Aspectos doutrinários favoráveis e desfavoráveis ao ativismo e à autocontenção judicial

AutorGerson Ziebarth Camargo
CargoLicenciatura em Português pela Universidade Federal do Paraná (2004)
Páginas233-264
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CAMARGO, G. Z.
Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 19, n. 2, p. 233-264, jul./dez. 2016
ASPECTOS DOUTRINÁRIOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS AO
ATIVISMO E À AUTOCONTENÇÃO JUDICIAL
Gerson Ziebarth Camargo1
CAMARGO, G. Z. Aspectos doutrinários favoráveis e desfavoráveis ao ativismo
e à autocontenção judicial. Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR. Umuarama. v. 19,
n. 2, p. 233-264, jul./dez. 2016.
RESUMO: O presente artigo teve por m analisar os institutos do ativismo ju-
dicial e da autocontenção judicial relacionados à separação dos poderes diante
das crescentes demandas judiciais e da inuência do Poder Judiciário nas rela-
ções sociais. Consistiu em uma pesquisa qualitativa e partiu de uma abordagem
dedutiva. Com relação às técnicas de coleta, basicamente buscou-se na doutrina
a discussão da temática apresentada. Concluiu que, a despeito da teoria clássica
da repartição de poderes, o Poder Judiciário se mostra atualmente como aquele
que possui maior capacidade institucional, razão pela qual o ativismo judicial se
mostra necessário para concretização dos direitos fundamentais e manutenção
da democracia.
PALAVRAS-CHAVE: Ativismo judicial; Autocontenção judicial; Separação
de poderes.
1 INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade de litigantes (informação verbal2). É no
contexto dessa expressão e da Constituição de 1988 que o Poder Judiciário ad-
quire maior atenção no ordenamento jurídico.
De Aristóteles e do Iluminismo aos dias atuais, defende-se a tese de que
o detentor do poder é o povo e de que todo aquele que detém o poder tende a
dele abusar. Por isso, a necessidade de um sistema de freios e contrapesos entre
os órgãos que, autorizados pelo titular do poder constituinte, exercem o poder.
Entretanto, a concepção clássica dos poderes já não consegue mais ex-
plicar as complexas relações em seu exercício. Já se fala hodiernamente, a des-
DOI: https://doi.org/10.25110/rcjs.v19i2.2016.6470
1Licenciatura em Português pela Universidade Federal do Paraná (2004). Possui Graduação em Di-
reito pelas Faculdades Integradas de Ponta Porã-MS (2015). Pós-graduando (especialização lato sen-
su) em Direito Processual Penal pela FAEL-PR. Mestrando em Direito Processual e Cidadania, Linha
de Pesquisa Jurisdição Constitucional e Cidadania, na UNIPAR-PR. Atualmente é Técnico Judiciário
da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul - TRF3. gersondemolay@gmail.com
2Informação coletada do Professor Zulmar Antonio Fachin, Professor da Universidade Estadual de
Londrina, ao proferir palestra no XI Simpósio de Direito Constitucional, 2014, Curitiba-PR.
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peito do tradicional sistema de freios e contrapesos, em preponderância de um
poder sobre o outro.
Isso porque as exigências sociais zeram o Estado mudar, alterando,
por sua vez, a relação entre os poderes.
Em uma época em que o Estado assumia uma essência liberal, clara-
mente se constatou o Poder Legislativo como protagonista das relações sociais.
Por sua vez, quando o Estado avocou prestações positivas, o que se chamou de
Estado social, o Poder Executivo atraiu as expectativas sociais para si.
Hoje, em um cenário de Estado democrático de direito, o foco volta-se
contundentemente para o Judiciário. Assim, é possível vericar que, em nenhum
momento da história do direito houve um equilíbrio formal e uma justa distri-
buição entre as atribuições dos poderes, pois as demandas e reivindicações da
sociedade ora requeriam maior participação de um poder, ora de outro.
Discute-se, portanto, uma nova teoria de separação de poderes que não
se resuma tão somente à aparência formal e historicamente a ela. Mas, essa pro-
posta só pode ser bem compreendida à luz do neoconstitucionalismo.
Esse movimento jurídico, losóco, sociológico e político – cuja prin-
cipal nalidade é justamente limitar o poder do Estado por meio da inserção
de direitos fundamentais compilados em uma Constituição – caracteriza-se por
uma série de fatores que, em suma, aproximam o direito da moral e conferem ao
destinatário das normas constitucionais a força normativa da Constituição, a e-
cácia horizontal dos direitos fundamentais, o fortalecimento do Poder Judiciário,
constatando, para muitos, o fracasso do Estado legislativo de direito.
Como consequência desse fenômeno e considerando uma aparente su-
premacia do Poder Judiciário em detrimento, principalmente, do Legislativo,
emerge o ativismo judicial. Pelo fato de os juízes e desembargadores - agentes
públicos não eleitos - exercerem fatalmente poder político que por vezes contra-
ria as disposições oriundas do Poder Executivo ou Legislativo cujos membros
representam a vontade popular, surgem controvérsias e questionamentos sobre
a possibilidade de o Poder Judiciário, principalmente na gura do Supremo Tri-
bunal Federal, ter ou não legitimidade para inovar o ordenamento jurídico ou
invalidar decisões daqueles que foram escolhidos pelo povo.
Assim, se, por um lado, o ativismo atribui ao Judiciário um papel de
destaque nas relações sociais, tem-se a contrapartida da autocontenção judicial
que, para alguns críticos, deveria comedir o ativismo judicial. Nesse contexto,
deveria o Judiciário, portanto restringir sua atuação em prol dos órgãos tipica-
mente políticos.
O ativismo, defendem alguns, desprestigiaria o Poder Legislativo, que
teria enfraquecida sua atividade de inovar o ordenamento jurídico, pois as leis
criadas perderiam sua força para a interpretação constitucional realizada pelos
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tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas, a doutrina se mostra dividida quanto ao assunto. Por isso, o ob-
jetivo deste trabalho se limita a analisar os institutos do ativismo judicial e da
autocontenção judicial relacionados à separação dos poderes,
Busca-se explicar e apontar as diferenças entre o ativismo judicial e
autocontenção judicial, vericar qual é a contemporânea visão sobre divisão de
poderes e questionar os argumentos favoráveis, desfavoráveis e conciliadores
dos dois institutos.
O tema a ser estudado revela-se de suma importância na medida em que
se pode vislumbrar ou constatar novas tendências no papel do Poder Judiciário
brasileiro, o que, por sua vez, repercutirá em todas as esferas do Direito e em
todas as relações sociais.
O acesso à justiça é cada vez mais expressivo no Brasil, e as relações
jurídicas se revelam mais complexas em um momento histórico em que o Poder
Legislativo é objeto de descrédito e crise democrática.
2 NOVOS PAPÉIS DO JUDICIÁRIO EM FUNÇÃO DE UM CENÁRIO
NEOCONSTITUCIONALISTA
Realizadas as críticas iniciais quanto ao fato de um poder preponderar
sobre o outro, o professor Dalmo de Abreu Dalari conrma essa ideia ao ensinar
que:
(...) a separação de poderes foi concebida num momento histórico em
que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo sua
atuação. Mas a evolução da sociedade criou exigências novas, que
atingiram profundamente o Estado. Este passou a ser cada vez mais
solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensicando sua
participação nas áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade
de uma legislação muito mais numerosa e mais técnica, incompatível
com os modelos da separação de poderes. O legislativo não tem con-
dições para xar regras gerais sem ter conhecimento do que já foi ou
está sendo feito pelo executivo e sem saber de que meios este dispõe
para atuar. O executivo, por seu lado, não pode car à mercê de um
lento processo de elaboração legislativa, nem sempre adequadamente
concluído, para só então responder às exigências sociais, muitas ve-
zes graves e urgentes. (DALLARI, 1995, p. 186)
A tese de Dallari de que existe uma aparência de separação é irrefutável,
na medida em que, com a judicialização da política, é inevitável a politização
da justiça. Barroso bem observa esse risco à democracia quanto à legitimidade

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