Aspectos estressantes de algumas atividades laborais

AutorMaria José Giannella Cataldi
Ocupação do AutorAdvogada. Professora universitária, com pós doutoramento em Direitos Fundamentais pelo Ius Gentium Conimbrigae (IGC/CDH) da Faculdade de Direito de Coimbra.
Páginas77-110

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1. Conceito de acidente de trabalho ou doença profissional

Preliminarmente, vale observar as definições sobre acidente de trabalho, lembrando que, para efeito da nossa legislação, a doença profissional equipara-se ao acidente do trabalho ou infortúnio do trabalho, chamado accident du travail pelos franceses, industrial accident pelos ingleses, betriebsunfal pelos alemães, e infortunio sul lavore pelos italianos, conceituado pela legislação, assenta-se nos requisitos de causalidade, prejudicialidade e do nexo etiológico ou causal.

a) Causalidade: porque o acidente do trabalho é um acontecimento, um evento que não é provocado, ao menos em princípio, mas que acontece normal-mente por acaso e, assim, não há dolo.

b) Prejudicialidade: porque provoca lesão corporal ou perturbação funcional que pode causar a morte, ou a perda, ou a redução permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

c) Nexo etiológico ou causal: consiste na relação de causa e efeito entre o trabalho e o acidente típico (ou doença profissional ou do trabalho equiparada ao acidente de trabalho). A ligação entre ambos, id est, o fato de que o trabalho é a causa do infortúnio.

A expressão exercício do trabalho diz respeito ao fato de que, na execução de suas atividades laborais, decorre o infortúnio.

A expressão "a serviço da empresa" refere-se aos empregados segurados, uma vez que pessoas estranhas poderão estar a serviço de uma empresa como autônomos e sem vínculo empregatício.

A expressão "ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais" foi incluída pelo art. 19, inciso VII, da Lei n. 8.213, de 1991, pelo art. 6º, inciso VII, do Decreto

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n. 357, de 1991, e pelo art. 11, inciso VII, do Decreto n. 2.172, de 1997. Cuida-se de cautela do legislador, que seguiu diretriz constitucional porque as normas legais envolvem os trabalhadores urbanos e rurais.

A definição de lesão, do latim laesio, de laedere = ferir, danificar, quer dizer dano, mal. Nos termos da lei e do decreto, significa ferida no corpo do empregado (do homem, do ser humano).

Seria desnecessária a colocação do adjetivo corporal porque já está implícito - ao corpo do empregado ou a ele equiparado -, provocando-lhe alteração mórbida do organismo, notadamente dos tecidos.

A palavra perturbação, do latim, perturbatio, de perturbare, que dizer transtornar a ordem, desordenar. Perturbação funcional exprime a alteração que se manifesta no trabalhador em consequência da ação sofrida no trabalho, que não o deixará em estado normal de sua habilidade, podendo causar-lhe:

a) a morte, do latim mors, mortis, de reducere = reduzir; permanente, do latim permanens, do verbo permanere = permanecer, persistir, ou temporária, do latim temporarius, por algum tempo, de pouca duração, da capacidade, do latim capacitas = aptidão, idoneidade, qualidade para determinado fim ou tarefa, para o trabalho.

Atenta-se para a conjunção alternativa ou empregada nos textos. Em qualquer dos casos, estará caracterizado o evento.

O acidente do trabalho reclama posição como evento de grande repercussão social, a fim de que as normas disciplinares possam ser fielmente interpretadas. É o que esclarece Mozart Victor Russomano43:

"se não detivermos nossa atenção no reflexo que o acidente do trabalho provoca no seio do grupo humano, nós não teremos como justificar os novos rumos abertos pelo legislador, não saberemos bem aplicar as suas leis, porque desconheceremos o espírito que as anima, e não conseguiremos, enfim, encontrar na busca incessante de melhores normas para maior facilidade do homem - caminhos ainda ignorados".

A configuração do nexo etiológico ou causal (um dos requisitos importantes da doença profissional ou do trabalho), aliada aos demais elementos caracterizadores, conduz, inevitavelmente, à procedência de pretensão que for deduzida em Juízo.

· NEXO, do latim nexu, significa vínculo ou ligação;

· ETIOLÓGICO refere-se à itologia, do grego aitologia, que pode ser entendido em infortunística como o estudo sobre a origem do mal e da incapacidade;

· CAUSAL, do latim causale, é o que se relaciona com a causa.

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É essencial, para o reconhecimento do acidente e da doença profissional ou do trabalho, a relação de causa e efeito, o nexo etiológico ou causal.

Por isso, é bom distinguir os critérios para o diagnóstico de uma doença profissional ou do trabalho, daquele previsto e incluído no Anexo (lista) de doenças profissionais ou do trabalho.

É preciso ser devidamente apurados:

a) a sintomatologia;

b) o grau de risco;

c) o lugar das atividades profissionais;

d) o reconhecimento da doença profissional propriamente dita.

Obedecendo-se ao critério, será possível identificar-se com propriedade a doença agravada pelo trabalho e a doença que não guarda relação com o trabalho.

Ao lado dessa apreciação, serão ponderados os fatores paralelos relacionados aos antecedentes ou à história do trabalho com a doença, período de duração ou tempo de exposição, sensibilidade de pessoa para pessoa, entre diversos outros meios que os expertos médicos tiverem às mãos. Cumprindo-se essa diretriz, admitir-se-á ou não com segurança o nexo etiológico ou causal.

Os indícios e as presunções, ao lado dos sintomas, servem para a comprovação da relação de causa e efeito, assim como grau de risco no lugar de trabalho para a apreciação da moléstia profissional, no caso de dermatose profissional que se pode sustentar ocorrer quando no ambiente de trabalho houver introdução de grande número de substâncias químicas novas.

O câncer de pulmão pode ser a possível complicação dos asbestos, tanto que a OIT44 reconheceu que a inalação de fibras de amianto pode causar, além da fibrose pulmonar e das afecções da pleura, um câncer dos brônquios e mesoteliomas difusos de pleura e do peritônio, quando não de outras partes do corpo do trabalhador exposto.

Os metais duros, amplamente utilizados na indústria moderna, por exemplo, widia-wie-damant, também podem dar origem a afecções pulmonares semelhantes a uma broncoalveolite, que degenera em fibrose pulmonar intersticial.

Daí por que ser bastante preciso estabelecer a relação de causa e efeito entre a doença profissional comprovada e a exposição à inalação desses pós metálicos.

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2. Doenças consideradas acidentes do trabalho

São consideradas como acidentes do trabalho45 as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida, aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade constante da relação de que trata o Anexo II;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que trata o Anexo II.

A Lei n. 3.367, de 19 de outubro de 1976, regulamentada pelo Decreto n. 79.037, de 24 de novembro de 1976, tinha fundamento jurídico na teoria do risco profissional, ampliada pelas teorias do risco de autoridade e social.

O objetivo principal estava na adaptação da lei ao dispositivo constitucional que determinou a integração do seguro obrigatório de acidentes do trabalho na Previdência Social46. Atualmente, a norma está expressa na Constituição Federal de 1988: Sem prejuízo da indenização no caso de dolo ou culpa, in verbis: "Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa".

Um de seus pontos relevantes está na identificação de doença profissional e de doença do trabalho como expressões sinônimas, equiparando-as ao acidente do trabalho nas hipóteses constantes da relação organizada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. A conjunção alternativa ou está a demonstrar a igualdade, o sinônimo entre doença profissional ou do trabalho, adotada pela legislação especial.

A propósito, deixou anotado Joaquim Pimenta47 que:

"se há margem científica para distinguirmos a lesão corporal da doença, não há essa margem para distinguirmos a doença da perturbação funcional. Seja qual for a natureza da moléstia, ela envolverá, sempre, uma perturbação fisiológica. Bastaria, portanto, ao legislador, definir o acidente do trabalho como sendo lesão corporal ou moléstia oriunda de ocorrências verificadas em virtude do trabalho".

Não se confundem acidente e doença profissional ou do trabalho. Naquele, normalmente, há caracterização pela violência; nesta, existe um processo com certa

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duração, que vem a se desencadear em momento exato e a provocar uma lesão corporal, ou perturbação funcional, ou mesmo morte do empregado. A perícia determinará a existência ou não da relação entre a doença profissional ou do trabalho e o acidente para a formal configuração do nexo etiológico ou causal.

A doença profissional ou do trabalho caracteriza-se quando, formalizado o diagnóstico de afecção, ou de intoxicação, verificar-se que o empregado exercia atividade que o expunha ao agente patogênico. O legislador suprimiu, em termos, a incidência dos benefícios acidentários nos casos de doenças profissionais atípicas, de sorte que, quando da equiparação ao acidente típico, deu sentido idêntico para doença profissional e doença do...

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