa do juiz rompe a noção de que, no processo civil - e já que o ônus da prova compete às partes -, deva, o julgador, satisfazer-se com uma verdade que seja meramente formal, isto é, que resulte apenas e tão somente da atuação das partes no processo, ao se desincumbirem, ou não, do ônus de provar os fatos que alegaram. A rigor, a busca da verdade real presta homenagem à nova abordagem acerca da verdadeira e nobilíssima missão do juiz no processo...

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