Aspectos do direito contratual no novo Código Civil: resolução. Dissolução. Inexecução. Teoria da imprevisão .

AutorMaria Clara Villasbôas Maudonnet
Páginas175-186

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1. Introdução

A Teoria da Imprevisão, já consagrada pela doutrina e pela jurisprudência brasileira, e já prevista cm alguns diplomas legais deste país de forma esparsa, passa a constar expressamente do Código Civil brasileiro, como já constava de diplomas legais semelhantes, de outros países.

Os arts. 317 e 478 do novo Código Civil, introduzido pela Lei 10.406/2002, tratam especificamente da Teoria da Imprevisão, por força da qual o contrato bilateral pode ser alterado ou dissolvido, caso a prestação devida por uma das parles torne-se por demais onerosa, por força de eventos anormais e imprevisíveis,

2. O contrato e sua dissolução

Para uma aproximação prévia do assunto referente à Teoria da Imprevisão, faz-se necessário apresentar um breve estudo acerca da natureza jurídica contrato e das causas da sua dissolução, sendo uma delas, a provocada pela onerosidade excessiva, advinda para uma das partes, no que toca o cumprimento da prestação contratual que lhe cabe, provocada por eventos supervenientes a contratação, extraordinários e imprevisíveis,

O contrato é a reunião de esforços, objeto da convergência da vontade das partes, constituindo uma relação jurídica de natureza patrimonial, visando a criação, modificação ou extinção de um direito.

O vínculo contratual já constituído e eficaz pode ser dissolvido, (a) por razões contemporâneas de sua formação, caso em que os efeitos produzidos até então são meramente aparentes, ou (b) por motivos supervenientes à sua celebração que afetam

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os efeitos reais e concretos que estavam sendo produzidos.

No primeiro caso, trata-se de nulidade (inexistência, nulidade ou anulabilidade do contraio), provocada pela falta dos pressupostos (capacidade das partes, idoneidade do objeto, e legitimação para a realização do contratado) ou elementos essenciais do contrato (objeto, forma, consentimento e causa).

Nesse caso, a ação interposta para fins de dissolução do contrato c a declaratória, e os efeitos da sentença respectiva rctroa-gem à data da celebração do contrato.

No segundo caso, a dissolução do contrato advém de qualquer uma das seguintes hipóteses: (a) morte de um dos contratantes, se o contrato for intuitu personae, ou seja, dependendo de qualificação específica do contratado; (b) resilição (denúncia) unilateral ou bilateral do contrato, advinda da vontade de um ou dos dois contratantes; (c) resolução, por jnexecução voluntária, em caso de inadimplemento contratual, por culpa de uma das partes, causando dano ao outro, consubstanciando-se nexo de causalidade entre o comportamento ilícito do agente e o prejuízo; (d) resolução, por inexecução involuntária do contrato, na qual se situa a resolução do contrato por onero-sidade excessiva da prestação de uma das partes, causada por força da ocorrência de eventos imprevisíveis, cnsejadores do desequilíbrio contratual superveniente, objeto do presente estudo.

3. Resolução do contrato por inexecuçõo involuntária

Segundo Maria Helena Diniz,1 podem ser citadas as seguintes hipóteses de inexecução involuntária do contrato: (a) ocorrência de evento de caso fortuito ou de força maior que tenham impossibilitado o cumprimento da obrigação por qualquer das partes, inexistindo culpa daquele que não cumpriu sua obrigação, por não haver nexo causal entre o ato praticado e o dano causado; (b) perecimento do objeto do contrato, sem culpa do devedor; (c) suspensão da exigibilidade do cumprimento da obrigação recíproca de uma parte, pela incxecuçao da prestação alheia, sob a alegação da ex-ceção do contrato não cumprido; (d) a one-rosidade excessiva do contrato para uma das partes contratantes, advinda de eventos anormais, que ensejam motivos imprevisíveis, razoáveis para justificar a não exigibilidade do cumprimento do contrato pela parte afetada.

4. Ação de resolução por onerosidade excessiva

A inexecução do contrato pode ensejar a interposição de ação contratual, ainda na tentativa de cumprimento do contrato, ou ação resolutória, para pôr fim ao contrato, cumulada com a ação de indenização, que visa o ressarcimento das perdas e danos, se aplicável.

No entender de Orlando Gomes,2 o pedido referente à ação de resolução do contrato por onerosidade excessiva deve ser formulado pelo devedor que está na iminência de se tornar inadimpiente pela dificuldade de cumprir a obrigação, não podendo ele tornar-se inadimpiente, e, depois, requerer a resolução do contrato. A mora torna a inexecução culposa. A dissolução do contrato, por onerosidade excessiva, exige a decisão judicial, não podendo ser declarada de pleno direito.

A sentença proferida em ação de resolução produz efeitos rctroativos. No contrato de execução continuada, as prestações satisfeitas, já exauridas, não são atingidas, aplicando-se os efeitos da resolução apenas às prestações ainda não cumpridas.

Quando se tratar de contrato de execução diferida, as parles voltam à situação anterior, restituindo-se o valor eventualmente pago. Não há razão, no caso de re-

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solução involuntária, por onerosidade excessiva, de se pleitear a indenização por perdas e danos ao credor. Nesse caso, o devedor é exonerado do cumprimento da sua obrigação.

5. Inexecução involuntária do contrato por onerosidade excessiva

A questão objeto do presente estudo situa-se nesse ponto: a onerosidade excessiva do contrato, advinda de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, pode ensejar a inexecução involuntária do contrato, e, assim, a ação de resolução do contrato, prevista tios arts. 317 e 478 do novo Código Civil, Lei 10.406/2002.

6. Conceito da Teoria da Imprevisão

Segundo Amoldo Medeiros da Fonseca,3 podemos considerar aplicável a Teoria da Imprevisão quando a superveniência de acontecimentos imprevistos e imprevisíveis alterarem radicalmente o ambiente objetivo existente ao tempo da formação do contrato, ensejando onerosidade excessiva para uma das partes, o devedor, e, por outro lado, lucro inesperado e injusto para o credor, acima dos limites razoáveis, de modo a tornar a relação entre as partes deveras desequilibrada, razão pela qual a mesma deverá submeter-se à intervenção judicial.

De acordo com o art. 317 do novo Código Civil, Lei 10.406/2002 — doravante denominado apenas "Código Civil" —, a Teoria da Imprevisão é aplicada para permitir que a prestação devida, tornada desproporcional e excessivamente onerosa para uma das partes, por fato absolutamente imprevisível, seja modificada e corrigida judicialmente, para retomar-se o equilíbrio contratual, e sanar o prejuízo desmedido causado à uma das partes.

Os arts. 478, 479 e 480 da mesma lei complementam o citado art. 317 para determinar que a Teoria da Imprevisão também pode fundamentar a resolução do contrato. Assim, se a obrigação de uma das partes contratantes tornar-se excessivamente onerosa, por eventos supervenientes à contratação, a mesma poderá ser alterada, para resgatar-se a comutativ idade inicial do contrato, ou o mesmo poderá ser resolvido, por decisão judicial ou por acordo entre as partes.

Entende-se que a onerosidade excessiva pressupõe acontecimento extraordinário e imprevisível, do qual advenha dificuldade extrema para o cumprimento da obrigação de um dos contratantes. Essa alteração radical das condições económicas do negócio, com base na Teoria da Imprevisão, pode ensejar a modificação ou a resolução involuntária do contrato comutativo de execução diferida, continuada ou periódica.

7. Onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa

O art. 884 do Código Civil determina que aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Se a coisa não mais existir, a restituição far-se-á pelo valor do bem na época em que foi exigido. Ainda que a causa do enriquecimento tenha havido, mas deixado de existir, a restituição será devida.

Orlando Gomes4 esclarece que há enriquecimento sem causa, independentemente da ilicitude do enriquecimento, sendo pressuposto dele, o nexo de causalidade entre o enriquecimento de um, às expensas do outro.

Regina Beatriz Papa dos Santos5 também esclarece que a configuração da onerosidade excessiva para um dos contratantes está desvinculada do enriquecimento

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sem causa ensejado para a outra parte. Há casos em que a onerosidade excessiva para uma das parles não enseja em lucro excessivo para a outra, mas, sim, até prejuízo. O objetivo da aplicação da Teoria da Imprevisão não é punir uma parte, mas socorrer o contratante lesado pelo desequilíbrio contratual.

8. Onerosidade excessiva e lesão de um dos contratantes

A distinção entre a onerosidade excessiva e a lesão, prevista no art. 157 do Código Civil, consiste no seguinte: o contratante lesado — segundo Marco Aurélio Bezerra de Melo6 assume, na conclusão do contrato, prestação manifestamente desproporcional à contraprestação, em razão da sua inexperiência ou premente necessidade, enquanto a onerosidade excessiva...

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