Aspectos jurídicos da cédula de produto rural

AutorIlene Patrícia de Noronha
Páginas168-172

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I - Introdução

Antes de adentrarmos no valor mobiliário Cédula de Produto Rural, cumpre-nos tecer algumas considerações iniciais, à guisa de introdução ao tema.

1. Lei 6 385/76

A Lei 6.385/76 trouxe uma inovação no quadro do Sistema Financeiro Nacional, tal como estruturado pela Lei 4.595/64, ao criar a CVM, entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda, para disciplinar e fiscalizar o mercado de capitais. A CVM é composta por um presidente e quatro diretores, todos nomeados pelo Presidente da República.

Ao definir os papéis que devem ser classificados como valores mobiliários como basicamente aqueles emitidos por sociedade anónima, e atribuir à CVM a competência para sua fiscalização, a Lei 6.385/76 retirou do BACEN uma parte da competência que antes lhe era atribuída pelas Leis 4.595/64 e 4.728/65.

2. Lei 4 728/65

Com efeito, nos termos das referidas leis, especialmente da Lei 4.728/65, o Banco Central possuía competência para fiscalizar o mercado de capitais como um todo. Com o advento da Lei 6.385/76, esta competência foi fragmentada, passando a CVM a ser o órgão competente para regularizar e fiscalizar o mercado de capitais em tudo aquilo que se refere a valores mobiliários, ou seja, títulos emitidos por sociedade anónima (como veremos no tópico seguinte, a lei associa valores mobiliários a títulos emitidos por sociedade anónima). O Banco Central ficou, assim, com a competência remanescente para disciplinar outros títulos ofertados no mercado, que não os emitidos por sociedade anónima.

Assim, os princípios da proteção ao investidor, do livre acesso à informação de forma equitativa para todos os participantes do mercado, e do combate à manipulação das condições de demanda e oferta de valores mobiliários, motivadores da edição da Lei 4.728/65, são os mesmos princípios presentes na Lei 6.385/76. Aliás, o que se pretendeu com a criação de um órgão como a CVM foi justamente atingir um melhor resultado na persecução de todos estes ob-jetivos.

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3. Valores mobiliários: conceito

A legislação brasileira não conceitua o que sejam valores mobiliários. Ao invés de elaborar um conceito para definir valores mobiliários, o legislador brasileiro houve por bem listar os títulos ou papéis que devem ser entendidos como tal. Nesse sentido, o art. 29 da Lei 6.385, de 7.12.1976, dispõe o quanto segue:

"São valores mobiliários sujeitos ao regime desta lei:

"I - as ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupons desses títulos e o bónus de subscrição;

"II - os certificados de depósito de valores mobiliários;

"III - outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anónimas, a critério do Conselho Monetário Nacional."

A legislação brasileira se espelhou na legislação norte-americana, na maneira pela qual escolheu definir os tipos que caracterizam valores mobiliários. Com efeito, o direito norte-americano não conceitua o que sejam valores mobiliários, mas ao invés disso enumera, numa tentativa de abarcar o maior número possível de tipos, o que se deve entender como tal. Assim, nos Estados Unidos, onde valores mobiliários recebem a denominação de securities, a legislação define valor mobiliário como "(...) toda nota, ação, ação em tesouraria, obrigação, debênture, comprovante de dívida, certificado de participação em qualquer contrato de participação de lucro, certificado de depósito em garantia, parte de fundador, boletim de subscrição, ação transferível, contrato de investimento, certificado de transferência de direito de voto, certificado de depósito de uma security, co-pro-priedade de direitos em minas, jazidas de petróleo, ou, em geral, todo direito ou participação conhecido como security, ou ainda todo certificado de participação ou interesse, permanente ou temporário, recibo, garantia, direito de subscrição ou opção referentes aos títulos e valores acima mencionados" (Section 2 (1) do Securities Act, de 1993).1

Já no direito europeu é possível afirmar que, de uma maneira geral, pode-se encontrar um conceito elaborado de valores mobiliários, não obstante a denominação e abrangência desta expressão variem conforme o país. Na Europa, a acepção do termo valores mobiliários é, no geral, bem mais limitada do que nos Estados Unidos, sendo ideia de valor mobiliário normalmente associada a títulos emitidos por sociedade anónima. Nesse mister cabe observar...

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