Aspectos Jurídico-Regulatórios

AutorFábio Amorim da Rocha
Ocupação do AutorTrabalhou na CERJ, atual AMPLA, por 10 anos como coordenador da área de concessões
Páginas111-203
DISTINÇÃO ENTRE CONSUMIDOR E USUÁRIO
Ao iniciarmos a analise sob a ótica das perdas comerciais, entendemos oportuno distin-
guirmos consumidor de usuário.
Cabe aqui os ensinamentos do professor Antônio Carlos Cintra do Amaral, em seu tra-
balho denominado “Distinção entre Usuário de Serviço Público e Consumidor”1, que
afirmaque“O tratamento dado ao usuário de serviço público pela Constituição e pela
lei é diverso do dispensado ao consumidor. A Constituição chega mesmo a tratar dos
dois assuntos em dispositivos diferentes: a concessão, no art. 175; a proteção ao consu-
midor, nosarts. 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V. 5. Vale notar, ainda, que o art. 27 da
Emenda Constitucional nº 19/98 determinou que o Congresso Nacional deverá elabo-
rar “lei de defesa do usuário de serviços públicos”. Isso equivale ao reconhecimento
implícito de que essa defesa é juridicamente diversa da “defesa do consumidor”, já
regulada pela Lei 8.078/90. Saliente-se que essa lei deveria ter sido elaborada pelo
Congresso Nacional no prazo de cento e vinte dias, a partir de junho de 1998.
Aduz,ainda,que“Cabe ao Congresso, que já aprovou em 1990 o Código de Defesa do
Consumidor,aprovar agora um outro código, diferente daquele: o Código de Defesa do
Usuário de Serviço Público”. E que
“A defesa do usuário de serviço público não é atribuição do PROCON, e sim da res-
pectiva agência reguladora, cujo desafio atual é organizar-se adequadamente para
isso. Como a lei prevista no art. 27 da Emenda Constitucional nº 19 até hoje não foi
aprovada pelo Congresso Nacional, o usuário de serviço público tem tido sua defesa
calcada na Lei nº 8.078, que claramente não se aplica à relação de serviço público, e
sim à de consumo, conceitualmente diversa daquela”.
As Irregularidades no Consumo de Energia Elétrica ¡Doutrina – Jurisprudência – Legislação 111
1Ibis ibidem p. 263.
Paraquenãopairemdúvidasa respeito desta distinção, optamosportranscreveroenten-
dimento dos professores Marçal Justen Filho e Marcos Juruena, dois dos mais renoma-
dos administrativistas do País.
O primeiro, em trabalho intitulado “Parecer sobre o descabimento de responsabiliza-
ção civil do concessionário de distribuição de energia elétrica por interrupção não
voluntária do serviço”, entende que
“O relacionamento entre o concessionário e o usuário do serviço público concedido
nãoseconfigura como umarelaçãopropriamente submetidaaodireitodo consumidor.
(...) Tal com prevê o art. 175 da CF/88, a outorgapor meio de concessão não transfor-
ma o serviço em uma atividade econômica privada. O concessionário é um delegatá-
rio, que continua a desempenhar serviço público. O regime jurídico aplicável no rela-
cionamento entre concessionário e usuário é o mesmo que incidira caso não houvesse
concessão. A relação jurídica entre o usuário e o prestador do serviço público se
subordina,então,aoregimede direito público. Aoutorgade concessão não altera essa
regra”.
Por isso, no entendimento do professor,
“concessionário não dispõe de poderes, obrigações ou direitos diversos do que aque-
les assegurados ao poder concedente em virtude da existência do serviço público. (...)
Isso não equivale à impossibilidade de aplicação de regras do Direito do Consumidor
aorelacionamentoentreusuárioe prestador de serviço público. Oquenãose admite é
queasituaçãodo usuário passe a sersubordinadaexclusivamenteao direito do consu-
midor, negando-se ao prestador de serviço (concessionário ou não) a fruição de pode-
res jurídicos inerentes ao regime de serviço público. Basta um exemplo para a com-
preensão da questão. É da inerência do regime de serviço público a mutabilidade. O
usuário de serviço público não tem direito adquirido à manutenção das condições de
prestação adotadas num certo momento. Assim se passa porque um dos princípios do
serviçopúblicoéamutabilidade. Se for eliminadooregimede direito do consumidor,
adisciplinaaplicávelserá alterada. Oconsumidorpoderiaopor-se à alteraçãodascon-
dições existentes num certo momento”.
Na visão de Marçal Justen Filho,
“atutelacontempladano CódigodeDefesado Consumidor seráaplicávelemfavor do
usuáriodoserviçopúblico somente namedidaemque não incida disciplinaespecífica
inerente ao regime de serviço público. Cabe assinalar, ainda que para discordar, o
entendimentoopostode Alexandre Aragão, queafirmaque todos os usuáriosdeservi-
ços públicos são consumidores indistintamente, sejam destinatários finais ou não. Ele
acrescenta que os grandes consumidores de serviços públicos, muitas vezes maiores
que a própria concessionária, não se enquadrariam no conceito de hipossuficientes,
mas que a aplicação do CDC ocorre em virtude da previsão genérica feira pelo art. 7º
FÁBIO AMORIM DA ROCHA
As Irregularidades no Consumo de Energia Elétrica ¡Doutrina – Jurisprudência – Legislação112
daLeinº 8.987 àlegislaçãodoconsumidor. Nãosepode admitir essaorientação,ainda
que prestando o respeito devido ao ilustre autor. Afigura-se inquestionável que o art.
daLein º 8.987 determinaqueosdireitos previstos noCódigodeDefesa do Consu-
midor serão reconhecidos aos usuários de serviços públicos naquilo em que forem
aplicáveis.Nãofundamentopara afirmar que aLeinº8.987 teria ampliado o concei-
to de consumidor e alterado os pressupostos de aplicação do regime consumerista e
inovado o regime do Direito do Consumidor”.
Para o mestre,
“O mais apropriado é reputar que o referido art. 7º estabeleceu quea disciplina do Código
deDefesadoConsumidor é aplicável nasrelaçõesdeconcessãode serviço público naqui-
lo em que for compatível com a natureza da relação jurídica. Mas, em qualquer caso,
tem-sedeadmitirque os pressupostos,oslimitese as regras doCódigodeDefesa do Con-
sumidorpermaneceminalterados. Para sermaispreciso ainda: oart.7ºda Lei 8.987não
alterou os conceitos de ‘consumidor’ e de ‘relação de consumo’”.
Para embasar seu entendimento, o professor Marçal traz entendimento jurisprudencial no
sentidodequeoartigodoCódigodoConsumidordeveserinterpretadonosentidodeque
as normas desse Código não excluem as provenientes de regulamentos específicos expe-
didos pelas autoridades administrativas competentes, no caso, a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), nos exatos termos do que dispõe o art. 1º do Decreto
3.896/01, segundo o qual serviços de telecomunicações, independentemente do regime
jurídicoou interesse abrangido na relação, orientam-se exclusivamente pelas normas edi-
tadas pela Anatel2. Logo, admitindo que incidissem ao caso as regras do CDC, isso não
acarretaria a tutela em favor dos “não consumidores”, posto que o Código de Defesa do
Consumidordefinecomoconsumidor“todapessoafísica ou jurídica que adquire ou utili-
za produto ou serviço como destinatário final”. (art. 2º do CDC).
OmesmoSuperiorTribunaldeJustiçadecidiu no sentido de que o que qualifica uma
pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços
em benefício próprio, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse
de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços3.
Finalizando,oprofessorafirmaque“não podem ser submetidosàproteçãoreservadaao
consumidor aqueles usuários que não se enquadram na definição do art. 2º do CDC.” E
neste sentido,
“Não se argumente que a Resolução nº 456 da ANEELigualaria os usuários, denomi-
nando-os todos como ‘consumidor’. Tem-se de reconhecer que a redação de regula-
FÁBIO AMORIM DA ROCHA
As Irregularidades no Consumo de Energia Elétrica ¡Doutrina – Jurisprudência – Legislação 113
2STJ – Resp 986.7774/MG – Rel. Ministro Castro Meira, DJ. 12/02/2008.
3STJ – Resp 733.560/RJ – Rel. Ministro Nancy Andrighi, 3ª T. DJ de 02/05/2006.

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