Aspectos da tutela legal do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador no Brasil

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas417-428

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1. Introdução

Objetiva-se com este trabalho fazer algumas reflexões sobre a tutela legal do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador no Brasil, em especial enfocando as importantes alterações evolutivas trazidas pela Constituição Federal de 1988, leis infraconstitucionais antes e depois, que se conformaram com a Carta Maior e, finalmente, analisar alguns importantes aspectos inseridos na reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional por meio da Lei n. 13.467/2017, que entrará em vigor em 12.11.2017. Por fim serão examinados alguns aspectos e consequências que poderão advir da referida reforma para as questões ambientais, para a saúde dos trabalhadores e para a sociedade brasileira.

2. Aspectos legais sobre o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador no Brasil

Como consagrado em declarações internacionais, o primeiro e mais importante direito fundamental do homem é o direito à vida, suporte para existência e gozo dos demais direitos. Para que os trabalhadores tenham de verdade assegurado o direito à vida com qualidade é necessário implementar trabalho digno, decente, seguro e sadio em condições que não degradem a sua integridade física e psíquica.

É indene de dúvida que a Constituição Federal do Brasil de 1988 representou importante marco histórico na proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, incluindo o meio ambiente do trabalho e a saúde como núcleos principais dessa proteção. Por isso, como princípios fundamentais estabelece o art. 1º da Constituição Federal que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. O art. 170, por sua vez, diz que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados a defesa do meio ambiente e o pleno emprego.

O art. 6º, um dos mais importantes comandos constitucionais, elenca como direitos sociais2 a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Quanto ao meio ambiente no geral, de forma ímpar e contundente o art. 225 da Carta Magna brasileira estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Para assegurar a efetividade desse importante direito incumbe ao Poder Público (§ 1º) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (inc. VI), sendo que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (§ 3º).

O art. 196 da mesma Carta Maior diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos para o ser humano, o que é complementado pelo art. 200 do diploma constitucional, que atribui ao Sistema Único de Saúde (SUS) competência para, além de outras atribuições, nos termos da lei, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o meio ambiente do trabalho.

Como se vê do comando constitucional, o meio ambiente do trabalho também é meio ambiente e está submetido aos princípios e regras que norteiam a nova disciplina do Direito Ambiental brasileiro. Cabe lembrar, por oportuno, que os danos ao meio ambiente ecológico, como regra geral, atingem indiretamente o ser humano, enquanto que os danos ao meio ambiente do trabalho, também como regra, atingem diretamente o ser humano trabalhador, de maneira que a importância deste aspecto do meio ambiente deve ser enaltecido na busca da prevenção dos danos para a saúde dos trabalhadores, que, quase sempre são irreversíveis e irreparáveis.

Na esfera infraconstitucional temos como importante, na preservação dos riscos nos ambientes de trabalho a Lei n. 6.938/81, cujo inc. III do art. 3º é de grande importância para o Direito do Trabalho, quando define a poluição como sendo a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população.

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Observa-se que a Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio ambiente) e a Constituição Federal estabelecem e asseguram como objeto da proteção ambiental a vida, em especial a vida humana ou a sadia qualidade de vida, isso porque tudo nesse mundo gira ou deve girar em torno do ser humano.

Quanto ao meio ambiente do trabalho, nos aspectos preventivos e reparatórios, o art. 7º da Constituição Federal estabelece que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (XXII) e, não menos importante, o inc. XXVIII sobre o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

No inc. XIII do art. 7° assegura-se a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”, no inc. XIV “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva” e no inc. XXIII “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”.

São alguns exemplos de tutela constitucional do meio ambiente do trabalho que visam a eliminação ou ao menos a diminuição dos riscos para saúde e integridade física dos trabalhadores.

Cabe lembrar que o aspecto da limitação da jornada de trabalho marcou as mais importantes lutas trabalhistas e, por conta delas, conquistas mundiais ao se estabelecer como regra geral o limite de 8 horas de trabalho por dia ou menor carga, dependendo do maior risco da atividade para a saúde e vida dos trabalhadores.

Tendo como norte a Carta Maior de 1988 as Constituições estaduais do Brasil também se preocuparam com a tutela do meio ambiente do trabalho e da saúde dos trabalhadores, sendo exemplo a do Estado de São Paulo, que no art. 229 preconiza que:

Compete à autoridade estadual, de ofício ou mediante denúncia de risco à saúde, proceder à avaliação das fontes de risco no ambiente de trabalho e determinar a adoção das devidas providências para que cessem os motivos que lhe deram causa (grifados).

§ 2º Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco (grifados).

§ 3º O Estado atuará para garantir a saúde e a segurança dos empregados nos ambientes de trabalho (grifados).

Recepcionada pela Constituição Federal a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo Capítulo V trata da segurança e medicina do trabalho, além da Portaria n. 3.214/77, do Ministério do Trabalho, que por meio das suas várias Normas

Regulamentadoras (NR’s) cuida da proteção do meio ambiente do trabalho, visando eliminar ou diminuir os riscos ambientais e, com isso, proteger a integridade física e psíquica dos trabalhadores.

Existem na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) artigos de grande importância para a defesa do meio ambiente do trabalho e da saúde dos trabalhadores, como o art. 160, que reza:

Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho. (grifados)

Esse dispositivo está em perfeita consonância com a Constituição

Federal, que no art. 225, § 1º e IV estabelece:

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ... exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (grifados)

O que se vê é que já tínhamos na área do trabalho um “Estudo Prévio de Impacto Ambiental”, que, todavia, tem sido letra morta por conta da ineficiência da fiscalização estatal. Imaginemos se pelo menos nas atividades insalubres, perigosas e penosas fosse adotada inspeção prévia pelos Auditores Fiscais do Trabalho! Seria importante forma de ação verdadeiramente preventiva que, certamente evitaria muitos agravos para a saúde dos trabalhadores com resultados positivos para a sociedade, que no final das contas responde pelas consequências dos acidentes e adoecimentos dos trabalhadores.

Ainda na CLT temos o art. 156 que estabelece:

Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição...

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