Aspectos gerais da propaganda eleitoral na internet

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas311-329

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1. Introdução

Bem ou mal, o legislador ordinário resolveu por meio da Lei nº 12.034, de 2009, regular a propaganda eleitoral na internet. Foram, com isso, introduzidos os artigos 57-A até 57-I na Lei Geral das Eleições, além de ser incluída a hipótese de direito de resposta por ofensas ou fatos inverídicos no inciso IV do art. 58 da Lei nº 9.504/97.

Em 2010, o Tribunal Superior Eleitoral se viu diante de algumas representações que versavam sobre a propaganda eleitoral na internet e passou a enfrentar o tema. Os meios de comunicação social anunciam, atualmente, a perspectiva de um grande aumento das demandas relacionadas à internet, seja em razão do quadro vivenciado nas eleições de 2012, seja principalmente a partir do grande aumento da utilização da internet no Brasil.

Realmente, a Pesquisa Brasileira de Mídia 20141realizada pelo IBOPE e divulgada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência revela que 76% dos brasileiros apontam como fonte primária de informação a televisão, enquanto a internet aparece em segundo lugar, com 14%, a frente das rádios (6%) e dos jornais impressos (8%). Admitida uma segunda menção aos entrevistados, os índices crescem para: 89% - televisão; 30% - rádio; 29% - internet; 8% - jornal impresso; 1% - revista impressa.

Ou seja, a internet disputa hoje com o rádio a posição de segundo meio de comunicação social mais utilizado pelos brasileiros para obter informações sobre determinado assunto, superando, em muito, os jornais e revistas impressas.

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Por outro lado, enquanto os brasileiros ouvem uma média de 187 minutos de rádio por dia, ficam conectados à internet por 219 minutos em média nos dias de semana e 223 minutos nos fins de semana.

Além disso, a internet diferencia-se dos demais meios de comunicação em razão do seu caráter permanente, de interação e possibilidade de expansão.

Os rádios e as televisões transmitem a notícia em tempo real, mas quem não a assistiu dependerá de eventual retransmissão para saber o que efetivamente foi dito. Na internet, não é assim. Uma vez divulgada a informação, ela permanecerá na página de divulgação pelo tempo que o provedor de conteúdo desejar e poderá, a qualquer tempo, ser vista pelo internauta.

Em muitos casos, o usuário poderá interagir com o autor da notícia com comentários e acréscimos, criando verdadeiro e salutar debate sobre a matéria, o que - raríssimas exceções - não é possível de ser realizado nos rádios e nas televisões com a amplitude permitida pela internet.

Além disso, o usuário por meios próprios e simples poderá transmitir a notícia ao seu círculo de amizade ou grupo de interessados em suas opiniões. Esse efeito multiplicador que gera os chamados "virais" da internet não tem limites e, muitas vezes, pode alcançar um número de destinatários superior à média de muitos telejornais.

Por fim, não se pode desconhecer que os principais meios de comunicação social atualmente utilizam a internet como uma das principais fontes de pauta das notícias que divulgam e paralelamente usam a rede mundial de computadores para divulgação das imagens e sons transmitidos pelas ondas do rádio e sinais de televisão. A integração dos meios eleva a importância da internet e aumenta a repercussão do que é divulgado em seus inúmeros sítios e páginas.

Em suma, o alcance das notícias veiculadas pela internet não deve ser desconhecido.

Se o direito eleitoral durante muitos anos se preocupou com o uso indevido dos jornais e revistas nas eleições, o que já justificou inclusive várias cassações de mandatos populares, as mudanças tecnológicas e de hábitos traduz o quadro atual no qual o uso da internet não pode ser minimizado ou desconhecido.

Nem por isso, contudo, a atuação da Justiça Eleitoral deve ser pautada por uma censura desmesurada sobre a internet, pois, ao fim e ao cabo, a rede mun-dial de computadores propicia ao eleitor - verdadeiro destinatário do direito eleitoral - a possibilidade de obter um maior número de informações sobre os candidatos, a partir de diversas fontes de informação, muitas delas não restritas ou compromissadas com determinada linha editorial.

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Para a análise das situações concretas, contudo, o intérprete da legislação eleitoral deve se ater a alguns conceitos, o quais, a partir do voto que proferi na Ação Cautelar nº 1.384-43, passo a reproduzir neste artigo.

2. Provedores que operam na internet

O primeiro ponto a ser tratado diz respeito à qualificação dos diversos tipos de provedores que atuam na internet.

A definição de provedor, no âmbito da rede mundial de computadores, permite diversos significados de acordo com o adjetivo utilizado. A confusão entre os tipos de provedores não é rara e pode ser determinante para aferição da responsabilidade diante de eventual irregularidade.

Por exemplo:

Provedor de Acesso é a instituição responsável pela conectividade entre o usuário e a internet, em muitos casos, as companhias telefônicas que fornecem o meio físico de ligação. A responsabilidade dos provedores de acesso, em regra, é regulada pelo Código do Consumidor e pela legislação específica. Não há, assim, e em princípio, maior relevância de sua atuação, sob o ângulo do direito eleitoral.

· Provedores de Serviços são aqueles que, sejam ou não também provedores de acesso, fornecem ao usuário uma série de serviços e ferramentas. Entre esses, os Provedores de Hospedagem fornecem aos usuários, apenas, os meios (programas de software + bancos de dados) para a manutenção de deter-minados arquivos ou páginas na rede. A responsabilidade dos provedores de serviços deve ser verificada a partir de situações concretas, sendo essen-cial demonstrar que, ao armazenar determinado conteúdo, o provedor tem ciência de seu conteúdo.

Nesse sentido, é importante destacar a diferença entre Provedores de Informação e Provedores de Conteúdo, a qual é explicada por Marcel Leonardi:

"O provedor de informação é toda pessoa natural ou jurídica responsável pela criação das informações divulgadas através da Internet. É o efetivo autor da informação disponibilizada por um provedor de conteúdo.

O provedor de conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação, utilizando para armazená-las servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem.

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Dessa forma, o provedor de conteúdo pode ou não ser o próprio provedor de informação, conforme seja ou não o autor daquilo que disponibiliza"2.

Essa diferença é fundamental no âmbito da legislação eleitoral. O artigo 57-F da Lei nº 9.504, de 1997, dispõe que as penalidades somente se aplicam "ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação [...] se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação".

A exceção prevista na cabeça do art. 57-F faz referência apenas aos provedores de conteúdo e de serviços que hospedam propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação, em relação às quais os provedores de serviços somente responderão se não cumprirem a ordem judicial que determinar a retirada do material divulgado pelos candidatos, partidos ou coligações.

As demais hipóteses, ou seja, aquelas que não cuidam especificadamente do fornecimento de meios de armazenagem para candidato, partido ou coligação, mas, por exemplo, tratam de manutenção de conteúdo próprio ou de particulares, são regidas pelo disposto no parágrafo único do dispositivo:

"O provedor de conteúdo ou de serviços multimídia só será considerado responsável pela divulgação da propaganda se a publicação do material for comprovadamente de seu prévio conhecimento".

Como anotado acima, o provedor de conteúdo (que disponibiliza a informação) pode ou não ser o próprio provedor da informação (o autor da informação).

Quando o provedor de conteúdo é o autor do material divulgado, não há necessidade de se questionar o prévio conhecimento, pois a sua responsabilidade decorre da própria autoria.

Porém, quando o provedor de conteúdo coleta material produzido por terceiros, dando-lhes divulgação, a situação merece uma nova diferenciação:

· Se a coleta é seletiva, ou seja, passa pelo critério de discricionariedade do responsável, que escolhe qual conteúdo será ou não divulgado, a responsabilidade pode ser afirmada a partir do ato volitivo da escolha.

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· Se, por outro lado, o provedor de conteúdo disponibiliza, sem, nenhuma forma de controle, meios para que terceiros incluam material ou informações em sua página, a sua responsabilidade depende do prévio conhecimento, o qual, nem sempre, é possível de ser presumido, especialmente em sítios de grande acesso que recebem várias inserções diárias.

Regulamentando esta última questão, as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral têm previsto a possibilidade de o interessado notificar diretamente o provedor de serviço para levar à sua ciência a existência de material impróprio.

Essa notificação, que pode ser manejada por qualquer pessoa, não impõe, por si só, obrigação de agir. A sua função é exclusivamente a de registrar a certeza de que o provedor tem plena ciência da propaganda, apontada como irregular, que se encontra em sua página.

Ao recebê-la, o responsável pela manutenção ou hospedagem do sítio poderá, em tese, retirar o material apontado como propaganda irregular ou, caso entenda não haver anomalia, poderá optar por mantê-lo e defender judicial-mente a sua licitude. O que não poderá fazer é afirmar que não sabia da existência da propaganda, ou seja, negar o seu prévio conhecimento.

Esse tipo de...

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